sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Um novo Blueberry...

O tenente sulista desertor e mal-comportado, agora revisto e reinterpretado por Joann Sfar e Christophe Blain, em dois álbuns. Sfar é uma garantia no argumento, e o que vimos dos desenhos de Blain entusiasma, pois parece resistir à tentação, provavelmente inalcançável, de imitar Giraud. O primeiro tomo apareceu no mês passado: Une Aventure du Lieutenant Blueberry – Amertume Apache (Dargaud, 2019).


quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Mariana

A História de Portugal, à beira dos 900 anos, está cheia de episódios por esclarecer. As Cartas Portuguesas, publicadas em Paris, em 1669, tiveram repercussão internacional. Atribuídas a Sóror Mariana Alcoforado (1640-1723), do Convento de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, dirigidas ao Cavaleiro de Chamilly, militar francês a combater nas Guerras da Restauração, a sua autoria ainda é hoje controversa, havendo quem defenda tratar-se dum apócrifo. De qualquer modo, inocente ou culpada de amor epistolar, a freira de Beja é uma figura nacional. Mariana, de Paulo Monteiro, é uma apresentação desta figura a um público jovem (edição: Panóplia d’Encantos, 2019).

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

um amor tristíssimo

Quem gostou de Persépolis, primeira obra da iraniana naturalizada francesa Marjane Satrapi, cujo primeiro tomo saiu em 2000, irá adorar este Frango com Ameixas (2004), Não que haja grandes pontos de contacto entre ambos o títulos, tirando o aspecto não despiciendo de a autora ser a mesma e de tratar-se de uma obra realizada na sequência daquele êxito global. Perséplis é uma narrativa autobiográfica linear, em que o talento de Satrapi é alimentado e servido pelo processo catárctico de exposição e transfiguração da própria existência.
Em Frango com Ameixas o universo familiar mantém-se, mas é outro, desde logo o tempo da acção, anterior ao nascimento da autora, que contudo aparece numa bem bem conseguida prolepse. Trata-se da triste história de Nasser Ali Khan, tio avô que Marjane nunca chegará a conhecer. Nasser era um artista virtuoso, tocador de tar – instrumento de cordas iraniano, que se expandiu pelo Cáucaso, estando, provavelmente, na origem da cítara indiana –, cujo talento o tornara popular entre o público iraniano na década de 1950. É alguém que se consagra inteiramente à sua arte, ficando tudo o resto num plano secundário. Até ao dia fatídico em que, numa discussão doméstica, o instrumento é irremediavelmente danificado e Nasser Ali perde o gosto pela existência, já que de nenhum outro tar consegue, quando tangido, retirar sonoridade semelhante ao que lhe fora oferecido pelo seu mestre. Perdida a paixão pela arte a que se devotara, a vida deixa de apresentar qualquer interesse, pelo que Nasser Ali decide dela prescindir, num suicídio por desistência, no próprio seio familiar. Neste processo doloroso e rápido, que durará uma semana, somos transportados com a memória de Nasser a vários momentos fulcrais do passado, e ficamos a saber que o amor que devotava à música e ao instrumento donde ela promanava era também um amor antigo, uma paixão cujos contornos se desvendam à media que a leitura se faz. E é precisamente no plano narrativo que Marjanne Satrapi surge como autora amadurecida, dotada de mestria na composição e no tratamento do tempo. O prémio Alph Art para o melhor álbum de 2005, do Festival de Angoulême, porventura o mais importante certame de BD, é pois sem surpresa.
Frango com Ameixas é uma história de carácter universal, em que o 'exotismo' persa aparece de forma muito lateral, e sempre a propósito. Apesar de todas as dificuldades, o Irão, pátria de Omar Khayyam (1048-1131) e Rumi (1207-1273), ambos citados no texto, é uma cultura pujante; o seu cinema, talvez o que melhor conhecemos da cultura iraniana actual é assombroso de bom. Satrapi, apesar de iraniana na diáspora, e também ela dedicada à realização cinematográfica, é parte dessa brilhante cultura, donde saiu uma das mais esplendorosas civilizações que a História nos deu.


