quinta-feira, 30 de abril de 2020

Prémios "Bandas Desenhadas"

Com o objectivo de distinguir BD editada em Portugal, o site bandasdesenhadas.com, coordenado por Nuno Pereira de Sousa divulgou os premiados, uma vez que foi anulada a cerimónia prevista para decorrer no Festival Internacional de BD de Beja, entretanto cancelado pela pandemia. A escolha, entre mais de 300 publicações, coube Carla Ramos, Rodrigo Ramos, Susana Figueiredo e ao administrador. Eis alguns premiados:
Álbum (distribuição comercial): Einstein, Eddington e o Eclipse: Impressões de Viagem, de Ana Simões & Ana Matilde Sousa (Chili com Carne);
Álbum (distribuição alternativa): Conversas com os Putos e com os Professores Deles, de Álvaro (Insónia);
Ilustração: Mar de Aral, por Roberto Gomes (G-Floy e Comic Heart);
Argumento: Toutinegra, de André Oliveira (Polvo);
Série: Criminal – Livro Um, de Ed Brubaker e Sean Philips (G. Floy Studio);
Humor: Conversas com os Putos e com os Professores Deles, de Álvaro (Insónia);
BD curta: “Nós”, de Nuno Duarte e Rita Alafaiate, Legendary Horror Stories, vol. I (Legendary Books).
BD de autor ou co-autor nacional publicada no estrangeiro: A Morte Viva, de Alberto Varanda e Olivier Vatine (Ala dos Livros);
Antologia nacional: Umbra #1 (Umbra);
Edição estrangeira: Eu, Louco, de Antonio Altarriba e Keko (Ala dos Livros);
Reedição: Corto MalteseAs Célticas, de Hugo Pratt (Arte de Autor);
Edição (apuro editorial): Andromeda or The Long Way Home, de Zé Burnay (edição do Autor).

«Leitor de BD», jornal i

segunda-feira, 27 de abril de 2020

as tiras da fome

Deus assinou por baixo: o Brasil é mesmo um país abençoado. Só assim se explica a Amazónia, a bossa nova, o risco de Brasília, a escrita de Guimarães Rosa, a poesia de Bandeira, Cecília e Drummond, a grande escrita de Gilberto Freyre, o Samba da Bênção e o Clube da Esquina, os quadrinhos de Ziraldo, as Bachianas Brasileiras, Senna e Pelé...
Mas como a todo o céu corresponde um inferno, a contrapartida é uma mentalidade pós-senhorial de raiz escravocrata e racista, a superstição em todos os estratos sociais, a rapacidade das seitas religiosas, a violência das cidades, a pobreza endémica e um coronelismo boçal. Então o país ergue-se da lama com os romances de Jorge Amado, os retirantes de Portinari, o cinema de Glauber Rocha, a música e as letras de Chico Buarque, a Teologia da Libertação, os resistentes – de Chico Mendes a Lula. O Brasil esteve e voltou a estar situado na área da geografia da fome. E o autor do livro de hoje desde cedo teve noção de como o paraíso provável tantas vezes não passa de um purgatório desencantado.
Edgar Vasques (Porto Alegre, 1949), arquitecto de formação, é um dos grandes autores de quadrinhos do país. Vindo de uma família bem instalada do estado do Rio Grande do Sul, foi no caminho diário para a faculdade, no início da década de 1970, que, tomando contacto com o miserê, levou em cheio com a discrepância entre a propaganda do regime de ditadura militar e a crua realidade da rua.
Depois desta bofetada, como tinha coisas a dizer, criou Rango para uma revista universitária nome que, na gíria, significa refeição, ou comida. Mas o estômago de Rango, indigente que vive numa lixeira, com o filho, os vizinhos do desvalimento, os cães vira-latas, os ratos, as moscas – o estômago dá horas, a toda a hora. O seu humor é tão fino e certeiro, que a estreia em livro, em 1974, foi entusiasticamente prefaciada por Erico Veríssimo.
É preciso ter uma ponta de génio para pegar num tema tão pesado quanto o é o da fome e da miséria extrema e fazer o leitor sorrir e pensar. Exímio no jogo de palavras, subverte as expressões consagradas pelo lugar-comum e as locuções populares, desmontando a retórica do grupo dominante, e fustiga nas suas tiras, sem contemplações, a condição (des)humana sofrida por tantos na sociedade brasileira, invisíveis para os Chicago boys e apaniguados. Alguns disparos: o país com milhões de miseráveis sem nenhum Victor Hugo; do país do futuro à terra do nunca, em que tudo é caro, excepto a violência, que é gratuita; Ayrton Senna, alegria do Brasil, que após o acidente fatal com o fórmula 1 em desgoverno se tornou na alegoria do Brasil; o monopólio, ou seja, o poder que tende a transformar os homens em macacos paralíticos, “como o nome indica”; o social-democrata, um tipo que fez sociedade com o demo; da necessidade do spa ao contrário, o que engorda pobre; a economia de mercado para os que podem, e de marcado, para os que não...

