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quarta-feira, 20 de abril de 2022

de A a Z: Z, de Zig e Puce (Alain Saint-Ogan, 1925)



Clássico da BD francesa e a primeira série franco-belga a usar filacteras, Zig e Puce são dois adolescentes – um esguio, anafado o outro – que vivem peripécias em todos os azimutes: do inevitável espaço sideral à Índia e ao Pólo Norte, onde adoptaram o pinguim Alfred. Saint-Ogan pensou inicialmente que os rapazes iriam comê-lo, mas não teve coragem para sacrificar o boneco, no que fez bem, pois este viria a ser um dos ícones da BD e o primeiro símbolo do Festival de Angoulême. Nas décadas de 60 e 70, Greg, sempre ele, deu-lhes novo fòlego.

«Leitor de BD»


domingo, 30 de janeiro de 2022

de A a Z: O, de Olivier Rameau (Dany & Greg, 1970)



Um jovem ajudante de notário do Mundo-onde-todos-se-aborrecem, embarca com um colega à beira da reforma, Alphonse Pertinent, num eléctrico que conduz a um estranho país. Em Rêverose, não há pressas nem dinheiro, e até os espantalhos são amigos dos pássaros. Além disso, há também a menina Colombe, esplendorosa, por quem Olivier Rameau se apaixona. Um paraíso, que só é ameaçado quando alguém deste mundo em que nos aborrecemos lá vai parar. Uma grata fantasia utópica que ainda não disse tudo.

«Leitor de BD«

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

cidadão Talon


De indumentária fora de moda, a que não falta chapéu, laço-borboleta e bengala, conduzindo um Achilles modelo1908, ventrudo, careca e com um nariz fenomenal, Achille Talon é o que se chama um cromo, características que herdou do pai, apesar de tudo mais distendido e grande bebedor de cerveja. Quando vê um antigo colega, é incapaz de dizer “Há quanto tempo!”. Um cumprimento para esta personagem consiste sempre num pequeno tratado: “Meu velho companheiro de escola, de quem a bifurcação das nossas admiráveis vidas de labor me separou tanto tempo!»... Talon não sabe falar de outro modo: uma colina nunca é um apenas um outeiro, mas “um pequeno monte de matéria carbonífera que resultou dos movimentos que agitam o nosso planeta há uns escassos 280 milhões de anos...” O seu discurso rendilhado é objecto de estudo e teses universitárias, bem como a destreza dos trocadilhos, a começar pelo próprio nome, uma guinada na expressão “calcanhar de Aquiles”, que começa no próprio lettering da série, ACH!LLE.

O impecável e perfunctório Achille Talon está, no seu pernosticismo, para a redacção da revista Pilote (que nos gagues aparece como “Polite”), como Gaston Lagaffe, de Franquin, no proverbial desmazelo criativo que lhe assiste, para o semanário Spirou: sem eles, levando directores e chefes-de redacção ao limiar do enfarte do miocárdio, aquilo não passaria de um escritório aborrecido. Goscinny, que dirigia a redacção da Pilote, surge sempre apopléctico, com os dentes cerrados e a espumar.

Tal não sucede no livrinho de hoje, assim como não teremos o prazer de vislumbrar a noiva, Virgule de Guillemets. As Férias de Achille Talon, edição original de 1977, é uma compilação de gagues, que na maioria decorrem num parque de campismo popular e no qual Chichille (como lhe chama o pai) encontra o marquês Constant d'Anlayreur (ou seja, constant dan l'érreur, o que em tradução literal poderia dar algo como “persistente na asneira”, mas que o tradutor anónimo optou, e bem, por um Constante d'Herros. A ânsia de impressionar o pobre marquês, que é um marquês pobre, origina uma série de páginas divertidas. Em alternativa, surge o vizinho Hilarion Lefuneste, com uma loquacidade de surdo-mudo, com quem o nosso anti-herói gosta de implicar.

