segunda-feira, 29 de novembro de 2021

de A a Z - H, de Hagar o Horrível (Dick Browne, 1975)




Víquingue rude, e de pelagem hirsuta, terror de anglos e francos que lhe sofrem a pilhagem, temido por todos, tem pena de que a família não saiba disso: Helga, a mulher, sempre reclamante, e os filhos Honi, adolescente, apaixonada, e Hamlet, um intelectual nada interessado em expedições e saques. Era uma delícia que os jornais ofereciam.

«Leitor de BD»

domingo, 28 de novembro de 2021

uma personagem cheia



Bart “o” Belga montou em Nice dois restaurantes de especialidades gastronómicas do país de Hergé e Franquin (que é também o de Brel, Magritte, Simenon, Yourcenar...), arredondando os proventos com um tráfico modesto de cannabis e um pouco de pó branco, quando calha. Uma vez instalado, teve, porém, de lidar com as exigências da “Trindade”, organização mafiosa que pratica a extorsão, e todos os outros crimes de catálogo, liderada por um velho magnata cuja fortuna se fez alegadamente em torno das corridas de cavalos e apostas, um proxeneta rufia, destinatário de tráfico de carne branca oriundo do Leste, e um empreiteiro que evolui no mundo legal, corrompendo os agentes do Estado. O aviso é feito com um assalto meio simulado a um dos restaurantes, perpetrado por três homens embuçados. Mas ninguém contava que um velho que por lá passara a comprar uma “mitraillette”, típica sanduíche belga, depois de agredido por um dos sicários, neutralizasse todos como se fossem meninos de escola. Trata-se de Vadim Koczinsky, o protagonista do álbum de hoje

Quando os comunistas tomaram o poder em Varsóvia, o jovem Vadim fugiu e alistou-se na Legião Estrangeira, tornando-se atirador de elite. Chegada a idade da reforma e tendo enviuvado, Vadim acomoda-se num lar confortável, graças às poupanças, empregando o remanescente num seguro de vida para o neto, depois de a filha, casada com um indivíduo suspeitoso de traficâncias, ter sucumbido às drogas, algo por que Vadim responsabiliza o genro. Os dias passavam-se amargos mas tranquilos no lar, até que o idoso é notificado que a conta bancária está a zeros, por burla do gestor. Obrigado a deixar a casa de repouso, vendo-se acolhido num albergue para sem-abrigo, ciente de que Sacha ficou sem o seguro de vida, acabará por aceitar a proposta de Bart van Coppens, que a tudo assistira no seu restaurante: “o Belga” não é tipo para deixar-se ficar, e vê no aposentado o homem que irá executar os chefes da “Trindade”. O velho aceita, com condições, e será ainda posto à prova antes de dar conta do trio de bandidos que domina a cidade. O pior são as malditas artrites, que lhe paralisam os dedos de quando em vez.

Monsieur Vadim é um herói inusitado, uma máquina de matar espondilítica, porém com consciência: não é assassino de inocentes, e tem um hábito q ue cumpre religiosamente, a telenovela diária, um pastelão intitulado “As Conchas do Amor”, o que provoca estupefacção, tornando-o alvo de ironia. Como se vê, uma personagem cheia, posta numa situação que não imaginamos consentânea com utentes de lares e centros de dia. O argumento, de Gihef e Didier Mertens, é cru: ajustes de contas com amputações sortidas, curros onde se encerram as jovens mulheres traficadas, forçadas à prostituição; mas não cede a um maniqueísmo fácil: a conversa fortuita de Vadim com um dos homens que no dia seguinte terá na mira é um dos vários bons momentos desta BD. O desenho expressivo, rugoso e com um apurado sentido do movimento de Morgann Tanco, está à altura da escrita de Gihef e Mertens, sendo por sua vez servido na justa medida pela paleta experimentada de Cerise (o casal Cynthia Englebert e Gianluca Carboni).


Monsieur Vadim 1 – Arthrose, Crime & Crustacés

Texto: Gihef e Didier Mertens

Desenhos: Morgann Tanco

edição: Grand Angle, Charnay Les Macôn, 2021

«Leitor de BD»

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

de A a Z - G, de Gaston Lagaffe (André Franquin, 1957)




Uma das mais geniais criações da BD, Gaston é funcionário da redacção da revista Spirou, responsável pelo correio. Ninguém sabe quem o contratou e ele também não se lembra. As gaffes são épicas e o expediente para não fazer nada, também. É inventor de inutilidades e pratos deslumbrantes, como o inolvidável bacalhau com morangos.