O Génio Gabiru
texto de desenhos: Edgar Vasques
edição: L&PM, Porto Alegre, 1998

domingo, 26 de abril de 2020

"desnovela gráfica"

Assim classifica o autor, Paulo J. Mendes, O Penteador (edição Escorpião Azul), uma história que parece de descoberta e estranhamento, cuja sinopse suscita o interesse de sobre ela nos debruçarmos: «Candidato a um emprego numa velha loja de miudezas, o jovem Mafaldo Limparrim desloca-se a Poço Redondo, vila suburbana de montanha conhecida pelos seus maus ares, para conhecer o seu idoso e irrequieto patrão. Contaminado desde o primeiro minuto, acabará por retirar-se à socapa após uma vigorosa familiarização com algumas especialidades e personagens locais.» Promete.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Jeff Lemire

Autor canadiano com trabalhos publicados pelas maiores editoras norte-americanas de comics, e premiado com um Eisner, fez publicar no ano passado uma novela gráfica, cuja acção se passa igualmente numa pequena povoação, desta feita do norte do Canadá, Pitimaton. Roughneck – Um Tipo Duro (edição G-Floy) conta a história de dois irmãos que se reencontram quando tudo à volta parece desfazer-se. A crítica tem sido entusiástica, com esta do Comics Jornal: :Álcool, toxico-dependência, os ciclos da violência que se vão perpetuando no tempo e no interior das famílias, a herança da cultura nativa americana, e o hóquei, esse desporto nacional do Canadá, tudo isso irá voltar à superfície neste conto sobre os aspectos mais reprimidos e repressivos, da vida canadiana”.

comando devastado

Personagem criada por Greg e William Vance em 1967, sob os auspícios da Guerra Fria, Bruno Brazil, homem de missões impossíveis, agente do WSIO (World Security Internacional Office), chefiado pelo Coronel L. (Lazarus D. Walsh), aparece ainda muito ligado aos clichés jamesbondianos; cedo, porém, vai largando os lugares-comuns da espionagem, com as narrativas a decorrerem num páthos de angustiosa conspiração e contornos mais difusos, em que a política dos dois blocos é “apenas” o cenário em que tudo se move. Um dos atractivos da série é a chamada “Brigada Caimão”, um comando que Brazil lidera, constituído por elementos de inusitada ou duvidosa proveniência, artistas de circo, cadastrados, vigaristas...

