quinta-feira, 30 de junho de 2022

de A a Z: D, de Deadpool (Rob Liefield e Fabian Nicieza, 1991)


Vilão mutante, e tagarela, mercenário e anti-herói por vezes, apareceu como como adversário dos X-Men. O carisma invertido popularizou-o até ao absurdo, tornando-o potencial assassino dos super-heróis da Marvel, das personagens da grande literatura, e até de si próprio.

«Leitor de BD»

segunda-feira, 27 de junho de 2022

personagem em construção


Ao quinto álbum, continuamos a acompanhar esta figura de papel, carvão e tinta criada pelo argumentista Yves H. e desenhada pelo pai deste, Hermann Huppen, um dos grandes mestres da BD franco-belga: Duke, ou melhor Morgan Finch, personagem reservada, pistoleiro a seu pesar. Atirador exímio, evita gostar demasiado de armas. Conhecemo-lo em A Lama e o Sangue (2017), numa pequena cidade do Colorado, construída em torno de uma mina. Era adjunto do xerife, fraco homem, bem necessitado de manter a ordem nas dissensões violentas entre mineiros e agricultores, sem contar com os aventureiros com faro para o ouro. O dono da mina, Mullins, é um déspota e ganancioso que não distingue os homens que para si trabalham dos animais ou das coisas Quando os assaltos a diligências começam a suceder-se, e Mullins necessita de alguém que leve até à Califórnia um montante de 100 mil dólares a um consórcio de que é devedor, já Morgan se prepara para um reencontro com o passado pouco cor-de-rosa e um director de um orfanato, onde ele e Clem, irmão mais novo, foram recolhidos.

Acompanhamos agora a progressão de Duke pelas zonas áridas do Colorado, na companhia de Swift, um representante do grupo de capitalistas californianos, indivíduo sobremaneira loquaz, mas também com grande dificuldades em conseguir que Duke emita um som; ainda mais quando estão na situação de perseguidos por um regimento de soldados negros renegados, no encalço daquela avultada quantia; e ao mesmo tempo, seguimos o rasto de Peg, uma prostituta de saloon que se tornou uma paixão de Duke, raptada por King, um homem que conhece o nosso pistoleiro tão bem quanto o próprio. Em sucessivas analepses, ficamos a saber que o agora King velho é o antigo director do orfanato, alguém que quando olhou nos olhos o jovem Morgan, percebeu que tinha ali um futuro matador, um igual… E a frase do álbum anterior, A Última Vez que Rezei (2020), começa assim a tomar forma e a fazer sentido: “Abandonados por Deus, era inevitável que o Diabo se interessasse por nós...” Este plural diz respeito ao irmão mais novo, Clem, chegado ao mesmo tempo ao orfanato, e que não virá a faltar ao apelo do crime.

Com os desertores do regimento dos Buffalo Soldiers no encalço, aliando à cupidez a necessidade de desforra pelos agravos sofridos enquanto afro-americanos – Duke e Swift esperarão por eles numa casa no meio do nada, habitada por uma família peculiar, cujo homem tem para com Duke uma dívida a que não pode eximir-se.

Narrativa lenta, a digressão exterior acompanha a itinerância interior, com grandes planos frontais equilibrados por vinhetas abertas para o espaço amplo em que as personagens demoradamente se movem.


Duke – Pistoleiro É o que Serás

texto: Yves H.

desenhos: Hermann

edição: Arte de Autor, Estoril, 2021

«Leitor de BD»

sexta-feira, 24 de junho de 2022

de A a Z: D, de Dylan Dog (Tiziano Sclavi e Angelo Stano, 1986)



Uma das mais populares séries dos fumetti italianos, Dylan Dog é um antigo e ex-alcoólico inspector da Scotland Yard, tornado detective do sobrenatural. Assistido por Groucho, sósia do Marx, e como este também piadista, o herói, agora abstémio, cultiva o clarinete (tocou com Woody Allen), e em cada história tem uma mulher, diz-se que à procura de um amor passado...

«Leitor dBD»

terça-feira, 14 de junho de 2022

O Comissário Ricciardi



Criado pelo escritor napolitano Maurizio de Giovanni, em 2005, Luigi Alfredo Ricciardi, filho dos barões de Malomonte, originário de Cilento, no sul de Itália, é uma personagem que se estreia em edição portuguesa, na «Colecção Aleph», a mesma que publica Dylan Dog, misturando, tal como sucede com o “detective do pesadelo”, o policial e o sobrenatural.

Ricciardi detém uma estranha faculdade, herdada da mãe, que lhe inferniza a existência: junto de um cadáver, consegue ver os últimos momentos dessa pessoa, desde que vítima de morte violenta, crime ou acidente… Esta revelação obteve-a aos cinco anos diante de alguém assassinado por motivos passionais. Vida marcada por um negrume insuportável, Ricciardi é um solitário melancólico, para quem viver um amor é impossível. Conta com os cuidados de uma velha criada; e apenas com o adjunto, o sargento bonacheirão Raffaele Maione, encontra os breves momentos de distensão que a vida lhe permite.

A acção decorre no final dos anos 20, em pleno fascismo, que, nas três narrativas deste livro inaugural, apenas aparece de raspão (retratos do Duce e Vítor Manuel III, e uma alusão a um bando de rufias). Na primeira história, intitulada “Dez cêntimos”, recuamos uma década, para 1919, quando o jovem Luigi, chegado a Nápoles para cursar filosofia – a única disciplina que considera apropriada para o tormento em que vive --, se depara com a visão de uma criança doce que vendia flores na rua. Como não lhe bastasse ser pobre, era ainda indefesa; a maldade do mundo não lhe estava vedada; a narrativa seguinte, “Os vivos e os mortos”, temos a pedofilia escondida mas facilitada por quem se move livremente e sem suspeitas; finalmente, “Mammarella”, ou quando um menino-da- mamã – e que mamã... – deixa vir ao de cima anos de recalcamento.

