quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Spirou (1 a 5) e o Marsupilami


Spirou – 1.
Guerra Fria: o Conde de Champignac foi raptado pelo KGB. Os soviéticos precisam da colaboração do excêntrico sábio na concepção dum vírus do comunismo, a disseminar pelo mundo inteiro. Uma piscadela de olho a Tintin?... Spirou chez les Sovietes, por Fabrice Tarrin e Fred Neidhart, Dupuis 2020.




Spirou – 2. Intriga internacional no Pacific Palace, hotel onde se refugia um ditador fugido da Europa Oriental, e com ele a jovem filha, a que Spirou também não ficará indiferente. Para tudo se tornar mais estranho nesta espécie de huis clos em extremo tensional, Fantásio é também groom, e como sempre desastrado. Por Christian Durieux, em curso de publicação no magnífico semanário de BD que leva o seu nome.



Spirou – 3. A dupla Vehlmann & Yoann, uma das boas que lhe assina as histórias, prossegue com o inofensivo “Supergroom”.

Spirou – 4. Mas talvez a grande dupla que pegou neste ícone belga tenha sido Tome & Janry, criadores também da série divertidíssima do Pequeno Spirou. Com a morte recente do argumentista, Janry prossegue com os gags.

Spirou 5. Entretanto, Émile Bravo desunha-se com a terceira parte da tetralogia L'Espoir Malgré Tout, que temos vindo a acompanhar. O álbum terá 112 páginas.



...e o Marsupilami. Mas o universo de Spirou é inesgotável. Antes de Champignac e Zorglub terem as sua próprias séries, o estranho animal criado por Franquin em 1952 é assegurado por Batem, entre outros. Mas ainda outra dupla, Zidrou e Frank Pê propõem uma outra leitura, também em curso de publicação autónoma, brinde aos assinantes da revista.

«Leitor de BD», jornal i


domingo, 27 de setembro de 2020

os párias dos mares

 



Sempre houve pirataria nos mares, por vezes confundindo-se, não sem motivos, com o corso, ataque autorizado aos navios inimigos, por embarcações que não sendo da marinha de um país estão ao seu serviço com uma liberdade de acção generosa. Mas a pirataria, embora heterogénea, tem sempre por fim o saque de bens e pessoas e não cuida de patriotismos. Estamos, em muitos casos a falar de fora-da-lei absolutos, párias que renegam a autoridade dos estados, constituindo microsociedades, sempre efémeras, em ilhas e portos de que se apropriam, nomeadamente nas Caraíbas, mas também nas próprias embarcações que são o seu, digamos, ganha-pão. Um saque bem sucedido é um pecúlio arrebatado graças a muita disciplina, um quase ascetismo, que, uma vez conseguido, é dissipado em festins pantagruélicos, como se não houvesse amanhã. E muitas vezes não havia. Giles Lapouge, autor do notável ensaio sobre estes "párias do mar" – Os Piratas (1987, edição portuguesa na Antígona) – refere-se à curtíssima esperança de vida desta gente odiada que se fazia temer.


Mathieu Lauffray (Paris, 1970, também realizador de cinema e videojogos), apresenta uma prometedora personagem e uma narrativa que tem tudo para ser um marco: Raven é um pirata destemido, raptado ainda jovem enquanto servia como grumete num navio de carreira, e é também um romântico e um pé-frio, como dizem os brasileiros. De tal modo azarado que os companheiros ostracizam-no. Nada, porém, que lhe diminua o ânimo, em especial quando a possibilidade de um tesouro perdido no século anterior, enviado por Cortés ao rei de Espanha e nunca chegado ao destino, estará por ali, numa ilha à mão de semear. Esse território, não longe de Guadalupe e ignorado pelas cartas marítimas, leva o inspirador nome de “Enfado do Diabo”: acesso difícil e indígenas não só hostis como canibais. Raven não é contudo o único interessado, tem de disputar a avidez com o mais terrível flibusteiro da região, com fama de crueldade inexcedível: Lady Darksee, uma mulher, pois claro, por sinal bela, mesmo com a cicatriz que ostenta por baixo do olho direito. E apesar de ficção, Lauffray não foi demasiado longe, pois a existência de algumas mulheres no meio, mesmo comandando barcos piratas, está documentada. Para complicar as coisas, nessa ilha tão terrível em que até o próprio Satanás se aborrece, há seis meses que sobrevive um grupo de náufragos, liderado pelo Conde de Montignac, nomeado governador da ilha da Tortuga, na companhia de dois filhos e os sobreviventes da comitiva que o acompanhava. Raven e Darksee, a sua némesis, aí irão encontrar-se, para estupefacção de Montignac, e depois para algo pior. A fama de desumanidade que persegue a flibusteira não tardará a confirmar-se.