Greg e William Vance são dois dos maiores nomes da BD franco-belga. Referi-los é o mesmo que nomear Achille Talon, Bernard Prince, Bob Morane, Comanche, Olivier Rameau; XIII – e até Spirou e Fantásio, e Tintin (o argumento de Tintin e o Lago dos Tubarões pertence a Greg); ou Marshal Blueberry, desenhos de Vance, a convite de Giraud, que assegurava os argumentos após a morte de Charlier.... Pegar numa série emblemática, saída das mãos de autores deste coturno é sempre um risco, daí que não haja propriamente avanços, ou talvez seja ainda cedo para tal. Quando Greg se tranfere para os Estados Unidos, assegurando a direcção local da editora Dargaud, precisou acalmar a produção infrene que a imaginação lhe oferecia. Por isso, em Tudo ou Nada para Alak 6 (1977) faz dizimar metade da Brigada Caimão, numa missão em Madagáscar, o que dá aos autores destas Novas Aventuras de Bruno Brazil ensejo a não deixar tudo na mesma, mesmo mantendo fidelidade ao cânone.
Laurent-Frédéric Bollée (Orleães, 1967) situa o tempo da acção nos meses após a carnificina naquela grande ilha do Índico. A tragédia está ainda fresca neste primeiro álbum, intitulado Black Program. Bruno faz psicanálise; mas o Coronel L. depara-se com o desaparecimento (ou fuga?) de um cientista da Nasa, autocobaia da expreriência de injecção no próprio ADN de gigas de informação sensível, circunstância que faz dele uma base de dados classificados ambulante. A segurança do estado requer a recomposição do que sobrou do comando: Gaucho Morales, alguém que gosta de viver a vida, mesmo que de forma pouco ortodoxa, o único que parece ter saído incólume da catástrofe, a palpitante Whip Rafale, agora paraplégica, e o problemático Tony o Nómada, trupe de pós-traumatizados com que Bruno Brazil terá de contar. Philippe Aymond (Paris, 1968) é um desenhador de méritos firmados, co-autor, de Lady S., outra série em torno de serviços secretos, com argumento de Van Hamme, e passagem por Lisboa. Aymond não se “livrou” totalmente de Vance, mas tem estofo para tal. Os dados estão assim lançados, e, entre mistérios, traumas, atentados e dramas pessoais, sabemos ainda muito pouco ao fim deste primeiro tomo. À boa maneira das revistas semanais de BD, (continua), pois claro!

Bruno Brazil – Black Program – t.1
texto: Laurent Frédéric Bollée
desenhos: Philippe Aymond
edição: Le Lombard, Bruxelas, 2019
edição portuguesa: Gradiva, Lisboa, 2020

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Cascão lava as mãos

E a Covid 19 fez o milagre. Cascão, o rapaz mais sujo da Turma da Mônica, ultrapassou a aversão à água, em nome da saúde de todos. O feito pode ser comprovado gratuitamente no sítio desta patota que acompanhou o crescimento de muitos de nós: Turma da Mônica – Lavar as Mãos Salva Vidas, Maurício de Sousa Editora, 2020 – http://turmadamonica.uol.com.br/

terça-feira, 21 de abril de 2020

no feminino

O número de mulheres na BD é já muito significativo. Florence Dupré la Tour, de quem voltaremos a falar, em Pucelle (edição Dargaud) aborda com humor os interditos sexuais no contexto familiar, em que, para as crianças, o corpo só existia da cintura para cima: os eufemismos, as tangentes e os tropeções quando aparece um elefante na sala – o sexo, é evidente.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Cascão outra vez

Quando as produções de Maurício de Sousa pareciam ter entrado num rame-rame – mais de meio século a produzir historinhas, é obra – eis que em 2012 alguém por lá teve a ideia de propor a releitura daqueles universos, convidando gente de fora, e em especial autores jovens. Deu-se assim início à colecção Graphic MSP, e os resultados não poderiam ter sido melhores. Em Casão – Tormenta, de Camilo Solano (Panini. São Paulo, 2020), vemos a ida contrafeita, por uns dias, do rapaz sujinho para casa de um tio, no interior rural. Ao contrário do aborrecimento previsto, Cascão irá descobrir mundos insuspeitados.

sábado, 18 de abril de 2020

«Strapontam e o Monstro de Loch Ness»

