terça-feira, 28 de dezembro de 2021

de A a Z - M, de Martin Milan (Godard, 1971)


Piloto de um táxi-aéro, o “Velho Pelicano”, que a cada voo fica mais desconjuntado, Martin Milan é um humanista entre o fleumático e o frio, sempre do lado do mais fraco e inseparável do seu cachimbo. O humor entrelaça-se com a poesia.

«Leitor de BD»


sábado, 25 de dezembro de 2021

É Natal!


Para crentes e não crentes, e para quantos têm um Norte, Com votos de Boas Festas, aqui fica um Presépio desenhado por Fernando Bento (1910-1996), um homem dos jornais e das revistas, do Diário de Lisboa ao Cavaleiro Andante – ambos de óptima memória – extraído do seu primeiro livro, A Última História da Xerazade (E.N.P., Lisboa,1944), em que deu brilho às palavras de Adolfo Simões Müller.

«Leitor de BD»

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

a vez de Nadine



Ric Hochet, série policial e detectivesca criada em 1958 por André-Paul Duchâteau (1925-2020) e Tibet (Gilbert Gascard, 1931-2010) para a revista Tintin. É do melhor que se fez no género. Ao longo de 78 álbuns – o último é publicado no ano da morte de Tibet –, conta-nos de um jornalista irrequieto e glamoroso constantemente partícipe em thrillers levados da breca, cuja namorada, Nadine, é sobrinha do comissário de polícia Sigismond Bourdon – um trio que resulta sempre nos quadradinhos. Brevemente trataremos da série canónica, porque hoje o álbum pertence aos “Novos Inquéritos de Ric Hochet”, A vaga de revisitações que felizmente ocorre na BD franco-belga não podia deixá-lo de fora, sendo, em 2015, a personagem entregue a Zidrou (Anderlecht, 1962) – esplêndido argumentista de quem já aqui falámos algumas vezes – e a Simon van Liemt (Aix-en-Provence, 1974).

Em Comissaire Griot (2021), Zidrou situa temporalmente a acção em 1970 – uma inovação, uma vez que Ric Hochet pertence ao grupo de personagens que não envelhece, acompanhando o tempo presente. Motivado por um intercâmbio estabelecido entre as polícias de França e do Senegal, Bourdon desloca-se por dois meses a Casamansa, sendo substituído pelo comissário Ousmane Lamine Cissoko Dior, um gigante africano quase sempre irónico com os equívocos de teor racista de que é alvo, numa sociedade parisiense habituada a ver nos filhos das ex-colónias os concidadãos (?) da base da pirâmide social. Zidrou vai aqui de encontro ao espírito do tempo, fazendo-o do nosso ponto de vista, pelo ângulo certo, o do humor.

Outro assunto na ordem do dia é o do empoderamento (palavra horrível) feminino. Na série canónica, estreada há mais de sessenta anos, Nadine era uma fillette graciosa que servia para aligeirar a atmosfera pesada da trama, algo inconcebível actualmente. Agora vive com Ric, foi admitida como repórter no mesmo jornal em que este trabalha e já é não apenas a namoradinha do herói , mas uma parceira bastante mais expedita que o companheiro nos avanços amorosos, o que é sempre uma alegria para o olhar. De resto, nunca se viu tanta roupa interior nestas histórias outrora para rapazes bem comportados. Não tanto pelo que estarão a pensar – não de todo erradamente – ,mas porque um dos casos que aflige a polícia é o de um certo “Cupido”, que ataca mulheres na casa dos trinta, quarenta anos, atando-as a uma cadeira, cravando-lhes no coração um punhal, no qual se prende uma carta que lhe é destinada, sempre entoando uma canção romântica. Paralelamente, o cadáver de um velho exorcista é encontrado pela porteira do prédio, com o coração arrancado e depositado na mão, que o médico legista verificará não corresponder ao da vítima... Ao mesmo tempo, em África, Bourdon, em choque cultural, anseia pelo regresso.

