Certo dia, por volta
de 1970, um miúdo saía com a avó da tabacaria do Cruzeiro, no
Estoril, levando uma revista aos
quadradinhos com personagens desconhecidas. Na capa, um elefante
verde bonacheirão servia de árvore de Natal, enquanto umas
crianças, mais ou menos da sua idade, se divertiam a colocar
gambiarras coloridas em torno do paquiderme. Era uma Mônica,
com acento circunflexo, e lá dentro, universos diferentes, posto que
aparentemente menos fantasiosos que uma Patópolis ou a Bedrock dos
Flintstones. Começado o folheio, rapaz emigrou a salto e a salvo das
chatices do universo adulto, e por lá foi ficando.
Maurício
de Sousa (Santa Isabel, SP, 1935) é um criador de mundos, desde que
em 1959 se estreou na paulista Folha
da Manhã,
e a capa da revista, que o miúdo guardou, representava uma espécie
de crossover
de dois dos habitats mauricianos: a Turma da Mônica, a menina dona
da rua, de incisivos salientes, vestido vermelho e um eterno coelho
de peluche com que punha k.o.
os rapazes que a desafiavam – Cebolinha, cinco fios de cabelo,
trocando os erres pelos eles; Cascão, alérgico a água, a glutona
Magali, Franjinha, um pouco mais velho, dono do Bidu, um cão azul,
Zé Luís, caixa d'óculos e engenhocas, entre outros – e Jotalhão,
o protagonista da Turma da Mata, juntamente com Raposão, Coelho
Caolho (118 filhos), Tarugo, tartaruga míope numa carapaça
descapotável, Rita, a formiga apaixonada por Jotalhão, o Rei
Leonino, num ambiente de fábula que não se esquece. Acresça-se
Chico Bento, um menino caipira, versão benigna e infantil do
inesquecível Jeca Tatu, de Monteiro Lobato; os hippies do momento,
Rolo e Tina; Horácio, um pequeno tiranossauro meditabundo; Piteco e
Tuga, um casal pré-histórico; e o Astronauta, viajante solitário
pelo Cosmos, outra das suas grandes criações, foram a base para
Maurício se tornar uma espécie de Walt Disney brasileiro, com o seu
merchandising,
os seus parques de diversões, a sua produção em série.
Do
rol inicial falta referir a Turma do Penadinho, estrela do livro de
hoje. Surgido em 1963, contracenando com Cebolinha, e então chamado
Fantasminha, Maurício muda-lhe o nome e o cenário: lugar para
personagens do outro mundo é o cemitério, e com ele outros seres,
não de terror, mas de “terrir”, como se adverte na contracapa:
Cranícola, um verdadeiro crânio, Muminho, espécime do Antigo
Egipto, Dona Morte, de ar compassivo e gadanha ao ombro, os
inevitáveis Zé Vampir, Lobi e Frank, entre outros. As
Melhores Tiras do Penadinho
coligem pequenas histórias recentes, nas quais, por entre muitas
referências especificamente brasileiras, do folclore (a Mula sem
cabeça), a ocorrência episódica dum vocabulário espírita ou um
quotidiano violento que todos conhecemos, se brinca com o que de mais
sério e assustador impende sobre as crianças: a morte. Fazer com
que esbocem sorrisos em matéria tão dramática e traumatizante é
sem dúvida um feito.
As Melhores
Tiras do Penadinho, vol.
1
autor: Maurício
de Sousa
edição:
Maurício de Sousa Editora e Panini Books, São Paulo, 2008
«Leitor de BD»