Criado em 1958, por Berck (Arthur Berckmans, Lovaina, 1929) com argumentos de René Goscinny (1926-1977), Strapontam, fardado e ao volante de uma dona-elvira amarela, não é o taxista das voltas ao obeslico da Praça da Concórdia, mas antes o chofer das corridas improváveis... Strapontam, para respeitar a fonética original do nome deste motorista bonacheirão, Strapontin, e não acontecer o que se passou com Tintin, que entre nós nunca foi Tantam, a não ser para quantos frequentaram o liceu francês...
Publicado na revista Tintin belga em 1961 e no ano seguinte em álbum, Strapontam e o Monstro de Loch Ness fala-nos de uma deslocação à Escócia, a pedido de um amigo, o Professor Feijão Verde (Petitpois, no original) – o cientista que descobriu o carburador em pó... –, para que o filho, o jovem Wimpy, aperfeiçoe o inglês, numa temporada no castelo do velho tio Mac Lloyd, situado à beira do célebre Loch Ness, Com ambos segue o cão Gerardo, cujas características antecipam de algum modo uma outra criação de Goscinny, agora com Morris: Rantanplan, o cão mais estúpido do Oeste, surgido no álbum de Lucky Luke, também em 1962, Na Pista dos Dalton.
Goscinny tira partido das idiossincrasias dos britânicos: a condução à direita, a horrível dieta à base de carneiro cozido, molho de hortelã e o plum-pudding, aliás, o tipo de humor que vamos encontrar em Astérix entre os Bretões (1965); na Escócia: problemas com falsários de uísque, a personalidade forte dos escoceses, com os seus kilts e gaitas de foles, e o inevitável Nessie.
Na segunda história, Strapontam e o Gorila (1962), o taxista acompanha Feijão Verde, Wimpy e Gerardo ao território de Grododo, onde coexistem os grandes símios e os acérrimos Molomolós. O professor desta vez engendrara um extracto à base de hormonas de peixe, cabeças de fósforo e cenouras, susceptível de desenvolver a inteligência dos primatas, ao ponto de pôr o gorila a falar latim – ou seja, Goscinny puro, com uma certa inversão do paternalismo, em que os indígenas, por entre os trajes e práticas tradicionais, exibem um discurso de habitantes sofisticados das metrópoles. O mesmo sucederá com Astérix...
O traço de Berck é muito característico. Vindo da BD religiosa, publicada pelos jesuítas belgas, as suas influências estão nos comics americanos. Parece haver ali algum reflexo de Chester Gould (Dick Tracy), adaptado à sensibilidade infanto-juvenil da época e, comprovadamente, de E. C. Segar, o criador de Popeye – o nome da personagem Wimpy,, é uma homenagem àquele, evocando o inenarrável comilão de hambúrgueres. Em suma, pode dizer-se, entre o desenho característico de Berck e o álacre humor de Goscinny, que a série envelheceu, mas bem, apesar de tudo.

Strapontam e o Monstro de Loch Ness, seguido de Strapontam e o Gorila
texto: René Goscinny
desenhos: Berck
edição: Editorial Íbis, Lisboa, 1965

Maluquinhos dos automóveis

E já que se falou de táxis e donas-elviras, um destaque para uma série de gags sobre aquela malta doida por clássicos. E quem pode censurá-los? É um gosto ver em BD carros bem esgalhados, de Jean Graton a Maurice Tillieux: um Triumph Spitfire, um MGB GT, um 2Cavalos, Boca de Sapo ou uma Arrastadeira – três Citroën carismáticos – e as manias dos donos... Textos de Christophe Cazenove e Hervé Richez e desenhos de Bloz, Les Fondus de Voitures de Collection, edição Bamboo.

