domingo, 31 de janeiro de 2021

uma família reconstituída


Ronan e Ségolène constituíram família trazendo filhos de casamentos anteriores. Caos, embaraço, alegria e felicidade, tudo à uma. Sti, o argumentista baseia-se na própria experiência, cada vez mais comum, com desenhos de Armelle Drouin, autora da Disney francesa. Edição Bamboo, 2021.

«Leitor de BD»

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

BD portuguesa de luxo

 

Edição comemorativa dos 25 anos da publicação de Alice na Cidade das Maravilhas, de Luís Louro, já um veterano dos quadradinhos nacionais. A história e as estórias de uma hetaira em Lisboa nos anos noventa, agora em quinta edição especial, com extras. Edição Arte de Autor, Estoril, 2020.

«Leitor de BD»


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

um homem faz o que tem de ser

 


Ambrosius Morgan é um velho cowboy retirado nas neves do Dacota do Norte, fronteira com o Canadá, levando os dias à lareira ou no saloon local, entre biscates no rancho da patroa, Meredith, uma viúva de quem é também amante. Essa vida retirada sem grande história é perturbada quando Ambrosius recebe uma carta do sul, remetida por um amor distante de mais de duas décadas, enviada na incerteza de o destinatário se encontrar ainda entre os viventes. Anna Sant James, “a rapariga mais bonita de San António”, agora também viúva, pede socorro ao antigo amante, dizendo-lhe que este tem uma filha cuja caravana em que partira recém-casada para Oeste, afim de iniciar nova vida, fora atacada e Liza Jane levada para perto da fronteira com o México.

O nosso herói, apesar de retirado e de acabar de saber-se pai em idade quase provecta, decide-se a encontrar o rasto da filha, dando início a uma longa viagem. Montado num belíssimo appaloosa – raça de cavalo com as suas manchas características, oriunda da China mas aprimorada pelos índios Nez-Percés – e uma mula atrás, empreende a travessia do país, de Norte para Sul, até ao Arizona. Pelo caminho, Ambrosius despacha a tiro sete criaturas, escacha um mexicano que maltratava a montada (só o poupa por causa da infeliz e dos famélicos que tem em casa...), são-lhe roubadas as montadas durante uma noite por índios insurrectos. Na manhã seguinte dá por si na companhia de um enigmático papoose, que não tuge nem muge, porém suficientemente útil para ajudar Ambrosius a vencer o deserto canicular, enquanto não encontram um bando de cavalos selvagens que lhes proporcione caminhada mais folgada episódio que nos dá quatro pranchas primorosas. “Mosquito” ou rapaz-fantasma (ghost kid), como tal fica cunhado, não vá ser o miúdo uma mera alucinação naquela aridez quase sem vida, tanto mais que a poeira do deserto deu-lhe cabo da pouca visão que ainda tinha. À chegada a Nogales soube que a filha fora comprada por dois proxenetas associados dum saloon (têm os dias contados...), e que fugira com um jovem mexicano por quem se apaixonara. A fronteira é atravessada, o México em pé-de-guerra com os indios, acossados pelo presidente Porfirio Díaz, até que finalmente Ambrosius vê terminada essa longa jornada.

Em Ghost Kid, o francês Tiburce Oger (La Garenne-Colombes, 1967) faz um exercício sobre as relações humanas: as amorosas, os vínculos do sangue, a entreajuda, os inimigos. As pranchas são esplêndidas, dinâmicas, com recurso a múltiplos planos, contra-picados em abundância, e há um gosto pelos splashes (vinhetas de página inteira), seis, em 78 pranchas. Outro factor a realçar é a aplicação directa da cor, com recurso ao guache, o que produz um efeito que o computador não permite.

Não há como os europeus, em especial da escola franco-belga, para os grandes westerns em BD, O género continua vivo e recomendável.


Ghost Kid

texto e desenhos: Tiburce Oger

edição: Grand Angle, 2020

«Leitor de BD»

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

o regresso de Thorgal

 

Substituir Rosinski e Van Hamme não é fácil, mas Yann também não é um argumentista qualquer e Fred Vignaux, além de poder contar com a supervisão do mestre polaco, já pertence à equipa da séria paralela “Les Mondes de Thorgal”. Neste 38.º tomo da série, Louve, filha do viking extraterrestre e de Aaricia, que tem o dom de comunicar com os animais, é raptada e levada para a ilha de Kalsoy, no arquipélago das Faroés, cujos habitantes vivem subjugados pelo medo das Sélquias, monstros marinhos de formas humanóides femininas, e pelos tributos autoimpostos pelo terror que sofrem. Thorgal – La Sélkie, Le Lombard, Bruxelas, 2020. Um álbum a que voltaremos.