Resumindo: um Ric Hochet aggiornato, mas secundarizado por uma esplêndida Nadine e pelo próprio comissário Dior (sem relação de parentesco com a famosa casa, como gosta de dizer...). Van Liemt cumpre com brio. Considerando estar a substituir Tibet, não é nada pouco.


Les Nouvelles Enquêtes de Ric Hochet t. 5 – Commisaire Griot

texto: Zidrou

desenhos: van Liemt

edição: Le Lombard, Bruxelas, 2021

«Leitor de BD»

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

as férias do Pato Donald



Les Vacances de Donald, de Frédéric Brrémaud e Federico Bertolucci. Esplêndida colaboração ítalo-francesa, põe o Pato Donald em fuga do bulício citadino rumo às placidez campestre, ao volante daquele maravilhoso Belchfire Runabout de 1934, matrícula 313. Tratando-se de Donald, já sabemos que o bulício passa agora para o campo. Uma abordagem mais europeia na planificação das pranchas, com um ritmo narrativo – sem palavras – muito inspirada nas curtas-metragens clássicas produzidas por Walt Disney. (Glénat)

«Leitor de BD»

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

o que foi Stuart?


1- Nova visita a um pioneiro dos quadradinhos em Portugal, embora num âmbito mais largo, abrangendo as várias dimensões em que Stuart se expressava, do cartoon à pintura, do capismo e ilustração ao desenho publicitário. Foi o que fez João Paulo Cotrim (Lisboa, 1965), argumentista de BD, entre outras coisas, aqui no papel de historiador ensaiante em torno da vida e obra do criador de Quim e Manecas, em Stuart – A Rua e o Riso (2006), livro de grande formato e volume, para ser lido e visto (e, no nosso caso, também sublinhado) – tudo menos um coffe table book, embora o sainete seja garantido. É excelente o trabalho de Cotrim, pela profusão das imagens, a forma pensada com que o livro foi arrumado e o levantamento das fontes, em que não faltam as homenagens de colegas do mesmo ofício (de Valença a Amarelhe) ou nossos coetâneos (de António a João Fazenda, inéditos até aqui). Acresce fragmentos dos homens dos jornais, como Norberto Araújo, das revistas literárias, o caso de José Pacheko (Contemporânea e Portugal Futurista), e o incomparável e desvairado Reinaldo Ferreira, o Repórter X (nom de plume que aproveitou de um desenrascanço de tipógrafo que não percebera a assinatura), que assim escrevia sobre essoutra deste Stuart, em 1923: “Um S a tombar sobre um t hirto que estende a mão ao u escancarado e que ameaça engolir o a d'imprensa que se lhe segue e que, por sua vez, parece galgar um r que vai encostado a um t final, espécie de poste de cruz, a fechar...” (p. 22). Com eles, fragmentos de escritores de coturno mais alto, como veremos para a semana.

Nascido em Vila Real, José Herculano Stuart Torrie d'Almeida Carvalhais (1887-1961), provindo de famílias tradicionais, foi um aristocrata da boémia lisboeta, de onde irradiava o talento que a necessidade e a dependência alcoólica não tolhiam. Muito cedo iniciado nas lides jornalísticas, começa a publicar em O Século, no ano seguinte ao da morte de Rafael Bordalo Pinheiro, de que não será herdeiro, como Cotrim sublinha, ao contrário dos nomes proeminentes do desenho humorístico de então. Começa por assinar JStuart Carvalhaes, mas na década de 1910 já marcava de espadachim os trabalhos que lhe saíam. Depois de um breve período em Paris, que lhe alargou as vistas, regressa, casando-se, em 1913, com uma varina, “como a querer dizer que desposa a cidade” – escreve o autor; essa Fausta Moreira, cujo traço não conheceremos, tornada onírica à força de a imaginarmos; e ele, Stuart, o culpado, graças a essa obsessão boa pela beleza do sexo feminino, como também veremos.