«Leitor de BD»


segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Brick Bradford, um herói sem tempo


Os primórdios das séries de  ficção científica em BD situam-se muito depois de  escritores como Júlio Verne ou H. G. Wells encerrarem o século XIX anunciando a miríade de caminhos possíveis para as estrelas. Buck Rogers, em 1929, através do traço de Dick Calkins, a partir de um conto de Philip Francis Nowlan, é o primeiro a ganhar as páginas dos quadradinhos. Segue-se Brick Bradford, o herói do livro de hoje, com argumento de William Ritt (1902-1972) e desenhos de Clarence Gray (1901-1957). Nenhum dos dois porém atingirá a aura de Flash Gordon (1934), de Alex Raymond, um dos maiores nomes da 9.ª arte. Lermos um Brick Bradford com os olhos de hoje, esquecendo que os comics eram puro entretenimento publicado nas últimas páginas dos jornais e destinado a todos os públicos, pode ser um exercício de masoquismo, tal o tom naïf e hollywoodesco do argumento. No entanto, Bradford faz parte de um processo que culminará, por exemplo, com uma notável série francesa, madura e complexa, como Valérian (1967), dos franceses Jean-Claude Mézières e Pierre Christin. Brick Bradford está dentro da que é tida como a idade de ouro dos comics americamos (1929-45), devendo-se-lhe também a consolidação de um género nos quadradinhos, sempre apelativo: o das viagens no tempo.

Nesta altura, as narrativas sequenciais sucediam-se indefinidamente, dia após dia, semana após semana, consoante se tratasse de tiras ou páginas dominicais. Chegada a altura de reuni-las em revista ou álbum, era inevitável os referentes narrativos estarem alhures. Por exemplo, Rota é uma "princesa imperial" caída em desgraça e abandonada numa ilha deserta, sem que se saiba a razão. (Uma edição actual traria um resumo do que se passara até aí). Tal como Buck Rogers e Flash Gordon, estamos diante de um trio herói-donzela-sábio. Brick Bradford é um protótipo, pela atitude, do que viria a ser um super-herói. Não tem superpoderes, apenas intrepidez e coragem, e monta ainda a cavalo – o "Chama" –, embora viaje pelo espaço e pelo tempo, graças ao domínio de um elemento chamado "Timex"... Estes périplos recorrentes são um dos atractivos da série: homens de um amanhã longínquo de crânios gigantescos e corpo reduzido (ainda na última semana trouxemos ao "Abecedário" o Esquálidus, de Floyd Gottefredson...), evoluindo dentro de uma bolha, que encerram também as cidades; além de anacronismos sempre saborosos: aztecas e naves espaciais, pilotos com farda tardomedieval, e por aí fora. O cientista amigo de Brick é o bonacheirão Doutor Dramaticus, com aspecto de bonzo tibetano. Sendo amigo do herói é adversário da heroína coadjuvante, deixando o primeiro numa situação desconfortável, embora não hesitante. A(s) história(s) datam de 1945: uma incursão no "hemisfério perdido" (a América), dominado por insectos gigantes, seguindo-se uma perseguição pelo futuro a culminar no ano 1001945 (!)

Brick Bradford

texto: William Riit

desenhos: Clarence Gray:

edição: Editorial Presença, Lisboa, 1976

«Leitor de BD»

domingo, 21 de novembro de 2021

de A a Z - Fantasma / The Phantom (Lee Falk & Ray Moore, 1936)

 



Um espírito que anda, acompanhado por um lobo, a que chama “Diabo”. Um mascarado imortal, assim o julgam todos, menos os pigmeus bandar, junto de quem vive, na Caverna da Caveira. O Fantasma (o Senhor Walker, quando vestido à civil) é o último de uma linhagem que desde há 400 anos jura combater o crime. Nunca se vira nada assim, um justiceiro que inflige o terror à bandidagem. O Batman virá beber aqui.