Frango com Ameixas
texto e desenhos: Marjane Satrapi
edição: Levoir, Lisboa, 2019


terça-feira, 28 de janeiro de 2020

...que me apetecem: Krypto

É o cão do Superboy, criado pelo argumentista Otto Binder e pelo desenhador Curt Swan, em 1955. E é também o nome de uma banda portuguesa tão autêntica quanto fora do mainstream, e cujo primeiro disco Eye18, sai agora sob a chancela da portuense Lovers & Lollypops e cujo texto de apresentação suculento, apresentando os três elementos que a constituem e o que pretendem, sustenta: «Gon encontra no baixo de Martelo e na bateria de Chaka as carruagens de fogo ideais para se lançar numa infindável lista de diatribes sobre isolação, alienação, corrupção, o vazio consumista deslumbrado com a tecnologia ou a cultura empresarial.» Um som «brutalista», adianta, com a beleza dos motins, escrevemos nós. Associada à Chili com Carne, de Cascais, o disco sai acompanhado de uma BD de Rui Moura, inspirada no som e nas palavras amotinadas dos Krypto. Co-edição com a Chili com Carne.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Champignac

As personagens da série Spirou e Fantásio têm-se autonomizado: primeiro foi o Marsupilami, que o criador, André Franquin, levou consigo quando abandonou as histórias do groom e do seu amigo repórter. Mais recentemente, foi a vez dos dois génios, do bem e do mal, terem direito a álbum próprio. O primeiro, Zorglub, criatura engendrada também por Franquin com Greg, está a cargo do espanhol José Luis Munuera; no ano passado foi a vez do estupendo Conde de Champignac, – outra criação a meias de Franquin, desta vez com Jijé, surgindo agora jovem, a contrariar com o seu cérebro privilegiado as maquinações dos nazis, e ao qual voltaremos. Os desenhos são de David Etien e texto de Béka – Béka, na verdade é um casal: Bertrand Escaich e Caroline Roque, uma francesa com apelido português… Enigma (Dupuis, 2019)


domingo, 26 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - «Ladies»

Quem não gosta de Philippe Berthet, o desenhador de Pin-Up, aliás Dottie, a ingénua e vaporosa jovem saída da cabeça e da caneta de Yann, a passear perturbante candura pelas décadas de 1940-1950?; ou do extraodinário western one-shot Cães da Pradaria, com argumento de Philippe Foerster? O gosto do autor por belas mulheres, uma das suas notórias qualidades, encontra-se em Ladies, um álbum elegante (Dupuis, 2019).



quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Breccia

Um dos grandes nomes da historieta argentina (apesar de nascido no Uruguai), Alberto Breccia (1919-1993) ganhou nome mundial com a série Mort Cinder, com texto de Héctor Germán Oesterheld (1919-desaparecido em 1977). Breccia, um mestre do preto & branco e pouco compatível com o ‘mercado’, apesar do sucesso editorial, é objecto de um ensaio da autoria de Laura Caraballo, Alberto Breccia – Le Maître Argentin Insoumis (Éditions P.L.G., 2019).


terça-feira, 21 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Marzi

Todas as oportunidades para falar de Marzi são de menos. Nem se percebe por que diabo nenhum editor português ainda lhe pegou. BD autobiográfica da polaca Marzena Sowa (Stalowa Wola, 1979), desenhada pelo marido, Silvain Savoya (Reims, 1969), decorre nos anos de chumbo do confronto do sindicato Solidariedade e a Igreja Católica com o Estado comunista, descrevendo o crescimento da protagonista numa sociedade radicalizada pela lei marcial e ameaças externas no contexto da Guerra Fria. Contada com inteligência e finura, trata-se de algo tão importante e significativo quanto, por exemplo, Persépolis, de Satrapi. Marzi une Enfance Polonaise – 1984-1989 (Dupuis, 2019).


