Arlindo Fagundes (Ovar, 1945) é um autor de
BD veterano que milhares de portugueses conhecem, em especial pelas ilustrações
da colecção «Uma Aventura». O terceiro álbum do seu herói, Pitanga, O Colega de Sevilha, coloca-o no centro
de um dos maiores dramas dos dias de hoje: o tráfico de refugiados e migrantes ilegais, da costa de Marrocos às praias
de Espanha.
Enquanto este texto é escrito, dezenas de
refugiados e imigrantes, esperam há semanas, ao largo da ilha italiana de
Lampedusa, autorização para desembarcar; alguns atiram-se ao mar, julgando que
conseguem vencer as duas ou três milhas que os separam da costa; na ilha grega
de Lesbos, milhares aguardam, numa espécie de limbo, que a vida prossiga, nos
perigos que encerra um centro de refugiados... O Colega de Sevilha é, assim, um mergulho na actualidade que traz à
tona uma velha discussão, a propósito doutras artes, mas também com cabimento
na BD: a de esta poder ser igualmente bem servida se tratar de assuntos do
nosso tempo. Hergé, de quem se fala aqui ao lado, é disso exemplo: boa parte da
sua obra abordou temas candentes que lhe eram contemporâneos. E nem é
necessário enveredar por vias panfletárias e politicamente comprometidas –
basta tão-só mostrar. O livro de Arlindo Fagundes é, desse ponto de vista,
extraordinariamente conseguido.
O protagonista desta história, Pitanga,
“barbeiro de luxo ao domicílio” e motard
aficionado, com o seu inconfundível cachecol branco às bolinhas pretas e
t-shirt de riscas à Pat Metheny, tem laivos de anti-herói e um humor
ligeiramente ácido. Pela pinta e pela pose, entra bem na categoria das
personagens carismáticas da BD europeia, de Blueberry a Corto Maltese. Em
bolandas em Tânger, e coagido por uma rede de traficantes a pilotar um desses
pneumáticos a motor que costumamos ver sobrelotados nos telejornais, faz a
travessia do Mediterrâneo com umas quantas dezenas de foragidos da África
Subsaariana, muitos deles harragas,
ou indocumentados – gente que queimou a identificação do país de origem, para
que não se possa determinar se são refugiados de um estado em guerra ou meros migrantes económicos. São
passageiros do desespero que não se limitam à parte negra do continente
africano, mas também jovens magrebinos que fogem das suas aldeias, de um
horizonte sem perspectivas de vida. Com Pitanga segue uma amizade recente,
Mané, um simpático guineense com todo um passado de envolvimento na complicada
e perigosa política da Guiné-Bissau – o tal colega
de Sevilha…
Trata-se de uma eficaz BD de formato clássico
e muito bem documentada. A narrativa é fluida e aberta, deixando alguns pontos
do argumento por esclarecer, quem sabe para outros assados, em próximo álbum. A
organização das pranchas, oscilando entre oito e 14 vinhetas, não prejudica a
fluência narrativa, para a qual contribui a desenvoltura do traço de Fagundes.
Este é também o primeiro álbum a cores de Pitanga, com um óptimo trabalho de
José Pedro Costa, tanto na garridice das claridades do sul, como no breu
nevoento da travessia, páginas, aliás, de antologia no âmbito dos quadradinhos
nacionais.
Texto e desenhos: Arlindo Fagundes
Cor: José Pedro Costa
Arcádia, Lisboa, 2019
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