Uma única exposição individual realiza, aos 45 anos, na Casa da Imprensa. Stuart, talvez desleixado e pueril, mas livre, não tinha jeito ou apetência para se vender, embora do trabalho lhe viesse o sustento. Norberto de Araújo, numa passagem que impressiona, fala “[n]esse rapaz que a si próprio tão insuficientemente se respeita” (o “rapaz” já tinha 40 anos), fazendo uma comparação um pouco forçada com Verlaine. Pode ser, Mas respeitar-se como e o quê, senão o próprio trabalho, numa Lisboa, retrato do país, provinciana e basbaque?

2- Em pintura, Stuart foi o que pôde ser e não provavelmente o que quis. “Não passo d’um fabricante de desenhos”, dirá. Trabalho restrito, mas não despiciendo – quem não conhece o magnífico Jazz (1925), que aqui não figura? – João Paulo Cotrim fala num “desejo de paisagem”, que podemos observar em três telas, uma das quais, pertencente a José Gomes Ferreira, suscitou a este bons versos dum expressionismo brandoniano, já fora de tempo (1981), mas no tempo do quadro. Noutra, uma paisagem com Quixote, tem forçosamente de remeter-nos para o lugar-comum (nosso, não dele) quixotesco de ingénuo idealismo, de acordo com os cépticos ou os cínicos; e adiante surge também, como ilustração, um carvão assombroso de Quixote e Sancho por entre lombadas da obra de Cervantes, publicado na revista Civilização. Foi na imprensa que Stuart se afirmou como o que julgamos ser o maior artista gráfico português da primeira metade do século passado – período, de resto, repleto de bons nomes a trabalhar num tempo ávido por mostrar imagens.

A introdução toca as várias facetas do trabalho stuartino,incluindo as que ficaram na sombra ao fim de um século: pintura, ilustração, cartaz publicitário, capas de livros e partituras, todas à excepção da primeira sofrendo mais aceleradamente o desgaste do tempo, por extinção de actividade ou renovação do revestimento, como é o caso dos livros. E neste particular teremos de citar a capa de Lírios do Monte (1918), título inicial do já referido Gomes Ferreira – que depois eliminará da sua bibliografia, como sucede com muitos escritores relativamente aos textos mais juvenis –, as primeiras edições das novelas de Aquilino Ribeiro, Filhas de Babilónia (1920) e do romance Emigrantes (1928), de Ferreira de Castro, revisitações de A Farsa e os Pobres, de Raul Brandão, coexistindo com o o testemunho pungente de Reinaldo Ferreira, nas Memórias de um Ex-Morfinómano (1933) – além de literatura humorística ou frívola e edições de actualidades, pois o sustento a tal obrigava.

Exposto e ilustrado o artista, segue-se a arrumação temática: os auto-retratos, os quadradinhos, o cartoon, os costumes, a Lisboa stuartina, as mulheres, os tipos mais ou menos populares, as figuras conhecidas, os pobres e marginais, a morte. E porque Stuart é Stuart, ainda na próxima semana continuaremos na companhia deste príncipe, com especiais enfoques: a BD, pois claro, desde muito cedo; a cidade, que aqui se chama Lisboa; a mulher, que Stuart magnifica sempre e como poucos; a atenção que o artista prestou aos pobres e excluídos – que já conhecemos de Renda Barata compilação de 2020 de cartoons publicados no diário anarco-sindicalista A Batalha –; e ainda um Stuart menos risonho e conhecido.

3- A bonomia de Stuart estava afeita aos quadradinhos, pelo que não é de estranhar que também por aí caminhasse abrindo caminho – João Paulo Cotrim observou ter sido ele o primeiro bandadesenhista europeu a recorrer à filactera, o balão que identifica a fala das personagens. Tiras humorísticas e uma série pioneira Quim e Manecas (1915-1953), quase 40 anos de tropelias atrás de diabruras, cuja influência José-Augusto França filiou em Max und Moritz (1865), de Wilhelm Bush, o que nos parece questionável. A haver uma, ela radicará num brilhante sucedâneo da série alemã, os terríveis Hans e Fritz, vulgo Os Sobrinhos do Capitão (1897), de Rudolph Dirks.