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Mary Jane

Mary JaneMary Jane, jovem de dezanove anos, já viúva de um mineiro, ganha Londres para tentar ganhar a vida. A cidade da miséria das classes trabalhadoras, dos alcouces para as mulheres desamparadas que daquelas saem, e de Jack o Estripador. Os autores são de primeira água: Frank Le Gall (texto) e Damien Cuvillier (desenhos). Edição Futuropolis.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

do êxtase

BD autobiográfica de Jean-Louis Tripp, autor, com Régis Loisel, da magnífica série Armazém Geral, é seu propósito, neste segundo tomo de Extases (edição Casterman), tratar do sexo e mostrá-lo tão natural quanto o deveria, no que é para o autor um statement político: quem se sente bem com o corpo e a sexualidade inerente é mais livre e precisa menos de tutelas, algo que desagrada a quantos pretendem cercear a liberdade individual. 


segunda-feira, 13 de abril de 2020

uma sociedade escravocrata e patriarcal

Há indignidades históricas em relação às quais a hermenêutica historiográfica não deve condescender, mesmo com o argumento, neste caso falacioso, do anacronismo a evitar. Uma delas é a escravatura, estabelecida na pré-modernidade pelos Descobrimentos. Sim, poderemos relegar as civilizações da Antiguidade e Alta Idade Média para esse limbo em que a própria “Humanidade” estava em construção: os escravos eram despojos de guerra. Chegados ao século XV, quando os papas haviam condenado expressamente, em bulas sucessivas, o comércio iníquo de seres humanos – do mercado de escravos de Lagos, no tempo do Infante D. Henrique ao tráfico transatlântico com destino às plantações das Américas, aqui também contrariado pelas sociedades abolicionistas nos séculos XVIII e XIX – (chegados aqui), acaba a pertinência de qualquer ensaio justificativo tendencialmente desculpabilizador ou neutral: se o anacronismo é um pecado capital em História, historiografia em que a ética da razão está ausente é particularmente repulsiva. E não será por certas tribos africanas em estádio civilizacional incipiente (ou não), terem feito mercancia dos seus despojos de guerra com traficantes de carne humana, que alguma vez a retratação das antigas potências coloniais não deverá ser feita.
É na realidade das plantações na América do Norte que se centra o livro de hoje: Louisiana, com texto de Léa Chretien (1986) e Gontran Toussaint (Namur, 1989), dupla também na vida. Trata-se de uma saga familiar, que percorre a questão inter-racial desde a integração do território, antes francês, nos Estados Unidos, no dealbar do século XIX, até à luta pelos direitos cívicos na década de 1960. Rememorada por uma velha senhora instada pelas netas a contar-lhes a história da família, que se socorre de uma empregada negra para pôr no papel as memórias de século e meio. Memórias familiares das plantações com pouco de que se orgulhar – ou talvez não, de qualquer modo com o peso da vida construída calcando as vidas dos outros como subgente, o que dava imenso jeito para prosperar.
Ao regime escravocrata perverso, junta-se a brutalidade do patriarcado, em que da mulher-esposa se espera parição, obediência e docilidade e das escravas a submissão aos instintos animais do patrão e do filho deste. Como, porém, nem todos somos feitos da mesma massa, há mulheres e mulheres, o que torna o relato imprevisível, suscitando o interesse pela continuação nos próximos tomos. As personagens são fortes e complexas, os cenários dividem-se entre a plantação de cana-de-açúcar e a cidade de Nova Orleães com as cores e os cheiros do mundo crioulo, onde, mesmo então, já havia negros livres, filhos de brancos, cujos pais não quiseram dar destino idêntico aos da mercadoria humana que compravam. Gontran Toussaint, ainda com espaço para a evolução do traço, é já uma certeza na sua geração.

Lousisana – 1. La Couleur du Sang
texto: Léa Chretien
desenho: Gontran Toussaint
edição: Éditions Dargaud, Paris, 2019


sábado, 11 de abril de 2020

Dany

Septuagenário entrado, Dany, o co-criador de Olivier Rameau – série de maravilhoso para todas as idades – já então faria suspeitar um leitor adulto da potencial cocquinerie da bela Colombe Tiredaile. A colecção de gags Ça Vous Intéresse aí está para vermos o gosto de de Dany por desenhar belas mulheres, que aparecem também no seu último álbum, Un Homme qui Passe (Dupuis, 2020), com texto de Denis Lapierre, a história de um fotógrafo bem vivido, em crise. A ele voltaremos.