«Leitor de BD»

domingo, 24 de janeiro de 2021

uísque e bd

 



Num jantar bem regado, Fix, um comerciante deprimido, conhece um italiano cego, autoridade mundial em uísques, que lhe conta o desafio proposto por um milionário do seu país de encontrar cinco marcas lendárias à volta do globo. Origina-se assim um duo peculiar e viagens que prometem, das Terras Altas escocesas aos mosteiros irlandeses, dos ranchos americanos no Kentucky ao sopé do Monte Fuji, no Japão, Le Tour du Monde des Whiskies en BD, por Stéphane Carrié, Arnaud Delalande e Stéphane Douay, edição Les Arènes, Paris, 2020.

«Leitor de BD»

sábado, 23 de janeiro de 2021

Druillet

 



Philippe Druillet (Toulouse, 1944), é um nome quase mítico da BD francesa, autor de Lone Sloane, viajante do cosmos, personagem emblemática que assentou praça nas revistas Pilote e Metal Hurlant. Há quem fale em estilo barroco, embora não pareça desajustado evocar o rococó a propósito do seu desenho imbricado. Em Mirages et Folies Augmentées, a Glénat, editora de Grenoble, publica um conjunto de narrativas menos conhecidas, algumas com argumentos de sua autoria e desenhos de outros artistas.

«Leitor de BD»


quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Homem-Cão

 


Ao mesmo tempo que se reedita o primeiro volume da série criada por Dav Pilkey, criador do célebre Capitão Cuecas, a Marcador, chancela da Editorial Presença fez sair o sexto volume da série Homem Cão. Intitulado O Grito Selvagem, estabelece um diálogo com O Apelo da Selva, o clássico de Jack London.



terça-feira, 19 de janeiro de 2021

«Por um Punhado de Dracmas»


 

Na Grécia Antiga, uma cidade do Epiro está ameaçada por um ferocíssimo leão, tendo o tirano oferecido uma avultada recompensa a quem conseguisse liquidar a fera. Um mercenário ateniense e um renegado espartano juntam esforços para merecerem o quantioso prémio. À medida que se apercebem das dificuldades, o que parecia um animal singularmente perigoso começa a tomar contornos de maldição do Olimpo. Merecerá a fortuna o risco de desagradar os deuses? Texto e desenhos de Ivan García, cor de Ruth O'Leary, Grafito Editorial, Valência, 2020.

«Leitor de BD»

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

"Pulp"


 

Pelo texto da editora, pela capa (por vezes também se deve julgar um livro pela capa…), percebe-se que há aqui coisa séria:O que fazer quando sabemos que devíamos ter morrido novos, mas isso não acontece? Max Winter tinha outro nome e outra vida, há muito tempo. Agora, na Nova Iorque nos anos trinta, Max sobrevive a escrever para revistas as histórias superficialmente disfarçadas sobre o homem que em tempos foi, histórias da fronteira esquecida e de um fora-da-lei do faroeste que fazia a justiça a tiro. Mas, quando a sua vida começa a desmoronar, e ele vê o mundo à beira de uma guerra, com os Nazis a marcharem pela Europa e pelas ruas de Nova Iorque, Max dá consigo a pensar novamente como um fora-da-lei... E, uma vez tendo seguido por esse caminho, pode não haver volta atrás.” Romance gráfico com argumento de Ed Burbaker e desenhos de Sean Phillips, Pulp (literatura barata ou de cordel), algo que certamente este livro não será. Anotado. Edição G-Floy, 2020.

«Leitor de BD»

Natal em Patópolis



 E o que seria do Natal sem a presença destes patos, ainda por cima com o traço de Carl Baks?… Huguinho, Zezinho e Luisinho pedem ao Tio Patinhas um roda gigante como presente. O velho sovina aquiesce na condição de Donald trazer do Canadá uma árvore descomunal. Esta e outras estórias de aventura & forretice na colecção dedicada ao criador do pato mais rico do mundo e também dos Irmãos Metralha, Professor Pardal e Lampadinha, Maga Patalójika ou Gastão. Edição Panini-Brasil, 2020.  