Mas como vimos, Stuart faz-se de muito mais do que apenas BD. Grandes escritores debruçaram-se sobre o seu trabalho, no que, para além do talento único, constitui mais um seguro de vida póstuma. A propósito de Lisboa, que aqui merece um capítulo, escreveu Manuel Mendes: “Encarnou a alma da terra que escolheu para viver […] e acabou por melhor a sentir e expressar do que os próprios naturais. Viu tudo, amou e sentiu tudo […], entrou-lhe na alma e lá se instalou como na própria casa.”

Stuart adorava as mulheres, e demonstrava-o gulosamente. Se vemos mundanas, viciadas, prostitutas, também aí estão, sobretudo, as mulheres do povo, dignas, altivas, elegantíssimas. Uma vendedora de fruta aparece-nos cheia de sensualidade e raça, nunca postiça, mas bem real. Stuart conhecia por dentro aquilo de que tratava. E isso estende-se à crítica impiedosa da sociedade doente. Fiquemos com as palavras de Aquilino Ribeiro: “Stuart era um rebelde; mais do que isso, por baixo do seu desmancho de boémio havia um revolucionário, muito senhor de si [...]”. A sua ferocidade enquanto cartoonista social é directamente proporcional à selvajaria da classe dominante.

Ferreira de Castro, por ele três vezes retratado, e cujos romances iriam advogar a revolução social e libertária, irmanava-se com Stuart na repugnância não só da miséria ou dos mecanismos que a perpetuavam, mas também da indiferença com que era aceite e vivida. E por isso escreverá, em 1926: “Mais do que um ilustrador, Stuart Carvalhais é um água-fortista. Na arte portuguesa, ele está, como desenhador, ao lado de Raul Brandão, como literato. E até como este, Stuart repete-se […] como se entendesse que a carranca da vida, enrugada, desgrenhada, há-se sempre reflectir-se num mesmo e imutável espelho.” Veja-se o retrato sombrio de Camilo Castelo Branco, como se possuído por um demónio interior que cedo ou tarde lhe cobrará a dívida do génio; ou o de um mefistofélico Ferreira de Castro (ambos de 1928), num quase sorriso de esgar, como se dali viesse uma ameaça de não deixar pedra sobre pedra, num mundo a derrubar para voltar a construir. Mas ao lado, contudo, uma jazz-band embevecida, olhando para uma Amália ridente... Stuart não é (só) para meninos.

Stuart – A Rua e o Riso

Autor: João Paulo Cotrim

edição: Assírio & Alvim e El Corte Inglés, Lisboa, 2006

«Leitor de BD» #1, #2, #3

domingo, 12 de dezembro de 2021

de A a Z - K, de Krazy Kat (George Herriman, 1910)



Uma gata apaixonada por um rato chamado Ignatz, que corresponde lançando-lhe um tijolo à cabeça, sempre que Ofissa Pupp, um cão-polícia, que ama a felina, não consegue evitá-lo, metendo o rato na cadeia. Durante mais de 40 anos foi assim. Ninguém substituiu Herriman depois da sua morte; parece que não havia ninguém à sua altura. Walt Disney terá dito que sem Krazy Kat não teria havido Mickey. Foi com ela e Ignatz que o antropomorfismo entrou nos quadradinhos.

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quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

'Fatty' Arbuckle




Fatty, le Premier Roi de Hollywood
, de Julien Frey e Nadar. Roscoe Fatty Arbuckle foi o primeiro grande comediante da Meca do Cinema, e protagonista do primeiro escândalo que aí ocorreu. A morte da acriz Virginia Rappe com uma peritonite, após um encontro com Fatty Arbuckle, lançou sobre este a suspeita de agressão sexual, levando-o a tribunal, onde foi absolvido. Porém, o seu nome foi proscrito durante longos 12 anos. Em 29 de Junho de 1933 assina um contrato com a Warner, estava por fim reabilitado. Morreria nessa mesma noite, de um fulminante ataque cardíaco. (Futuropolis)

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domingo, 5 de dezembro de 2021

de A a Z - J, de Jonathan (Cosey, 1976)




Saído de um hospital psiquiátrico após três meses de internamento, sofrendo de amnésia, Jonathan regressa aos Himalaias – o Tibete ocupado, o Nepal, o norte da Índia. E será naquele cenário avassalador que este homem jovem tentará encontrar-se. Uma BD poética.