Criado em 1963 por Greg (1931-1999), um dos grandes argumentistas da BD franco-belga – Bernard Prince, a pura aventura (com Hermann), Bruno Brazil, o thriller de espionagem no tempo da Guerra Fria (com William Vance), Comanche, um western excepcional (de novo com Hermann), Luc Orient, ficção-científica (com Eddy Paape), entre outras, este exímio efabulador aventurou-se também pelo humor retomando Zig e Puce, de Alain Saint-Ogan, ou Clorofila, de Raymond Macherot ambos com o traço de Dupa, o criador do cão Cubitus. Com Achille Talon, Greg mostrou ser também um desenhador inventivo e, por conseguinte, um autor de BD completo.


As Férias de Achille Talon

texto e desenhos: Greg

edição: Meribérica, Lisboa, s.d.

«Leitor de BD»

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

de A a Z - Achille Talon (Greg, 1963)


Abecedário – A de Achille Talon (Greg, 1963). Um pequeno-burguês no seu pequeno mundo, com pequenos gostos e pequena vida. E também a mania das grandezas, as palavras de sete e quinhentos, o nariz, a indumentária pernóstica e a ideia que faz de si próprio. Grande criação, grande personagem.

«Leitor de BD»

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

da continuidade das séries


 

É escasso o número de séries populares dos quadradinhos que não tenham continuidade após o autor dar por findo o seu trabalho. Nos Estados Unidos é a regra, apesar dos Peanuts e de Calvin and Hobbes. O mesmo, não sendo inteira novidade, está a ocorrer na BD francófona. Tal pode trazer do melhor, seja os Batman de Frank Miller, Alan Moore, Grant Morrison, Jeph Loeb, ou os Spirou, de Jijé e Franquin a Tome & Janry; mas com ela poderá vir o descalabro, como sucedeu com o pobre Homem-Aranha, com tantas identidades e universos ficcionais que só um iniciado sabe quem é quem. O vil metal não respeita nada nem ninguém, muito menos um super-herói. Na tradição europeia, não chega tentar fazer igual. É por isso que o Spirou de Émile Bravo ou o Lucky Luke de Matthieu Bonhomme, escavando e redefinindo, têm pouco que se lhe compare.

Quando, há pouco mais de um ano, escrevemos sobre o tomo I de Black Program, de “As Novas Aventuras de Bruno Brazil”, por Aymond e Bollée, fazíamos votos para que os autores com a árdua tarefa de pegar no trabalho de Greg e William Vance ousassem ir além do epigonismo. Encerrado o segundo e último tomo, essa expectativa não foi completamente satisfeita. O argumento procura explorar os traumas da “Brigada Caimão”, substancialmente chacinada quando os criadores decidiram terminar a série, em Tudo ou Nada para Alak 6 (1977). O relacionamento entre os sobreviventes, alguns com sequelas físicas graves, outros com mazelas psicológicas, revela-se o aspecto mais interessante desta também sequela de BD. O nosso olhar adolescente persiste, e não acolhe como gostaria esta segunda vida de Bruno Brazil; o acumular de leituras e anos de vida tolera mal a ocorrência de visionários enlouquecidos que detêm meios que talvez nem as próprias super-potências militares disponham, numa série apesar de tudo com um de cunho realista, e, além disso, os riscos de Vance são difíceis de substituir.

Uma base secreta algures no Mato Grosso esconde um delirante ex-astronauta de uma missão secreta a Marte, realizada em 1973. O homem, que pisara o planeta vermelho, com o adn carregado de gigas de dados sensíveis, crê-se investido de uma missão superior de salvamento da Humanidade em perigo. Ali comanda centenas de acólitos (pois duma espécie de seita de trata), em que se encontram cientistas e outra gente impecavelmente caucasiana, incluindo um corpo de segurança armada, num esconderijo que alberga novíssima tecnologia, nomeadamente uma nave que lembra um space shuttle, levantando e ocultando-se na brenha amazónica. Enfim, para isso já tínhamos a “fortaleza da solidão”, no Árctico, ou as expedições a civilizações perdidas, para onde Carl Barks costumava mandar os seus patos. Com o Super-Homem ou o Tio Patinhas podemos proceder à suspensão temporária da descrença; assim, não é carne nem peixe. No entanto, com um desenlace em aberto, pode ser que haja oportunidade para corrigir o trajecto, ou não.