Acção, rebaldaria, solidez nas referências, um previsível triângulo amoroso e alguma inovação na caracterização das personagens, em que a rebeldia é algo mais que a marginalidade, em que o desprezo das classes dominantes por esta escória é retribuída na mesma moeda, para além do já referido "internacionalismo" endógeno e exógeno: as tripulações são heteróclitas quanto à nacionalidade e etnia e a noção de pátria, como se disse, não é popular. As pranchas são esplêndidas parecendo que se alargam, e o carisma das personagens é bastante palpável: imagine-se, para o protagonista, um espécime cruzado de Blueberry e Wolverine, com um traço que lembra umas vezes Hugo Pratt, outra Jordi Bernet, mas que no fundo é e será Mathieu Lauffray. Esplêndido,pois.


Raven t. 1 Némésis

texto e desenhos: Mathieu Lauffray

edição: Dargaud, Paris, 2020

«Leitor de BD», jornal i


sábado, 26 de setembro de 2020

da carochinha


Allan Kardec (pseudónimo de Hippolyte Léon Rivail, 1804-1869) é um dos nomes que associamos ao espiritismo, "disciplina" muito na moda na Europa na transição dos séculos XIX-XX, que se sustenta na capacidade de nos pôr a falar com os mortos, sabe-se lá com que vantagens para a humanidade. Come quem gosta, e à partida não haverá grande mal nisso – pois não há quem creia num deus feito homem concebido por si próprio no ventre de uma virgem?... Quando Jorge de Sena se referia aos desvarios "mediúnicos" de Pessoa – que atraíram a atenção de um aldrabão de feira como Alesteir Crowley – teve a sabedoria de avisar que não interessa nada o que pensamos sobre aquilo que o poeta dos heterónimos acreditava, mas para o percebermos integralmente não o deveríamos ignorar. Este Kardec, que influenciou milhões de pessoas, e continua a ter muitos seguidores em países como o Brasil, é uma figura susceptível de ser estudada e biografada, com óbvio distanciamento crítico, atitude que não obriga a excluir uma possível empatia. Podemos ser ateus e apreciar a postura do papa Francisco, por exemplo. O que é mais difícil é a condescendência com a apologia da crendice, da pseudofilosofia e da pseudociência, que é o que nos dá o livro de hoje, da autoria de Carlos Ferreira (Porto Alegre, 1970) e Rodrigo Rosa (nascido na mesma cidade, em 1972).

Kardec quer impingir-nos a vulgata espírita, servindo-nos o processo de "conversão" daquele que viria a ser o nome sonante de uma das muitas bizarrias que o ser humano inventou para tornear e tourear a morte. Trata-se, portanto, de um produto pobre e apologético, cheio de lugares-comuns, não faltando a tradicional narrativa do céptico ilustrado que se converte e torna apóstolo. No entanto, a coisa é tão pequeno-burguesa, que em vez dum coisa épica, do tipo estrada de Damasco, as “revelações” processam-se no conforto de salões parisienses, dentro dos quais sacolejam as célebres mesas giratórias através das quais os mortos comunicam com os vivos… – que diabo!, uma queda do cavalo numa rota do Médio Oriente como aviso divino é algo intenso e deu várias obras-primas da cultura ocidental, algo que dificilmente se verifica neste misticismo moviflor.