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

de A a Z - Iznogoud (Goscinny & Tabary, 1962)


Quero ser califa no lugar do califa!” A perfídia com requinte oriental instalada na BD. O grão-vizir Iznogoud tudo faz para remover o soberano, porém não foi avisado pelos autores de que ele é apenas uma personagem – embora a mais popular – de uma série intitulada “As Aventuras do Califa Haroun el Poussah”, o indolente nababo que governa os crentes.

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um inferno sobre as ondas




Nascido na Ucrânia, no seio duma família polaca, súbdito do Império Russo, Joseph Conrad (1857-1934) foi um lobo do mar e um grande escritor inglês, cuja cidadania obteve antes dos trinta anos. Enorme ficcionista que nas suas narrativas expõe o ser humano à provação dos elementos, dos outros homens e de si próprio, vai vencendo a passagem do tempo, ao passo que outros autores e respectivas obras se tornam mais mais descorados, como se tomados por uma das nuvens de sal desta BD.

A grandeza de Conrad é também aferida pela permanência dos seus livros junto dos leitores e pelas abordagens que suscita noutros meios conexos com a literatura, como a dramaturgia, o cinema e a BD: romances, tais o O Coração das Trevas (1899) e Lord Jim (1900), os extraordinários contos e novelas de História Inquietas (1898) ou esta Mocidade – Uma Narrativa (escrito também em 1898), Um dos maiores filmes da história do cinema será sempre “Apocalypse Now” (1979), que, partindo de O Coração das Trevas, passou a ser outra coisa, uma obra de Francis Ford Coppola e não um decalque resumido e desinteressante, como tantas vezes sucede quando se trata de meras adaptações.

Interpelado por este texto breve de Conrad – Mocidade – Uma Narrativa – de inspiração autobiográfica, Diniz Conefrey (Lisboa, 1965) tem idêntica atitude diante de uma obra acabada, a que é, quanto a nós, a única artisticamente válida nestas circunstâncias, apropriar-se dela, tornando-a sua, mesmo que parta da evocação pessoal de outro autor.

Judea – título da presente novela gráfica, que é também o nome do barco de Marlowe, o protagonista – relata o que seria uma viagem de Londres a Banguecoque, que acabará por conhecer destino diferente. Entre o figurativo e o abstraccionismo, Conefrey dá-nos imagens fortes em que a materialidade de tripulação e navio se dilui à medida que os elementos constitutivos de uma tempestade ou de um grave incidente que entretanto ocorre, vai conquistando aquela exígua superfície no meio do oceano: o jovem grumete que está ali mesmo ao lado e já não se vê, mal se ouvindo o choro de aflição cortado por rajadas de vento e água; o veleiro prestes a ser engolido pela nuvem de água e sal condensados, progressivamente apagando os seus contornos.

Conefrey, que pertence àquela família de artistas que reflecte sobre o própria obra, escreve nas badanas ser o navio a personagem central desta adaptação – como é notório a partir do título – “poden[do] ser visto como o corpo do escritor”, metáfora aliciante que nos faz pensar outra narrativa marítima breve, também ela uma jóia: O Velho e o Mar (1952), de Ernest Hemingway, e a luta do homem na captura duma espécie de espadarte gigante – combate esse que afinal pode ler-se como alegoria do confronto do autor com a escrita. Neste álbum, Conefrey acrescenta, como Coppola no cinema; e quando se acrescenta algo à obra de um grande como Conrad, tal deve ser devidamente assinalado.


Judea

texto e desenhos: Diniz Conefrey

edição: Pianola Editores, Lisboa, 2016

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