Bruno Brazil – Black Program – t.2

texto: Laurent-Frédéric Bollée

desenhos: Philippe Aymond

edição: Gradiva, Lisboa, 2020

«Leitor de BD»

terça-feira, 15 de setembro de 2020

um homem que passa


 Paul Berthier é um foto-repórter de nomeada. Em "Terra" (assim mesmo, em português), a sua grande obra editada em livro, o sublime das paisagens exóticas vive paredes meias com a miséria e os regimes que atropelam os direitos humanos. Às portas de velhice, e atormentado por um aneurisma cerebral, o seu propósito é o de organizar um álbum de fotografias de pendor erótico, de mulheres com quem manteve relações íntimas, umas horas ou uns anos, não muitos, uma vez que Paul é um homem que não procura criar raízes, é um homem que passa pela vida das mulheres. 

A acção decorre no arquipélago de Chausey, no Canal da Mancha – Paul tem aí o refúgio, numa pequena casa que herdara dos avós –, e desencadeia-se quando, num paroxismo de desespero, o pavor de ficar meio inutilizado em consequência da doença, como sucedera ao pai, empreende o caminho para a costa para se suicidar. Mas um sinal luminoso a estralejar, indício de naufrágio, trava o intento. Conhecendo os rochedos como a palma da mão, arranca numa lancha em direcção ao pequeno veleiro em risco de se desfazer de encontro às rochas. A bordo está Kirsten, assistente editorial na casa que o publica, que se dirigira à ilha, sem avisar, para acertar pormenores.

Recuperada e enxuta já no acolhedor chalé, vendo as fotografias de inúmeras mulheres dispostas nas paredes, pede-lhe que fale sobre o projecto, o mesmo é dizer que lhe conte a sua história. Duas gerações diferentes, ele um abencerragem dos libertinos anos 60 e 70, ela jovem mulher do tempo do #mee too, o caldo não tardará a entornar-se; Kirsten a acusá-lo de ser um predador exibindo troféus de caça, o que Paul nega com veemência; pelo contrário, apreciando as mulheres e o prazer mútuo que uma relação suscitava, apenas estava atento aos sinais, tendo a experiência ensinado que quando um homem aborda uma mulher, se esta não tiver já reparado em si com agrado, dali não levará nada... Quando a dinâmica do diálogo precipita a acção, ficamos a saber que Kirsten não é apenas a publisher que se lhe apresentou, mas alguém com ligações ao passado. 

Se o argumento cumpre (de Denis Lapière, Namur, 1958) abeirando-se perigosamente de alguns clichés, o maior interesse reside no trabalho de Dany (Daniel Herontin, Marche-en-Famenne, 1943), um dos últimos grandes nomes da idade de ouro da revista Tintin. As pranchas iniciais, as da tempestade sobre a ilha, são magníficas, as analepses distinguem-se do tempo presente através do recurso à aguarela e as expressões, numa BD que assenta sobretudo em diálogos de forte tensão, são bem logradas.

Dany sempre foi um pouco narciso: Olivier Rameau, protagonista da série que criou com Greg, assemelha-se ao autor quando jovem, e a bela Colombe Tiredaile teve por modelo Marcy, sua mulher. Colombe, mesmo nos parâmetros mais rígidos da imprensa da época foi sempre uma figura sexuada, que se vai erotizando à medida que o tempo o permite. Por isso, quando da série de gags eróticos Ça Vous Interèsse? – que deu a Dany uma aura de homme à femmes, apesar de casado com a mulher que ama há mais de 50 anos, como fez questão de frisar numa entrevista a propósito deste álbum –, ninguém se admirou que a imagem decalcada de Colombe também por lá aparecesse. Há quem veja em Paul um seu auto-retrato físico, no que o desenhador só concorda parcialmente. A verdade é que Lapière destinou o argumento a Dany e a mais ninguém; e, mutatis mutandis, a evocação de Colombe, isto é da mulher, Marcy, continua neste álbum. No fundo, diga-se o que disser, Dany é um homem que fica.


