terça-feira, 26 de abril de 2022

um super-herói bissexto


Assim de repente, tiras humorísticas nacionais nos jornais, só estamos a ver Luís Afonso, repartindo o talento pela imprensa geral económica e desportiva. Fora isso, alguns clássicos lá de fora,
os Peanuts do Charles Schulz e a Mafalda do Quino, do melhor que já se fez, e Macanudo, do argentino Liniers, série actual e distribuída para vários países pela velha King Features Syndicate (agência que representa dezenas de personagens, do Popeye ao Baby Blues). Mais do que o cartoon, ou mesmo a ilustração, a crise tem sido devastadora, e a internet é um pau de dois bicos: se permite, por um lado, que muitos jovens autores divulguem o seu trabalho sem limites, por outro, a transumância para o online fez com que novos e velhos percam espaço no papel. Se as empresas perdem receitas, uma das primeiras sacrificadas é a tira de BD. Mas, por enquanto, não há melhor que o papel, como se verá a propósito do livro de hoje, Homem Voador, de José Pinto Carneiro e Álvaro, os mesmo autores de No Presépio... (2003)

Certo dia, um funcionário das finanças – cujo nome desconhecemos, mas a quem poderemos chamar Arménio – recolheu um cão que tinha a particularidade de falar. Em sinal de agradecimento, concede a Arménio um desejo, qualquer que ele fosse. Pensando que Zé Manel – assim se chama o cão – estivesse a gozar consigo, pede-lhe que o faça voar. E foi assim que nasceu mais um super-herói dos quadradinhos. Herói sem grandes qualidades, diga-se, pois não serve para muita coisa, a não ser proporcionar diferentes voos à mulher e orientar o trânsito lá em cima, quando não está ocupado a lidar com um drone do Pentágono ou da CIA, exemplos da argúcia daquelas fardas. Apesar de ter tirado uma selfie com o Homem-Aranha, o Homem Voador tem dificuldade em fazer-se aceitar pela confraria dos super-heróis, não obstante máscara, capa e fato a preceito, obrigando-o a biscates pouco dignificantes, o que o leva ao divã do Doutor Freud....

Um anti-herói sem nenhum mérito, mas cheio de potencialidades como este Homem Voador, estreia-se num magro voluminho de 60 páginas e cerca de 100 tiras. Considerando o tempo que medeia entre as mais antigas, datadas de 2012, e as últimas, de 2021, a média que resulta é de dez tiras por ano. Ora Álvaro é um dos nossos melhores e mais prolíficos autores: os três volumes da série Conversas com os Putos – sobre a qual já aqui se escreveu – aí estão para o comprovar. O que não seria desta criatura se os criadores estivessem obrigados a bulir diariamente, oferta houvesse para tal?... É verdade que não há entre nós grande tradição de tiras humorísticas: O Guarda Ricardo, essa grande figura criada por Sam, e mais recentemente José Bandeira, com Cravo & Ferradura. A obrigação quotidiana é o melhor desbloqueador do engenho. E aí está Luís Afonso, sempre fresco e sem mãos a medir...


Homem Voador

textos: José Pinto Carneiro

desenhos: Álvaro

edição: Insónia, São Domingos de Rana, 2021

«Leitor de BD»


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