terça-feira, 7 de abril de 2020

Varenne

Da BD à ilustração, Alex Varenne é um autor que também tem le goût des femmes, de tal forma que já se referiram ao seu estilo como la ligne 'chair'... Em La Femme el l'Homme Animal (Zanpano, 2019), editado para assinalar o 80.º aniversário, Varenne diz que quer inverter o foco da mulher vista como bichano e outras animalizações. Agora, os animais são os homens, algo que já se sabia, mas se o autor o diz, é preciso ir ver do que se se trata.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Manara

Cinquenta anos de carreira foi o motivo que levou a Glénat editar a retrospectiva da obra deste autor, que está muito longe de ser uma espécie de pornógrafo: basta lembrar as colaborações com Pratt e Fellini, para nos atermos às duplas. Com Sublimer le Réel, uma edição grande formato com mais de 500 páginas, se encerra a BDteca desta semana, evocando três maduros.

Albert Uderzo (1927-2020)

A vinheta inicial de A Odisseia de Astérix (1981) – um dos melhores álbuns de Uderzo a solo –, mostra a luta pela sobrevivência travada pelos habitantes silvestres da floresta gaulesa. Uderzo está ali no seu esplendor artístico de autor de BD humorística e de inspiração animalista, no espectáculo cruento que a natureza constantemente nos dá, dulcificado pela matriz dos comics americanos, onde bebeu: de Walt Disney e seus colaboradores a Milton Caniff, o criador de Terry e os Piratas e Steve Canyon, este último não despiciendo para a a BD de aviação Tanguy e Laverdure (1959), com texto de Jean-Michel Charlier, o excelso argumentista de Fort Navajo (Tenente Blueberry).
A grande influência, porém, e porque exercida pessoalmente, foi a de Edmond Calvo (1892-1957), um prodigioso animalista, a quem chamaram o “Walt Disney francês”. A sua obra mais reconhecida, La Bête Est Morte! – La Guerre Mondiale chez les Animaux, publicado imediatamente após a Libertação, trouxe-lhe o reconhecimento do próprio Disney. Os mestres excepcionais detectam-se sempre nos díscípulos de génio. Neste Uderzo de 1981, sexagenário já entrado, temos a impressão de Calvo é visivel. Aliás, é-o desde 1946, quando aos 19 anos, após vencer um concurso, publica o primeiro álbum – um feito para a época –, Les Aventures de Clopinard, le Dermier des Gognards, um perneta sobrevivente da batalha de Waterloo...
O êxito incomparável de Astérix o Gaulês não existiria sem o talento de Uderzo, sem a inteligência da caracterização psicológica daquelas figuras caricaturais, quase disneyescas. Sim, Goscinny era o espírito crítico, a audácia do subtexto, o génio da ironia; mas só com Uderzo e Astérix é que Goscinny é completamente Goscinny. Encontraram-se em 1951, e tiveram praticamente uma década de afinação, até apresentarem, em 1958, uma obra que faria jus àquela chancela de dream team, como lhe chamou o hergéfilo Jacques Langlois, Uderzo & Goscinny: Humpá-pá o Pele Vermelha, nas páginas da revista Tintin, que em muito antecipava o tom de Astérix: na América do Norte do século XVIII, a tribo dos Shavashavah é confrontada com a invasão de forças europeias, francesas e inglesas, com as quais tem de lidar. Aldeias a que não falta um chefe patusco, invasores alienígenas... Humpá-pá intrépido, menos experiente que o pequeno gaulês, tem também o seu perceiro, cómico e desajeitado como Obélix, o cavaleiro Humberto de Massa Folhada (ou Escalpe Duplo, como lhe chamavam os índios, por causa da peruca) porém trinca-espinhas, ao contrário do fabricante de menires.
No ano seguinte, na revista Pilote, Uderzo desdobra-se entre a BD realista de Tanguy e Laverdure e outra de teor humorístico, Astérix o Gaulês, em benefício da qual abandonará a primeira. Curiosamente, é substituído por um expoente da “Escola de Marcinelle” (da revista Spirou), Jijé, que dará à série dos pilotos-aviadores uma rugosidade que o traço suave de Uderzo não permitia.
Após a morte de Goscinny, Uderzo foi muito criticado por os seus álbuns a solo não alcançarem o nível dos anteriores, algo que é excessivo. O Grande Fosso e As Mil e Uma Noites de Astérix são outros títulos ao melhor nível da dupla.
(publicado no Sol)


quinta-feira, 2 de abril de 2020

«O Regresso de Tomahawk Tom»