O pano de fundo é a excessiva e luminosa Nápoles, estuante de vida e gente, cheia de uma buliçosa azáfama e, ao mesmo tempo, cenário de crime e morte. A cidade aparece como uma grande personagem, a verdadeira parceira das digressões quotidianas de Ricciardi, em cujos becos e encruzilhadas, desvãos e subterrâneos, fluem os dias, enquanto se desenrolam dramas junto a tabernas e salões aristocráticos, sacristias e bordéis, lugares nem sempre frequentáveis.

De Giovanni (Nápoles, 1958) não é um autor de fumetti; argumentistas adaptam a narrativa à linguagem BD; com que acerto, só conhecendo o texto matriz para o dizer; o trabalho dos desenhadores, mais expressionista Bigliardo, de traço mais aberto Siniscalchi, é eficaz na transposição para a imagem da atmosfera pesada de crime e morte numa cidade e país ruidosamente a caminho da guerra.


Comissário Ricciardi – Primeiros Inquéritos

textos: Sergio Brancato e Claudio Falco

desenhos: Daniele Bigliardo e Luigi Siniscalchi

edição: A Seita, Prior Velho, 2021.

«Leitor de BD»

quinta-feira, 9 de junho de 2022

de A a Z: B, de Boule & Bill (Roba, 1959)




Uma BD superlativa, do melhor que alguma vez se fez no género criança e mascote, ao nível de um Charlie Brown & Snoopy e Calvin & Hobbes. Boule é um rapazinho de uma família de classe média, inspirado no filho de Jean Roba; e Bill um cocker spaniel, que pensa connosco. A vida pura com as atribulações domésticas de todos os dias. Em Portugal a série nunca foi publicada em álbum, excepto em periódicos como os inevitáveis Cavaleiro Andante e Spirou, entre outros. Existem edições brasileiras, já da autoria de Laurent Verron, o continuador designado por Roba.

«Leitor de BD»

sexta-feira, 3 de junho de 2022

mundo fechado



Abrir um livro de André Diniz é saber de antemão que entraremos num universo pessoal servido por um poder de observação agudo, uma forte empatia e atenção ao outro, atributo dos grandes ficcionistas. Autor realista, do melhor realismo, aberto a todas as aventuras interiores que o ser humano comporta, André Diniz aparece-nos neste particular como um lídimo herdeiro do extraordinário Machado de Assis (1839-1908).

Matei o Meu Pai e Foi Estranho é o título peculiar da obra de hoje. Depois de Morro na Favela, Entre Cegos e Invisíveis e A Revolta da Vacina, esta é quarta vez que nos debruçamos sobre um livro deste autor brasileiro (Rio de Janeiro, 1975), residente em Portugal, com cuja BD tem estabelecido contacto e que homenageia num extratexto final. Nele reconhecemos um recriador de mundos, como é o mundo particular de Zaqueu.

Menino especial com génio de artista e algumas dificuldades relacionais, em casa e também com as raparigas. O seu confidente é um sem-abrigo na floresta de cimento, São Paulo. É, além disso, é um rapaz que sofre de albinismo, no seio de uma família de gente escura, da classe trabalhadora: pai motorista, mãe guarda prisional e ainda dois irmãos, o mais velho, rufia que se entretém a moer o juízo de Zaqueu – criador de alcunhas de calibre, de leite coalhado a esperma de cavalo, passando por branco de neve, Michael Jackson e hepatite c –, e ainda a irmã caçula, Tonha, o seu ai-jesus, a única com quem se entende plenamente, embora tente estabelecer vínculos mais estreitos, especialmente com os pais. Estes, contudo, desvalorizam-no, em especial o progenitor, um impreparado que o trata como um falhado. Mas Zaqueu é habitado por um génio, é um poeta que escreve como ninguém, impressionando a professora – característica inusitada e suficiente para que o patrão do pai pague os estudos num colégio, frequentado por gente rica, e no qual o rapaz se sente também deslocado. Ambiente opressivo e cinzento, em que tudo parece piorar, quando numa deambulação sem destino pela grande cidade, o míúdo topa com o pai e outra mulher, levando uma criança consigo – uma outra família, um irmão que desconhece. O desenrolar da narrativa será surpreendente.

Uma história de todos os dias num meio habitado por milhões, mas em que cada um tem direito à sua própria personagem. Em Matei o Meu Pai e Foi Estranho a interdependência de desenho e texto é ágil e flui, um exemplo seguro de como a 9.ª arte é uma forma de expressão artística singular. E André Diniz, desenhador único e narrador nato, um artista completo.


Matei o Meu Pai e Foi Estranho

Texto e desenhos: André Diniz

edição: Polvo, Lisboa, 2021

«Leitor de BD»

quarta-feira, 1 de junho de 2022

de A a Z: E, de Esther (Riad Sattouf, 2015).



Inspirada numa menina de carne e osso, Esther A. filha de amigos do autor, esta criaturinha de Riad Sattouf é cheia de personalidade, sonhos fantasias e questionamentos, que partilha com as amigas da escola e com a família: pai professor de ginástica, mãe bancária, irmão adolescente e avó. Em curso de publicação, iremos acompanhá-la no seu crescimento até aos 18 anos.

«Leitor de BD»