Mas lá pretensão não lhe falta, nada menos do que a redenção universal, recuperando uma "idade do ouro" que só existiu nas narrativas mitológicas e na cabeça dos poetas antigos, porém sempre pronta a germinar com os tontinhos de ocasião, não faltando o acinte em discurso directo e tom de seita, numa referência ao "ninho de ratos que é o materialismo" (pág. 46).

Quanto ao mais: a história está gizada com fluidez e o trabalho de Rodrigo Rosa servem bem a narrativa; dir-se-ia bem de mais, uma vez que a matéria-prima é pobre. As vinhetas que representam a Paris esventrada pelo Barão Haussmann para a construção dos amplos bulevares que hoje nos encantam -- e tanto jeito deram para minimizar o efeito das barricadas duma cidade tradicionalmente insurrecta --, esses quadrinhos de Rodrigo Rosa são exemplares nos seus pormenores dramáticos. Mas BD é texto e desenho; e quando só um merece relevo, o todo resulta irremediavelmente coxo.


Kardec

texto: Carlos Ferreira

desenhos: Rodrigo Rosa

edição: Polvo, Lisboa, 2019

«Leitor de BD», jornal i

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Anaïs Nin


 

Diarista e ficcionista francesa, Anaïs Nin (1903-1977) é um nome-chave do feminino, na escrita e na vida. Vida, cuja leitura Léonie Bischoff realizou, numa BD one shot que acaba de sair: Anaïs Nin – Sur la Mer des Mensonges. Edição Casterman, Bruxelas, 2020.

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terça-feira, 22 de setembro de 2020

'Game Over'



Uma série humorística, composta por gags de uma página , da autoria de Midam e Adam, em curso de publicação na revista
Spirou. O herói é uma personagem de um jogo de vídeo, o Pequeno Bárbaro, que não tem outro objectico senão o de chegar são e salvo ao fim do jogo, muitas vezes na companhia da Princesa, o que nunca acontece… Game Over #19 – Beauty Trap, edição Dupuis, Marcinelle, 2020.

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quarta-feira, 16 de setembro de 2020

assassino contra vontade

 


Na Califórnia, após a morte da sua jovem esposa, o ex-boina verde Jerry Braxter embarcou na carreira de assassino profissional para conseguir pagar os caros tratamentos da sua filha que foi afectada por uma doença rara e que a transformou num vegetal. Um dia, ao voltar de mais um “trabalho”, para a triste solidão do seu apartamento, encontra uma convidada inesperada: a Morte. Surpreendida pelas habilidades do Jerry, acaba por lhe oferecer um pacto: enquanto ele continuar a matar, a sua filha permanecerá viva e passará a ser considerado o “mensageiro da morte”.Davide Garota, O Último Sopro dos Mortos, Escospião Azul, Lisboa, 2020.

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terça-feira, 15 de setembro de 2020

um homem que passa


 Paul Berthier é um foto-repórter de nomeada. Em "Terra" (assim mesmo, em português), a sua grande obra editada em livro, o sublime das paisagens exóticas vive paredes meias com a miséria e os regimes que atropelam os direitos humanos. Às portas de velhice, e atormentado por um aneurisma cerebral, o seu propósito é o de organizar um álbum de fotografias de pendor erótico, de mulheres com quem manteve relações íntimas, umas horas ou uns anos, não muitos, uma vez que Paul é um homem que não procura criar raízes, é um homem que passa pela vida das mulheres. 

A acção decorre no arquipélago de Chausey, no Canal da Mancha – Paul tem aí o refúgio, numa pequena casa que herdara dos avós –, e desencadeia-se quando, num paroxismo de desespero, o pavor de ficar meio inutilizado em consequência da doença, como sucedera ao pai, empreende o caminho para a costa para se suicidar. Mas um sinal luminoso a estralejar, indício de naufrágio, trava o intento. Conhecendo os rochedos como a palma da mão, arranca numa lancha em direcção ao pequeno veleiro em risco de se desfazer de encontro às rochas. A bordo está Kirsten, assistente editorial na casa que o publica, que se dirigira à ilha, sem avisar, para acertar pormenores.