«Leitor de BD»

sábado, 16 de janeiro de 2021

«O Mistério da Grande Pirâmide» (2)




A egiptologia foi pasto para o imaginário ocidental, da campanha militar de Napoleão à campanha arqueológica de Howard Carter, do espírito científico que deu Champollion às aldrabices ditas esotéricas, e de Hercule Poirot a Indiana Jones,

O Mistério da Grande Pirâmide de Jacobs mistura sabiamente os diversas aspectos deste fascínio, como deixa entrever Jacobs na autobiografia Un Opera de Papier – Les Mémoires de Blake et Mortimer (Gallimard, 1981). Assim, para além do lixo impresso em qualquer gazeta de baixa extracção, muniu-se dos autores clássicos, Heródoto, Estrabão, Abdalatife de Bagdade, e dos modernos como Maspero, citado no texto, ou Mariette – “o amigo íntimo de todas as múmias”, como lhe chamou Eça de Queirós, que com ele se cruzou na Ópera do Cairo, em 1869, onde estava para assistir à inauguração do Canal de Suez. (Para registo: Mortimer passa pelo mesmo hotel em que Eça se hospedou, o Shepheard, mas não consta que o cientista conhecesse a obra do escritor português, o drama dos países periféricos...).

O plot de O Mistério da Grande Pirâmide é pois condimentado com tudo isto: arqueologia (Mortimer em férias, encontra-se com o seu amigo, o Prof. Ahmed, director do Museu do Cairo), o romanesco policial (Olrik surge como testa de uma bem organizada rede de tráfico de antiguidades egípcias) e o mistério: um compartimento secreto até então inviolado, a “Câmara de Hórus”, que esconderia o tesouro e o legado de Aquenáton.

Amenófis IV, faraó da XVII Dinastia, reinando entre 1370 e 1357 a.C. operou uma revolução religiosa no Egipto faraónico: o culto monoteísta de Áton, o deus sol, alterando o nome para Aquenáton, o filho ou o instrumento de Aton, bizarria que a classe sacerdotal não iria deixar passar incólume, assim que o faraó herético fosse prestar contas ao Criador – e, na verdade, o povo também não aderiu a esta mudança. Há quem procure explicar tal desvio pela provável ascendência semita de Aquenáton; as feições do rei, podemos constatá-lo, são assaz peculiares dentro do fenótipo egípcio e a verdade é que a presença hebraica no país é histórica, não apenas pelos contactos comerciais como também pelo domínio dos Hicsos, povo semita, cerca de dois séculos antes. Além disso, mais espicaça a nossa curiosidade a circunstância de a mulher de Aquenáton ser Nefertiti, a mais bela das egípcias antes de Cleópatra, como nos revela o busto no Museu de Berlim, e as tocantes manifestações de afecto entre o casal que chegaram até nós.

Blake e Mortimer, depois de Olrik, terão acesso a essa câmara guardada desde então por descendentes do escriba do faraó, Paatenemheb, o último dos quais aparece na capa do segundo tomo. Será a escolha deste controverso faraó como mola da narrativa, que, quanto a nós, dará a esta aventura de Blake e Mortimer o plus que ainda hoje, passados setenta anos da sua estreia numa revista juvenil, mantém o interesse acrescido numa das grandes séries da BD mundial.


O Mistério da Grande Pirâmide,

Vol. 2. A Câmara de Hórus

texto e desenhos: Edgar P. Jacobs

edição: Livraria Bertrand, Venda Nova, 1982


domingo, 10 de janeiro de 2021

Os estranhos inquéritos do Major Burns

                                             

O Major Burns e o inefável Dr. Wayne formam outra dupla britânica, criada pelo traço humorístico e cáustico de Devig (Christophe de Viguerie, Toulouse, 1965). Ambientada na Londres Vitoriana, a cidade mais populosa do mundo, capital da maior potência do planeta, onde a indústria e comércio prosperam e o crime e a miséria também. A Scotland Yard cria um departamento para se ocupar de “casos particulares” à frente da qual está uma parelha que é o avesso dos nossos felumáticos britânicos aí ao lado esquerdo [alusão a Blake e Mortimer]. Les Étranges Enquêtes du Major Burns, edição Fluide Glacial, 2020.

«Leitor de BD»

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Kid Paddle


Midam (pseudónimo do belga Michel Ledent) entrou na revista Spirou em 1989, como ilustrador da secção de videojogos, para a qual criou Kid Paddle, um garoto de nove anos obcecado não apenas por essa nova forma de entretenimento como por filmes que não são para a sua idade, em especial o género “gore”. A personagem caiu no goto dos leitores, foi alargando espaço, trazendo consigo outras figuras, nomeadamente Benji “Big” Bang, inventor nem sempre feliz de gadgets, e Horace, o ingénuo, ambos cúmplice de Kid nas tentativas frustrantes e frustradas de entrar em cinemas que passam filmes que lhes estão interditos. Desta série humorística, que deu origem a uma outra de que já aqui falámos, Game Over, foi agora publicado o 16.º álbum, Kid N'Roses, edição Dupuis.