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

um Astérix à la Goscinny

O génio combinado de Goscinny (1926-1977) e de Uderzo (n. 1927) marcou o imaginário do nosso tempo. O primeiro pertence, aliás, àquele grupo raro de autores cujas expressões entraram no quotidiano – “uma aldeia gaulesa”, aplicada a uma comunidade irredutível, incapaz de se normalizar, será o exemplo mais saliente, de resto muito usada entre nós nos tempos da Troika.
Depois de alguns anos em colaboração, e após o surpreendente 'chumbo' de Humpa-pá, o Pele-Vermelha num referendo aos leitores do Tintin belga, Goscinny e Uderzo criam este universo centrado no pequeno gaulês, apresentado no número inaugural da revista Pilote, em Outubro de 1959. A ideia é um achado: graças à poção mágica do druida Panoramix, cuja ingestão confere a quem a beba uma força sobre-humana, a aldeia consegue rechaçar os assaltos das poderosas legiões de César. As narrativas vão-se aprimorando logo a partir da segunda história, A Foice de Ouro, o traço de Uderzo como o humor de Goscinny; explorando o gag de actualidade, as referências históricas, recentes ou da Antiguidade, e um irresistível manejo dos equívocos e das idiossincrasias do género humano, atingem níveis elevadíssimos. Recordemos A Zaragata, O Domínio dos Deuses, O Adivinho, todos os restantes.
Após a morte inesperada de Goscinny, Uderzo lançou-se sozinho ao trabalho, com resultados desiguais, mas com a fasquia muito alta e por vezes vencida (O Grande Fosso, A Odisseia de Astérix, As 1001 Horas de Astérix) Retirado este, a grande responsabilidade de continuar coube a Jean-Ives Ferri (Mostanagem, Argélia, 1959) e Didier Conrad (Marselha, 1959), autores dos últimos quatro álbuns.
Este mergulho na história gaulesa, com uma suposta filha do chefe arverno Vercingétorix, derrotado por Júlio César na batalha de Alésia (52 a.C.), parece-nos plenamente conseguido, com Ferri a revelar-se pela primeira vez um verdadeiro émulo de Goscinny, o que, convenhamos, não é fácil. O aproveitamento recorrente do trauma de Alésia, fazendo com que o nome daquele chefe gaulês seja apenas sussurrado, é gerador de situações da maior comicidade, claramente goscinnyanas... Já Conrad não é Uderzo (ninguém é Uderzo), e ainda bem. As revisitações dos clássicos da BD franco-belga, caracterizam-se, nos casos mais conhecidos, por uma sujeição ao cânone (supomos que por imposições contratuais de diversa natureza), apesar de alguns avanços em relação aos originais, o que é importante, sob pena de cairmos numa mastigação sem grande interesse. É sempre difícil fazer ‘igual’ e bem, e bem melhor partir dos traços gerais de cada série com o(s) respectivo(s) autor(es). Na BD franco-belga não haverá melhor exemplo que o de Spirou. Conrad parece querer seguir o seu próprio caminho, e tão maior relevância poderá alcançar quanto mais se libertar da ‘tutela’ de Uderzo.
Astérix – A Filha de Vercingétorix
texto: Jean-Ives Ferri
desenho: Didier Conrad
edição: Asa, Alfragide, 2019




domingo, 19 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Vasco

Os admiradores desta série da linha clara criada por Gilles Chaillet (1946-2011), passada na Itália do século XIV, podem revisitar uma edição especial de Ténèbres sur Venice (1987) em preto e branco, seguido de um extenso dossier sobre a cidade dos doges na Idade Média, por Luc Révillon. Vasco – Ombres et Lumières sur Venise, Le Lombard, Bruxelas, 2019.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - nas asas de hergé

A bibliografia sobre Hergé cresce em consistência. Biógrafo do criador dos Dupondt e argumentista de BD de alto coturno, Benoît Peeters publicou recentemente uma conferência em que revisita a personalidade do autor belga, procurando o homem na obra, com revelações inéditas, diz quem leu. Dans les Coulisses des Aventures de Tintin, Éditions Bayard, Montrouge, 2019.

livros que me apetecem -- a sobrinha do general

Geneviève de Gaulle-Anthonioz. Mulher admirável, Geneviève (1920-2002) foi uma resistente francesa à ocupação nazi e posteriormente uma activista contra a pobreza e a exclusão. Sobrinha do General de Gaulle, foi deportada para Alemanha e encarcerada no campo de Ravensbrück, vivência que relatou no magnífico A Travessia da Noite (1998), livro publicado entre nós pela Editorial Notícias. A sua vida é contada em BD por Coline Dupuy e Jean-François Vivier, com desenhos de Stéphan Agosto. Editions du Rocher. Mónaco, 2019.





domingo, 12 de janeiro de 2020

como diz o ditado...