Recuperada e enxuta já no acolhedor chalé, vendo as fotografias de inúmeras mulheres dispostas nas paredes, pede-lhe que fale sobre o projecto, o mesmo é dizer que lhe conte a sua história. Duas gerações diferentes, ele um abencerragem dos libertinos anos 60 e 70, ela jovem mulher do tempo do #mee too, o caldo não tardará a entornar-se; Kirsten a acusá-lo de ser um predador exibindo troféus de caça, o que Paul nega com veemência; pelo contrário, apreciando as mulheres e o prazer mútuo que uma relação suscitava, apenas estava atento aos sinais, tendo a experiência ensinado que quando um homem aborda uma mulher, se esta não tiver já reparado em si com agrado, dali não levará nada... Quando a dinâmica do diálogo precipita a acção, ficamos a saber que Kirsten não é apenas a publisher que se lhe apresentou, mas alguém com ligações ao passado. 

Se o argumento cumpre (de Denis Lapière, Namur, 1958) abeirando-se perigosamente de alguns clichés, o maior interesse reside no trabalho de Dany (Daniel Herontin, Marche-en-Famenne, 1943), um dos últimos grandes nomes da idade de ouro da revista Tintin. As pranchas iniciais, as da tempestade sobre a ilha, são magníficas, as analepses distinguem-se do tempo presente através do recurso à aguarela e as expressões, numa BD que assenta sobretudo em diálogos de forte tensão, são bem logradas.

Dany sempre foi um pouco narciso: Olivier Rameau, protagonista da série que criou com Greg, assemelha-se ao autor quando jovem, e a bela Colombe Tiredaile teve por modelo Marcy, sua mulher. Colombe, mesmo nos parâmetros mais rígidos da imprensa da época foi sempre uma figura sexuada, que se vai erotizando à medida que o tempo o permite. Por isso, quando da série de gags eróticos Ça Vous Interèsse? – que deu a Dany uma aura de homme à femmes, apesar de casado com a mulher que ama há mais de 50 anos, como fez questão de frisar numa entrevista a propósito deste álbum –, ninguém se admirou que a imagem decalcada de Colombe também por lá aparecesse. Há quem veja em Paul um seu auto-retrato físico, no que o desenhador só concorda parcialmente. A verdade é que Lapière destinou o argumento a Dany e a mais ninguém; e, mutatis mutandis, a evocação de Colombe, isto é da mulher, Marcy, continua neste álbum. No fundo, diga-se o que disser, Dany é um homem que fica.


Un Homme qui Passe

Texto: Denis lapière

Desenhos: Dany

Edução: Dupuis, Marcinelle, 2020


«Leitor de BD», jornal i

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Baby Blues

Série criada em 1990 por Jerry Scott e Rick Kirkman, explora as situações de comicidade dentro de uma família de classe média americana: um casal, os três filhos e toda a humanidade que gira em volta de um lar: avós, parentes, vizinhos, professores, o pediatra... O habitat familiar foi sempre um recurso inesgotável para muitos autores, mesmo quando não está no centro da própria série, como é o caso dessa obra-prima de Bill Watterson, Calvin and Hobbes: lembremos Hi & Lois (Zezé, na versão brasileira), de Mort Walker (Recruta Zero) e Dick Browne (Hagar, o Horrível), até outra série excepcional que a Gradiva editou há amos, mas que infelizmente não vingou, A Balada da Máquina de Lavar, de Lynn Johnston. (Corram à procura!...) O gosto pelas tiras continua. Baby Blues #37 -- Vá para Fora Cá Dentro, edição Bizâncio, Lisboa, 2020.


«Leitor de BD», jornal i

 

domingo, 13 de setembro de 2020

"petite histoire"



história episódica, a conjuntura, os factos, foram durante muito tempo desprezados pela historiografia, após, durante séculos serem sobrevalorizados. A verdade é que a História nunca se fez sem homens e nunca deixou de ser determinada por factos individuais, por muito que pesem as estruturas, de Júlio César a Napoleão. O volume I de Estórias da História, contadas por Jorge Magalhães e ilustradas por Jorge Trigo, não sendo um livro de BD, é uma obra de dois dos nomes mais importantes dos quadradinhos portugueses do século passado, e por isso o seu aparecimento deve ser assinalado, inaugurando, aliás, a "Colecção JM", justa homenagem ao argumentista e editor esclarecido. Edição Ala dos Livros, Estoril, 2020.