Un Homme qui Passe

Texto: Denis lapière

Desenhos: Dany

Edução: Dupuis, Marcinelle, 2020


«Leitor de BD», jornal i

sexta-feira, 24 de abril de 2020

comando devastado

Personagem criada por Greg e William Vance em 1967, sob os auspícios da Guerra Fria, Bruno Brazil, homem de missões impossíveis, agente do WSIO (World Security Internacional Office), chefiado pelo Coronel L. (Lazarus D. Walsh), aparece ainda muito ligado aos clichés jamesbondianos; cedo, porém, vai largando os lugares-comuns da espionagem, com as narrativas a decorrerem num páthos de angustiosa conspiração e contornos mais difusos, em que a política dos dois blocos é “apenas” o cenário em que tudo se move. Um dos atractivos da série é a chamada “Brigada Caimão”, um comando que Brazil lidera, constituído por elementos de inusitada ou duvidosa proveniência, artistas de circo, cadastrados, vigaristas...

Greg e William Vance são dois dos maiores nomes da BD franco-belga. Referi-los é o mesmo que nomear Achille Talon, Bernard Prince, Bob Morane, Comanche, Olivier Rameau; XIII – e até Spirou e Fantásio, e Tintin (o argumento de Tintin e o Lago dos Tubarões pertence a Greg); ou Marshal Blueberry, desenhos de Vance, a convite de Giraud, que assegurava os argumentos após a morte de Charlier.... Pegar numa série emblemática, saída das mãos de autores deste coturno é sempre um risco, daí que não haja propriamente avanços, ou talvez seja ainda cedo para tal. Quando Greg se tranfere para os Estados Unidos, assegurando a direcção local da editora Dargaud, precisou acalmar a produção infrene que a imaginação lhe oferecia. Por isso, em Tudo ou Nada para Alak 6 (1977) faz dizimar metade da Brigada Caimão, numa missão em Madagáscar, o que dá aos autores destas Novas Aventuras de Bruno Brazil ensejo a não deixar tudo na mesma, mesmo mantendo fidelidade ao cânone.
Laurent-Frédéric Bollée (Orleães, 1967) situa o tempo da acção nos meses após a carnificina naquela grande ilha do Índico. A tragédia está ainda fresca neste primeiro álbum, intitulado Black Program. Bruno faz psicanálise; mas o Coronel L. depara-se com o desaparecimento (ou fuga?) de um cientista da Nasa, autocobaia da expreriência de injecção no próprio ADN de gigas de informação sensível, circunstância que faz dele uma base de dados classificados ambulante. A segurança do estado requer a recomposição do que sobrou do comando: Gaucho Morales, alguém que gosta de viver a vida, mesmo que de forma pouco ortodoxa, o único que parece ter saído incólume da catástrofe, a palpitante Whip Rafale, agora paraplégica, e o problemático Tony o Nómada, trupe de pós-traumatizados com que Bruno Brazil terá de contar. Philippe Aymond (Paris, 1968) é um desenhador de méritos firmados, co-autor, de Lady S., outra série em torno de serviços secretos, com argumento de Van Hamme, e passagem por Lisboa. Aymond não se “livrou” totalmente de Vance, mas tem estofo para tal. Os dados estão assim lançados, e, entre mistérios, traumas, atentados e dramas pessoais, sabemos ainda muito pouco ao fim deste primeiro tomo. À boa maneira das revistas semanais de BD, (continua), pois claro!