«Leitor de BD»

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

aviões de papel

 




Que fazem dois autores de BD quando pretendem desenvolver uma série de aviação, de aviões percebendo nada? Obviamente, tiram o brevê... Foi o que se passou com Jean-Michel Charlier (1924-1989) e Victor Hubinon (1924-1979), antes de estrearem a primeira aventura do coronel piloto-aviador Buck Danny, Les Japs Attaquent (1947), episódio de Pearl Harbour, no Pacífico, com uma forte inspiração de Terry e os Piratas, de Milton Caniff (1907-1988), terminada no ano anterior e substituída por Steve Canyon, também ele um ás Força Aérea Americana. Buck Danny é um coronel piloto-aviador, que desde cedo contará com a companhia de dois camaradas:  o capitão Tumbler e o tenente Tuckson. Acompanhando o tempo histórico em que cada álbum se publica, trata-se da mais antiga e bem-sucedida série de aviação de guerra da BD franco-belga: 58 álbuns, 40 dos quais assinados por esta dupla.

Livros como o de hoje, Histoires Courtes (1946-1969), destinam-se principalmente aos admiradores das séries e aficionados dos quadradinhos em geral. Compõem-se de episódios breves, curiosidades, pastiches, documentação. Neste caso, criteriosamente editado por Bernard L. Thouvanel, jornalista especializado em temas de aeronáutica, recolhe dez breves histórias, algumas inéditas outras dispersas, para além de fotografias históricas. Mas o leitor comum ficará sempre mais bem servido com a narrativa canónica das 46 páginas. 

O álbum começa com a pré-história de Buck Danny: "Pilotos de turismo" (1946), apenas de Hubinon, um trecho de humor que conta as peripécias por que passavam os candidatos ao brevê numa qualquer escola de aviação. Segue-se "A agonia do 'Bismark'", também de '46, em que ambos desenham: episódio verídico sobre o super-couraçado "Bismark", o mais poderoso vaso de guerra até então construído, que afundara o HMS Hood, orgulho da Royal Navy, na batalha naval do Estreito da Dinamarca (1941), representando uma séria ameaça, como afirmou Churchill: "Para que a Inglaterra sobreviva, custe o que custar, afundem o Bismark!" Os ingleses vão empreender uma perseguição fazendo pagar caro a pesporrência nazi. Pese a juventude dos autores, com 22 anos, o dinamismo narrativo é eficaz, com vinhetas esplêndidas de batalha aéreo-naval, e abundância de plano picado e contrapicado, como seria de esperar. "Duelo no Céu", "Missão Especial" e "Roubaram um Protótipo..." (1955-56) são histórias breves de quatro pranchas, agora já com o coronel Danny, durante a Guerra Fria, em que está sempre por detrás a acção de uma potência estrangeira, nunca nomeada. Se não acrescentam nada a este universo, também não deixam os créditos dos autores por mão alheias, embora Charlier detestasse escrever narrativas curtas por lhe queimarem vários cartuchos passíveis de usar num álbum canónico. Finalmente quatro pequenos episódios de humor e autopastiche: "As horripilantes aventuras de Buck Danny, veterano da U. S. Air Force" (1957); "Duck Flappy - Protótipo X-6432589" (1960); "Missão Especial" e "Uma História Inacreditável" (1969), cereja no topo: em pleno ar, o chefe da esquadrilha comporta-se estranha e perigosamente aos comandos, para espanto dos companheiros: chegados ao solo, Tumbler e Tucker dirigem-se furiosos ao comandante, quando vêem Gaston Lagaffe, o anti-herói criado por Franquin, vestido a preceito, trazendo na mão o manual "Piloto de Caça em Três Lições", e com justificação: uma vez que vira Buck Danny demasiado absorvido pela aventura da página 14, resolvera substituí-lo, naturalmente...

Les Aventures de Buck Danny - Histoires Courtes 1. (1946-1969)

Texto e desenhos: Jean-Michel Charlier e Victor Hubinon.

Edição: Dupuis, Marcinelle, 2020

«Leitor de BD»



segunda-feira, 1 de novembro de 2021

de A a Z - Esquálidus / Eega Beeva (Bill Walsh e Floyd Gottfredson, 1947)


 


Homem do futuro (século XXIV), encontrado fortuitamente por Mickey e Pateta no interior de uma caverna, dormindo no topo de uma estalagmite. De nome completo Pittisborum Psercy Pystachi Pseter Psersimmon Plummer-Push, fala na língua dos pês. De cabeça desproporcional e mãos e pés em que sobressai apenas o polegar e o dedão, tem como uma das características retirar do saiote qualquer objecto, de um dedal a um iate. Bem visto: cérebro enorme para armazenar dados, polegares avantajados para teclar um móvel, resolvido o problema de acumulação de bens de consumo. Seremos felizes no século XXIV.

«Leitor de BD»