 

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

nem tudo o que parece é

Uma história sobre o momento após a desaparição inesperada e súbita de alguém próximo, familiar, amigo, colega, o desasar que tal provoca e as dúvidas e suspeições para quem fica, quando o descaminho se dá em situações pouco claras, é o grande tema de L'Instant Aprés, uma edição Dupuis com argumento de Zidrou e desenhos de Maltaite.
Zidrou (Benoît Drousie, Anderlecht, 1962) é um dos mais profícuos autores da BD franco-belga; podendo o leitor português tem acesso ao seu trabalho em Verões Felizes (Arte de Autor), Ric Hochet -- substituir Duchâteau é obra -- ou O Menino Boavida, ambos na Asa. Éric Maltaite (Bruxelas, 1958), é filho de um nome histórico da Escola de Marcinelle, Will, (Tif e Tondu), sobre quem falámos há semanas, a propósito de Kim Kebranoz. Com incursões na BD erótica (ver As 1001 Noites de Xerazade, na Booktree, e Os Campistas, na Asa), revelou-se uma escolha excelente para dar forma a esta BD de atmosfera negra e tons quentes, integralmente a computador, uma vez que a artrite reumatóide de que padece obriga à economia de tecidos e articulações...

Nesta narrativa há duas histórias que se entrecruzam: a de Blandine com a de Houdain. Blandine, ex-hospedeira de bordo, stripper num cabaré em Charleston, Carolina do Sul, tem, durante uma actuação, um pressentimento de que algo muito grave acaba de suceder, envolvendo a sua irmã gémea, Aline. Esta, uma harpista clássica de primeiro plano, casada com um playboy, acabara de sofrer um acidente numa via de Paris. O marido é internado, mas o corpo de Aline desapareceu. Pouco depois, numa prisão francesa, Houdain, que cumpre pena pelo suposto assassínio da mulher, cujo corpo também nunca foi encontrado, recorta a notícia do mistério que envolve Aline. Tal como o marido desta, Houdain também clama inocência, e tal como ele, era igualmente visto como um mau cônjuge, que maltratava a mulher, enquanto que o outro aparece como um escroque, beneficiário de um seguro de vida em caso de viuvez. Durante os 13 anos que leva de prisão, Houdain recorta e cola num álbum todos os casos relatados pela imprensa sobre desaparecimentos inexplicáveis, tendo coligido cerca de 900. Na prisão tornou-se conhecido por "Houdini", pelos companheiros de cárcere e pelos guardas, nome do célebre prestidigitador que encenava o próprio desaparecimento. O encontro com Blandine, irrequieta e indagadora por natureza, é, pois, inevitável.

Trata-se um one shot, álbum único, e é uma pena. Blandine tem tudo para tornar-se e continuar um ícone ficcional de BD: inteligente, com mundo e sex appeal, marcada por uma dor mal resolvida em relação aos pais, que sempre manifestaram preferência pela filha cujo nome começava por A, enquanto ela era o eterno B... A história tem entre várias coisas, uma moral: nunca devemos deixar aqueles que amamos sem uma boa palavra, nunca sabemos quando os tornaremos a ver.
E, como brinde, um reaparecido que… desaparece: Martin Milan, uma homenagem.

L'Instant d'Aprés
texto: Zidrou
desenhos: Éric Maltaite
edição: Dupuis, Marcinelle, 2020

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Touro Sentado

Sitting Bull (1831-1890) O chefe sioux que derrotou o general Custer na Batalha de Little Big Horn (1876), para findar como notoriedade pública em atracção do circo de Buffalo Bill. O mundo dos ameríndios, do norte ao sul do continente americano, não tem uma história bonita de se conhecer. Mais que qualquer outro grupo humano, são eles os grandes perdedores da História. Ainfa hoje… Depois de Wyatt Earp e Billy The kid, as Éditions Soleil prosseguem com a colecção dedicada aos nomes emblemático do Oeste. Texto de Olivier Peru e desenhos de Luca Merli.