Bruno Brazil – Black Program – t.1
texto: Laurent Frédéric Bollée
desenhos: Philippe Aymond
edição: Le Lombard, Bruxelas, 2019
edição portuguesa: Gradiva, Lisboa, 2020

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Champignac

As personagens da série Spirou e Fantásio têm-se autonomizado: primeiro foi o Marsupilami, que o criador, André Franquin, levou consigo quando abandonou as histórias do groom e do seu amigo repórter. Mais recentemente, foi a vez dos dois génios, do bem e do mal, terem direito a álbum próprio. O primeiro, Zorglub, criatura engendrada também por Franquin com Greg, está a cargo do espanhol José Luis Munuera; no ano passado foi a vez do estupendo Conde de Champignac, – outra criação a meias de Franquin, desta vez com Jijé, surgindo agora jovem, a contrariar com o seu cérebro privilegiado as maquinações dos nazis, e ao qual voltaremos. Os desenhos são de David Etien e texto de Béka – Béka, na verdade é um casal: Bertrand Escaich e Caroline Roque, uma francesa com apelido português… Enigma (Dupuis, 2019)


domingo, 5 de janeiro de 2020

livros que me apetecem

Bruno Brazil. Agente da contra-espionagem americana, líder da “Brigada Caimão”, foi uma série popular criada por Greg e William Vance, Impedimentos do primeiro em prosseguir com ela, deram origem a uma das maiores carnificinas da história da Banda Desenhada. Retomada por Laurent-Frédéric Bolée e Philippe Haymond, os sobreviventes reúnem-se agora em Black Program (Éditions du Lombard).

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Franquin antes de Gaston

Em 1955, Franquin estava em conflito com o editor Charles Dupuis, proprietário da revista Spirou. O autor criara já alguns dos maiores títulos da aventuras do jovem groom, como Os Herdeiros e O Roubo do Marsupilami. Na revista concorrente, Tintin, Raymond Leblanc, homem da Resistência belga que deu o braço a Hergé no pós-Guerra, torcia o nariz à circunspecção em demasia do hebdomadário, faltava-lhe humor. Estava, pois, criada a oportunidade para Franquin trabalhar na revista de Hergé e Jacobs.

Modeste et Pompon, série discreta mas importante para o desenvolvimento do percurso do seu criador, gira em torno do irascível Modesto, a namorada Pompom, contraponto de bom-senso, de Félix, um vendedor de inutilidades, além de três sobrinhos pestes -- condimentos para diversas peripécias de grande comicidade. É aqui que Franquin ensaia os esquemas insanes que depois iremos encontrar em Gaston Lagaffe, já de volta à Spirou; mas poderemos também vislumbrar algumas situações que viria a explorar nas Ideias Negras, expressão do seu lado mais sombrio.

A série foi continuada por Dino Attanasio (co-criador, com Goscinny, de Il Signor Spaghetti), Mittëi (O Incrível Désiré), entre muitos outros, com várias perninhas de alguns dos maiores autores do tempo: Peyo (Schtroumpfs), Tibet (Ric Hochet, Chick Bill), Greg (Achille Talon, Bernard Prince, Comanche), Van Hamme (História sem Heróis, XIII), Godard (Martin Milan)…