Thomahawk Tom é uma curiosa personagem da BD portuguesa, criada por Edgar Caygill (!), cujas aventuras foram publicadas no Mundo de Aventuras, Condor e Jornal do Cuto. Cowboy mestiço, filho de uma cheyenne, tem todas as qualidades do herói positivo; sem defeitos, seria figura demasiado plana, não fora essa miscigenação étnica que permite o contacto entre os dois maiores antagonistas deste universo: os colonos invasores europeus, secundados pelo exército norte-americano e as nações indígenas. A dupla pertença é-lhe, aliás, constantemente apontada, normalmente sob a forma de insultos, como “meia-casta”, a que ele normalmente dá de ombros, com fleuma. Acompanha-o Jacky, um adolescente resgatado ainda criança num acampamento em que decorrera o massacre dos progenitores perpetrado por índios.
Este ‘Caygill’ é um pseudónimo conjunto de Roussado Pinto (1926-1981?), um dos figurões do pulp lusitano (o célebre Ross Pynn), e do seu desenhador, Vítor Péon (1923-1991), um dos nomes de referência dos quadradinhos portugueses em meados do século passado.
Em O Regresso de Tomahawk Tom – Tempestade em Dakota Sul, Péon encarrega-se também do texto. A história aborda os normais tópicos do western: neste caso, o início da construção da linha férrea transcontinental, ligando os Estados Unidos costa a costa; a primeira a concluir o traçado que lhe fora cometido, ganharia um prémio atribuído pelo governo. Pistoleiros e tiroteio, sabotagem, ciladas, caçadores de bisontes, índios Sioux, a Cavalaria, todos estes motivos de coboiada aqui comparecem. A fuga ao cliché, para além da condição étnica do protagonista, é a circunstância de tratar-se de um indian friendly western, consagrado já noutras partes e media, como no cinema, maxime O Soldado Azul (1970), de Ralph Nelson, com a inesquecível música de Buffy Sainte-Marie.
A narrativa é fluida e o desenho extraordinariamente dinâmico, não sendo perfeccionista. No geral, estamos uns furos abaixo de um Blueberry a que Péon, em nossa opinião foi beber, ou não considerasse Jean Giraud, num pequeno ensaio que escreveu, como “um dos maiores, senão o maior autor de B.D. 'Western' […] não só da Europa, mas também da América» (A Banda Desenhada como Arte, 1979).
Edição do autor, com uma tiragem de dez mil exemplares, foi um flop comercial, inviabilizando outras séries que Péon aí anunciava: Sax, um corsário com paixão pela leitura, e o Reverendo Benedict Jr., cujas frases heterodoxas prenunciam as tiradas do nosso já conhecido Undertaker: “Será mais fácil a un homem justo passar pelo fundo de uma agulha do que a um homem mau escapar à mira do meu Colt!!!”
Escorreita BD western, O Regresso de Toamahawk Tom tem certamente um lugar numa biblioteca básica da BD portuguesa.

O Regresso de Tomahawk Tom – Tempestade em Dakota Sul
texto e desenhos de Vítor Péon
edição do Autor, Lisboa, 1975


quarta-feira, 1 de abril de 2020

a viagem de Abel

Também edição de autor, em 2014, foi este Le Voyage d'Abel, texto de Isabelle Silvain e desenhos de Bruno Duhamel. Camponês, único habitante de uma aldeia francesa, Reclesme, prisioneiro da terra, Abel tem o sonho de conhecer o mundo, aspiração partilhada com o cão e o tractor. Uma beleza pura, agora reeditada pela Grand Angle.