domingo, 6 de setembro de 2020

silêncios

Não há nada pior que os silêncios profundos ou ostensivos. Acontece que por vezes explodem, libertando a sua carga sobre todos. 21 Jours Avant la Fin du Monde, uma senhora BD da dupla italiana Silvia Vecchini (texto) e Sualzo (desenhos). Edição Rue de Sèvres, Paris, 2020.


sábado, 5 de setembro de 2020

adolescentes

Um clássico, os adolescentes em férias: já todos fomos – de férias, e adolescentes também. Uma abordagem sensível do belga Max de Radiguès, para nos lembrarmos. Edição Sarbacane, Paris, 2020. 

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

um Lucky Luke redivivo

Publicado em 2016, primeiro na Spirou, revista em que 70 anos antes o cowboy que dispara mais rápido que a própria sombra se estreou, L'Homme qui Tua Lucky Luke, de Matthieu Bonhomme (Paris, 1973), conhece a primeira edição portuguesa neste ano da desgraça de 2020.
Para um ano pesado um título duro: pois Lucky Luke deparou-se com alguém capaz de o (a)bater?...
Podemos abordar este álbum de duas formas interessantes: a primeira, apenas como western, o que será sempre difícil, mesmo não se tratando de um trabalho de Morris (alvo, aliás de uma tocante homenagem no cemitério de Frog Town), ou do sucessor Achdé. E então teremos um western escorreito e com tudo, ou quase: cavaleiro solitário, cidadezeca (Frog Town) perdida no Oeste, nascida em torno do garimpo, forças da lei&ordem ineficazes e/ou ao serviço de gente pouco recomendável, populações ora assustadas ora enfurecidas, índios na retranca, duelos, enfim, todo o pathos do género – só faltando a Cavalaria –, incluindo citações e homenagens ao cinema, como nota em texto final João Miguel Lameiras, um dos editores. Estamos, assim, diante de um western puro, não humorístico – o humor está presente de forma cirúrgica e eficaz –, com um estilo semi-realista muito expressivo, mas em tons macios. Lembra, com as devidas distâncias, os primeiros álbuns de Buddy Longway, de Derib, sem a sujidade característica das pranchas de Giraud ou Hermann; quanto às fisionomias mais grotescas, elas trazem à memória o traço de Will Eisner.
Mas este é um álbum de Lucky Luke, numa incursão até certo ponto comparável à que Émile Bravo está a fazer com Spirou, e que temos vindo a acompanhar. A primeira evidência que apetece salientar neste trabalho de revisitação – tratava-se de um sonho antigo de Matthieu Bonhomme – é que o livro resulta num preito principalmente ao primeiro Lucky Luke, época pré-Goscinny, em que após as histórias iniciais, ainda pueris e muito influenciadas pela animação, Morris, entretanto delineia o perfil da personagem: um “pistoleiro bom”, herói solitário, corajoso e leal, impiedoso se for caso disso, traços que progressivamente se vão desvanecendo com Goscinny, à medida que ganham protagonismo Jolly Jumper, os Dalton e Rantanplan; com Bonhomme, o cavalo de Lucky Luke, volta a ser uma montada, especial é certo, mas sem os atributos delirantes que lhe foram outorgados pelo também criador de Astérix. A circunstância de o já célebre Lucky Luke, acabado de chegar à cidade, ser questionado pelas crianças que o admiram por Phil Deefer ou os Dalton – criados por Morris, a partir de uns Dalton que existiram mesmo e acabaram abatidos, como sucede de resto na primeira encarnação na série, é um indício desse recuo de Bonhomme às raízes do nosso cowboy. Com poucas referências à série canónica – e uma vez que o autor estava proibido de voltar a desenhar Lucky Luke com um cigarro na boca –, Mathieu Bonhomme revela-nos a razão de o nosso herói ter deixado de fumar. É, claramente, uma das edições do ano.

O Homem que Matou Lucky Luke
texto e desenhos: Matthieu Bonhomme
edição: A Seita, Prior Velho, 2020