Modesto e Pompom

texto e desenhos: Franquin

edição: Asa, Porto, 2005

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

os grandes mestres não desiludem


Hermann (Hermann Huppen, Bévercé, Ardenas, 1938) é um dos mais extraordinários autores de BD em actividade. Este terceiro álbum da série Duke, com argumento do seu filho, Yves H. (Bruxelas, 1967), aí está para o demonstrar.
Se a memória não atraiçoa, o nosso primeiro contacto com Hermann deu-se nas páginas da revista Tintin, com a série Jugurtha, com argumento de Jean-Luc Vernal, a desenrolar-se na Antiguidade. Mas foi na companhia de Greg que Hermann constituiu uma das duplas míticas da BD franco-belga, em torno da pura aventura de Bernard Prince e de Comanche, uma mulher cheia de fibra, dona do rancho «Triplo 6», western que foi uma excelente resposta do semanário belga ao concorrente francês Pilote, casa do Tenente Blueberry (Fort Navajo). Desfeita a dupla, Hermann avança por outros territórios ficcionais, de Jeremiah, fábula pós-nuclear, ao ciclo medieval de As Torres de Bois-Maury, além de vários one-shot (histórias publicadas num único álbum, sem sequência).
Há uns bons anos que Hermann tem em Yves H. um argumentista à altura do seu talento. Com Duke, o livro de que hoje nos ocupamos, esta colaboração pai-filho avança com uma série pensada de raiz, de que saíram já três tomos, todos publicados entre nós: A Lama e o Sangue, Aquele que Mata e Sou uma Sombra, editado este ano.
E quem é este “Duke”? Ao terceiro álbum ainda estamos a descobrir, aliás na companhia da própria personagem, Morgan Finch, de seu nome cristão, ex-adjunto do xerife da pequena cidade de Ogden, Colorado. Aqui quem manda é um potentado da mineração, com recursos financeiros, poder de fogo e sicários arregimentados para fazer valer os seus interesses contra os dos proprietários fundiários e reduzir a autoridade do estado a mero pró-forma. Esta situação obriga Duke –  menos contemporizador e mais jovem que o xerife, um hesitante – a afastar-se desse papel decorativo, o que só lhe trará problemas. Para simplificar diremos que  se trata de um pistoleiro que não gosta da  violência das armas – ou julga não gostar. É esta densidade ambivalente o maior trunfo da série no que ao argumento respeita, além de tratar-se de uma narrativa passada no oeste americano, topo com o melhor lugar cativo do nosso imaginário.
Sobre a arte de Hermann, o que escrever sem repisar os encómios? Atente-se na capa, um cowboy solitário na sua montada, de arma na mão, uma sombra no meio da noite de intempérie; no interior, os planos aguarelados da paisagem, a finura psicológica no tratamento das expressões, o grotesco por vezes quase simiesco dos corpos, em contraste com a beleza dos cavalos, o realismo dos trajes e dos edifícios. Veja-se a prancha 37 (pág. 39): dez vinhetas de tensão ao luar sem uma palavra. Mestria. É verdade: os grandes mestres nunca desiludem.

 
Duke – Sou uma Sombra
texto: Yves H.
desenhos Hermann
edição: Arte de Autor, Estoril, 2019


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

História e BD

Os quase 900 anos de História de Portugal são uma mina que a BD por cá aproveitou quase sempre para obras de teor essencialmente didáctico, mas de pouco brilho narrativo. O que não seria, se este filão fosse aproveitado por argumentistas da craveira de Charlier, Greg ou Van Hamme, que por cá não houve, não se sabe bem porquê? Há excepções, claro; e uma delas foi a do saudoso Jorge Magalhães (1938-2018), que fez o que pôde. Em Giraldo o Sem Pavor (1986), Magalhães deixa brilhar um talento com 20 anos, à data da elaboração destas páginas: José Projecto (Évora, 1962), apregoado e evidente admirador de desenhadores como Auclair, Rosinski e Segrelles.
Geraldo Geraldes, “o Sem Pavor”, é uma dessas figuras reais cobertas pelo mito, uma das muitas personagens dum passado a pedir autores. Cavaleiro nobre, mercenário, chefe de salteadores, quando lhe convinha guerreava ao lado dos mouros contra os cristãos como ele. Praticante do fossado, incursão relâmpago no reduto inimigo, tinha, qual guerrilheiro, rectaguardas inexpugnáveis.
Estamos diante duma caça ao homem: depois de matar um cavaleiro de D. Afonso Henriques, Geraldo é perseguido até alcançar refúgio entre os sicários que comanda, não sem antes pernoitar numa casa isolada, onde uma mulher o aguarda. Um pretexto para desenhar cenas de combate, belas figuras humanas e animais de vário tipo, algo que Projecto faz com verificável gosto e competência.
José Projecto & Jorge Magalhães, Giraldo o sem Pavor
 edição: Futura, Lisboa, 1986


sábado, 19 de outubro de 2013

50 álbuns: 7. Dany & Greg, LE CANNON DE LA BONNE HUMEUR (1983) -- "Baf"?!...