...o sexo é como a presunção e a água benta: cada qual toma o que quer. Este episódio de Dylan Dog, Trevas Profundas, publicado originalmente em Itália em 2018, e lançado entre nós pela nova editora A Seita, é uma incursão bem lograda no mundo do sadomasoquismo, conjugado com o crime e o sobrenatural, universos por onde se move o “detective do pesadelo”.
O argumento é de Dario Argento (Roma, 1940), cineasta de culto do cinema de terror (Suspiria, 1977), que entra no universo de Dylan Dog como faca em manteiga, secundado pelo argumentista Stefano Piani (Imola, 1965). Embora com paralelos narrativos com o cinema – os storyboards estão, aliás na vizinhança dos quadradinhos –, a BD conhece uma linguagem própria; e Argento, que, de resto, tem em Piani um colaborador em alguns filmes, não iria certamente arriscar-se a 'borrar a pintura' sem dominar essas competências, no que foi avisado. A história é consistente, e tem o twist para surpreender o leitor.
Tudo começa numa galeria de arte londrina, na exposição de fotografia subordinada ao tema do S&M, em que Dylan é atraído por uma mulher fugidia. A acção decorre no meio da aristocracia inglesa, vista como demasiado vetusta e moralmente corrompida, acumulando séculos de poder degradante sobre “os de baixo”. O exemplo dado a propósito dos whipping boys. é particularmente expressivo. Trata-se de uma prática reservada à educação dos príncipes, um pouco por todo lado, da Europa ao Oriente, em que um rapaz do povo, companheiro de brincadeira e estudo era chicoteado por cada falta grave que o infante cometesse; dado o vínculo de amizade estabelecido entre ambos, presenciar o castigo era uma insuportável fonte de remorsos, e uma forma de o príncipe, no futuro, pensar várias vezes antes de cometer faltas graves. Na narrativa dá-se a entender tratar-se de um regime extensivo à nobreza, o que é uma fantasia. A antipatia de Argento pela aristocracia “de sangue” é notória, pondo na boca de uma personagem as palavras do iluminista Giuseppe Parini (1729-1799): «não se deve celebrar o sangue da alma que definha» (p. 66). O motivo está, contudo, bem aproveitado.
Mas o melhor são os desenhos, o traço esguio do experimentado Corrado Roi (Laveno-Mombello, Varese, 1958); as cenas’bondage’ no teatrinho que acolhe as sessões são esplêndidas e vão ao limite da perversão. O mesmo se diz do final, de uma terrível beleza, sugerido pelo próprio Roi, que – de acordo com Piani – foi acolhido pelos argumentistas, por ser melhor que a ideia original de Argento, mais poderoso, mais “diabolicamente argentiano”, e que vale, só por si, todo o livro.
Uma palavra para o critério editorial de incluir um texto introdutório que situa o leitor, a cargo de João Miguel Lameiras e João Pedro Castello Branco, bem como breves notas biográficas sobre os autores, prática que deveria ser seguida por outros.
Dylan Dog – Trevas Profundas
texto: Dario Argento e Stefano Piani
desenhos: Corrado Roi
edição: A Seita, Lisboa, 2019


quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

livros que me apetecem

Um nome pioneiro da BD portuguesa (Quim e Manecas, 1915), Stuart Carvalhais (1887-1961) foi, entre muitas outras coisas, um marcante cartoonista, nomeadamente no diário anarco-sindicalista A Batalha. Renda Barata reune os seus desenhos naquele jornal da CGT, que se publicou entre 1919 e 1927. Edição: Chili com Carne e A Batalha.