«Leitor de BD»


terça-feira, 5 de janeiro de 2021

«O Mistério da Grande Pirâmide» (1)

 


Criada por Edgar Pierre Jacobs (1904-1987) e estreada em 1947 no número inaugural da revista Tintin, Blake e Mortimer é uma série que estará sempre na mão que conte pelos dedos as obras mais notáveis do género BD. Relatos de aventuras, envolvendo a espionagem, a ciência e também a História: ou como escreveu o sociólogo Jean-Bruno Renard, uma mistura de Júlio Verne, H. G. Wells e Maurice Leblanc, o criador de Arsène Lupin, faltando dizer que será isso tudo e algo mais, singularizado pela grande arte do autor, um antigo barítono cuja carreira fora interrompida pela guerra de 39-45.

Encontramos pela primeira vez os dois gentlemen britânicos – o Professor Phillip Angus Mortimer, escocês nascido na Índia, físico nuclear, inventor, arqueólogo amador, desportista, e o galês Sir Francis Percy Blake, capitão da RAF e futuro director do MI5 –, em O Segredo do Espadão, no Tibete, onde impera Basam-Damdu, o ditador que fará deflagrar a III Guerra Mundial, ainda a anterior terminara havia dois anos.… E contra eles, o Coronel Olrik, aventureiro e criminoso internacional, com provável origem nos países bálticos, cria Jacobs, criador de mais esta criatura cujo rosto em si mesmo fora inspirado...

Se todos as histórias se revestem de grande qualidade, os dois volumes de O Mistério da Grande Pirâmide (estreia em 1950 nas páginas daquela revista) e A Marca Amarela (publicada entre 1953 e 54) são consideradas as obras-primas. Em Portugal, ambas foram publicadas quase de seguida no Cavaleiro Andante, de Adolfo Simões Müller, cujos contactos com a Bélgica, vinham já de antes da guerra, nomeadamente com Hergé. Perfeccionista, Jacobs foi uma espécie de Flaubert da BD. O romancista francês esgotava os assuntos: para escrever Salammbô leu tudo sobre Cartago, autores antigos e modernos, consultou especialistas, foi à Tunísia, às ruínas púnicas. Jacobs procedia da mesma forma no que respeita à documentação e planificação do seu trabalho, que executava sempre sozinho. Há uma anedota reveladora dessa obsessão pela verosimilhança e rigor documental: em 1971, a revista publicava semanalmente As Três Fórmulas do Professor Sato, até que, para desespero da redacção, Jacobs resolveu que precisava de conhecer os modelos dos caixotes do lixo de Tóquio, imagens cujo acesso não era fácil à época – decerto que um guia regular da cidade não traria fotos da imundície urbana… Sem retomar o trabalho enquanto não chegassem imagens fiáveis, verá afinal que os nauseantes recipientes eram iguais aos de Nova Iorque, esses bem à mostra, até para quem os não quisesse ver... É à luz desta prática que o nosso autor situa Blake e Mortimer no Egipto do último faraó, Faruk I, um monarca manobrado pelos ingleses que controlavam o país, pálida sombra do fundador da sua dinastia, albanesa, Mohamed Ali, e um enigma envolvendo um outro soberano, a milénios de distância, o controverso Aquenáton mais um espólio que ficou por encontrar...

(continua)

O Mistério da Grande Pirâmide,

Vol. 1. O Papiro de Máneton

texto e desenhos: Edgar P. Jacobs

edição: Verbo, Lisboa, 1969

«Leitor de BD»

domingo, 3 de janeiro de 2021

Oriente aos quadrados

 


Guy Delisle é um autor de BD e cinema de animação natural do Quebec, que tem colhido das suas viagens ao Oriente, ora como animador ora como cônjuge de uma responsável pelos Médicos sem Fronteiras, material para comentar com humor crítico essas experiências, de que resultaram alguns livros que dão conta num tom pessoal do choque cultural e das dificuldades de comunicação. A Devir anuncia uma nova edição de Pyongyang – Uma Viagem à Coreia do Norte (2003) e uma primeira publicação de Crónicas da Birmânia (2007), esse país complexo, ponte entre a Índia e a China, de que sabemos tão pouco.

«Leitor de BD»