Em cenário edénico, surgem saltitando, quais efebos, Dany & Greg, os autores, envergando túnicas alvas e louros na cabeça; o primeiro, de paleta de cores na mão e pincel em riste, o segundo de pena em riste e folha branca na mão. Inspirados pela envolvente de paraíso das Escrituras -- árvores e flores viçosas, quedas d'água marulhantes e passarinhos a chilrear --, preparam-se Dany & Greg para dar início à narrativa, o que sucede apenas na última vinheta da prancha #1: um violento directo de boxeur -- BAF! -- no queixo do pugilista oponente... Trata-se de Kid Cahot, agora em knockout, transportado em maca pelo entourage aflito, em meio à vaia monumental do público. Já não é o primeiro KO; mas, estranhamente, Cahot, sem sentidos, é representado com um sorriso beatífico.
Sonha com Reverose (a "Sonhorosa" da saudosa revista dos 7 aos 77 anos), está-se mesmo a ver. Ou melhor: ver-se-á, em pranchas seguintes...
A verdade é que fomos transportados para o mundo-onde-todos-se-aborrecem, e nessa vinheta, como em toda a prancha #2, quase todas as cores desaparecem, como se pode ver na vinheta em baixo, com vários tons de vermelho, e só vermelho.

Dany & Greg, Le Canon de la Bonne Humeur, Bruxelas, Éditions du Lombard,. 1983, pranchas 1-2.

domingo, 4 de agosto de 2013

50 álbuns: 3. Sterne, O AVIÃO DO NANGA (1987) -- num inferno branco de neve e solitude

Um mapa centrado no Indocuche, abre a primeira prancha de O Avião do Nanga (1987), de René Sterne (1952-2006). O nome desta cordilheira afegã tem uma sonoridade com o peso de séculos, tempo que lhe empresta uma aura de terra mítica ou inventada, uma Camelote, ou coisa assim. E no entanto, o Indocuche existe; e ao contrário doutros topónimos congéneres – Cartago, Bagdade, Samarcanda, Timbuctu... – , cujo prestígio lendário pretérito não aguenta o confronto com a realidade presente, o Indocuche, por onde passou um raio chamado Alexandre o Grande e hoje brotam talibãs como as papoilas autóctones, persiste em desinquietar-nos, como uma vinheta de Hermann para um argumento de Greg...
Nessas montanhas, nesse "inferno branco" de neve e solitude, despenha-se um monomotor pilotado por Adler von Berg, um ex-desertor da Luftwaffe (já estamos em 1948), como viremos a saber adiante. Ileso, porém sem rádio e poucos víveres.  Ao longe, um carreiro de formigas é uma caravana de camelos da Bactriana. Um tiro despedido por Adler ecoa por entre as fragas himalaicas. Se ouviram, não se sabe. A meio caminho entre duas cidades, Gilgit e Laore, Adler exclama: «Desta vez é o fim... Estou perdido!»
Com as cores frias inicias que lhe deu Chantal de Spiegeleer (Kinshasa, 1957), a mulher do autor que nos é sugerida pela bela irlandesa Hellen, a narrativa suspende-se nas paragens mais garridas e não menos perigosas do Mar da China.
De Terry e os Piratas a Corto Maltese a errância e o exótico foram sempre um ingrediente da BD, de aventuras e para além disso.
Adler – O Avião do Nanga

texto e desenho: René Sterne

edição: Edições Asa, Porto, 1990

(alterado em 30-X-2019)