domingo, 5 de janeiro de 2020

livros que me apetecem

Bruno Brazil. Agente da contra-espionagem americana, líder da “Brigada Caimão”, foi uma série popular criada por Greg e William Vance, Impedimentos do primeiro em prosseguir com ela, deram origem a uma das maiores carnificinas da história da Banda Desenhada. Retomada por Laurent-Frédéric Bolée e Philippe Haymond, os sobreviventes reúnem-se agora em Black Program (Éditions du Lombard).

sábado, 4 de janeiro de 2020

livros que me apetecem

Boule e Bill. Aproveitando os sessenta anos do rapaz e do seu cocker spaniel, dupla inseparável, a Dupuis publicou um livro de crónicas de Yvan Delporte (1928-2007), argumentista e histórico chefe-de-redacção da revista Spirou, com ilustrações de Roba (1930-2006), intitulado Boule et Bill – L’Avis de Chien.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

leituras de meio ano


Fim de ano, tempo de balanço a propósito dos 40 livros de que falámos aqui, desde Julho. Se sobre a Bdteca não há grande coisa a dizer, a não ser lembrar autores e personagens, de Tintin a Batman, de Will Eisner a Tardi, não nos vamos eximir a assinalar o que mais nos impressionou. Mais e melhor, já que a grande vantagem de não ser crítico é a de escrever sobretudo a propósito do que se gosta. «Leitor de BD», foi a designação que propusemos para estas crónicas de impressões subjectivas, com o lastro de mais de meio século de convívio, desde as tiras do Professor Nimbus no saudoso Diário de Lisboa, e de uns patos que ainda hoje podem ser companhia, depende de quem os trace.
Na BD de expressão portuguesa, elegemos como melhor livro O Coleccionador de Tijolos, de Pedro Burgos (Chili com Carne), esplêndida harmonia entre texto e desenhos, parábola de um país ultrajado entre a mentalidade troikista da pobreza e o recurso impudente ao dinheiro fácil, mesmo que tudo seja para arrasar. O desenho é soberbo em todas as suas dimensões, traço e plano em prancha; a edição cuidada faz jus ao que publica, Salientamos ainda Filhos do Rato, de Luís Zhang e Fábio Veras (Comic Heart e G. Floy Studio), o escaranfuchar nas cicatrizes e nos traumas da Guerra Colonial, escrito e traçado com sangue por quem nem era nascido quando ela terminou, sem dúvida um dos livros do ano; Entre Cegos e Invisíveis, de André Diniz (Polvo), uma esplêndida narrativa de estrada, cheia do insólito que ela pede, num Brasil que teima em desencontrar-se; Conversas com os Putos e com os Professores Deles, de Álvaro (Insónia), ou a saga de ser-se profe de geometria descritiva quando a vida a todos faz tangentes.
Quanto à BD estrangeira,uma escolha cem por cento franco-belga. Spirou – L'Espoir Malgré Tout – 1. Un Mauvais Départ, de Émile Bravo (Dupuis) – ou a audácia de empreender a releitura de uma personagem canónica da BD europeia, num trabalho surpreendente e de largo fôlego, e cuja continuação aqui acompanharemos. Duke – Sou uma Sombra, de Yves H. e Hermann (Arte de Autor), este um dos maiores nomes da BD em todas as latitudes, num formidável western, género sempre em reinvenção; tal como Undertaker – 1. O Devorador de Ouro, de Xavier Dorison, Ralph Meyer e Caroline Delabie, tanto um como outro, personagens em busca de si próprios. A lista termina com o volume I de O Diário de Esther – Histórias dos Meus 10 Anos, de Riad Sattouf (Gradiva), excelente descoberta que é um desafio, o acompanhar de toda a adolescência de uma criança com empatia e humor, além disso trazendo inovações formais, marca de um autor de excepção.
A melhor capa: a majestade do desenho de Roberto Gomes, em Mar de Aral (G-Floy Studio e Comic Heart), com texto de José Carlos Fernandes, trabalho que ganha ainda mais consistência após a leitura desta fantástica narrativa curta.