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segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

leituras de 2021

Leituras” e não livros de 2021, dá título a esta crónica, pois é impossível ter acesso a tudo; além disso, combinar novidades e clássicos foi sempre o nosso propósito.

A grande banda desenhada pode e deve confrontar-se, sem complexos de inferioridade com os parentes mais próximos, a literatura e o cinema, no que ambos carregam de originalidade na abordagem das paixões humanas, como da técnica muito própria da narrativa: o estilo literário, o ritmo e a musicalidade, têm aqui a sua tradução vinheta a vinheta; a montagem cinematográfica encontra o equivalente na chamada découpage ou planificação dr cada prancha, como num storyboard; ou ainda o formato das séries televisivas ou do antigo folhetim que se ia publicando nos jornais, também com um paralelo nas famosas séries em continuação, em que o interesse do leitor deverá ser despertado para prosseguir no dia ou semana seguintes. Os doze títulos que se seguem são todos grande BD.

O Burlão nas Índias, de Ayroles e Guarnido: lemos o peso da desigualdade, a pilhagem e a dominação do outro, tal como sucede em Tex – Patagónia, de Boselli e Frisenda; em A Fera, de Zidrou e Frank Pé, sobressai o tema da compaixão e do preconceito; O Último Homem, por Félix e Gastine, o valor da amizade e da lealdade e ainda as implicações do progresso nas vidas de cada um; o apelo do sangue e a condição da velhice estão presentes em Ghost Kid, de Tiburce Ogier, e Monsieur Vadim, de Ghief, Mertens e Tanco; Gus, de Christophe Blain, e o desvario das relações humanas, a que também assistimos em Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, de Brito e Fazenda; a denúncia da guerra, do racismo e a importância da liberdade de imprensa em Mademoiselle J. – Je ne Me Marierai Jamais, de Sente e Verron, e em L'Envoyé Spécial, com os novos autores dos Túnicas Azuis, BéKa e Munuera – a segregação também presente num notável Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão, de Jul e Achdé, também pelo humor; a precária condição humana agigantada em face dos elementos sobressai em Judea, de Diniz Conefrey sobre texto de Joseph Conrad.

Entre tantos outros que já não cabem aqui, fautores de comédias de enganos, e assombros vários diante da violência da História, os desenhos, do realista ao abstracto, do grotesco ao disneyesco, a prancha audaz, toda a gama de planos, cores aplicadas directamente com pincel ou espalhadas por computador – aqui fica um balanço, num anos de leituras de argumentistas como A.-P. Duchâteau, Alejandro Jodorowsky, Ed Brubaker, Henri Vernes, Jean-Michel Charlier, Lewis Trondheim; e desenhos de Émile Bravo, François Boucq, Mittëi, Moebius, Victor Hubinon; e autores completos como Bob de Moor, Dav Pilkey, E. C. Segar, Greg, Will Eisner. Foi um ano bom.


1. O Burlão nas Índias, Alain Ayrolles e Juanjo Guarnido (Ala dos Livros).

2. A Fera, Zidrou e Frank Pé, (A Seita)

3. O Último Homem, Jerôme Félix e Paul Gastine (Gradiva)

4. Gus – Nathalie, Christophe Blain (Gradiva)

5. Ghost Kid, Tiburce Ogier (Grand Angle)

6.Mademoiselle J. - Je ne Me Marierai Jamais, Yves Sente & Laurent Verron (Dupuis)

7. Monsieur Vadim #1 – Arthrose, Crime & Crustacés, Gihef, Didier Mertens e Morgann Tanco (Grand Angle)

8 . Les Tuniques Bleues – Envoyé Special, BéKa e Munuera (Dupuis)

9. Lucky Luke, Um Cowboy no Negócio do Algodão, Jul e Achdé (Asa)

10. Tu és a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos, Pedro Brito & João Fazenda, 2.ª ed. (A Seita e Comic Heart)

11. Tex – Patagónia, Mauro Boselli & Pasquale Frisenda, 2.ª ed. (Polvo)

12. Judea, Diniz Conefrey (Pianola Editores).

«Leitor de BD»

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

uma celebração da BD

 


Mademoiselle J. é uma nova série de BD franco-belga com tudo para vingar, desde logo pela indiscutível proficiência dos autores: Yves Sente (Bruxelas, 1964), um dos principais argumentistas actuais (Blake e Mortimer, Thorgal, XIII, O Guardião...) e Laurent Verron (Grenoble, 1962), escolhido por Roba para continuar Boule e Bill. Aparecida num dos estupendos one shot de Spirou em 2017, Il s'Appelait Ptirou, como confidente tornada amiga de um jovem groom empregado num paquete para enfrentar uma vida adversa, a adolescente Juliette, impôs-se aos autores pela graça e carisma, decidindo recuperá-la, jovem adulta, prestes a licenciar-se em literaturas modernas, pretendendo fazer carreira como repórter. Estamos em Paris, ano de 1937, onde tudo o que acontece não é nada comparado com o que está para acontecer.

É difícil encontrar na História década mais nefanda que a dos anos 30. Inaugurada com a Grande Depressão em curso (o crash de Wall Street, em tudo semelhante ao do subprime de 2008), fazendo pagar a ganância de uns quantos lançando milhões na miséria, virá a culminar com o vírus totalitário. A França da Frente Popular organiza a Exposição Universal, montra de propaganda dos regimes que já se defrontam no país vizinho, a Espanha de Guernica, que Picasso expôs ali mesmo. Frente a frente, os pavilhões alemão e soviético: de um lado, a icónica escultura de Vera Mukhina, um casal dinâmico erguendo a foice e o martelo sugerindo a aliança operário-camponesa, marcha imparável da revolução mundial; do outro, o pavilhão desenhado por Albert Speer – atrasando propositadamente a conclusão para ficar uns metros acima do congénere rival – defronta-o com a suástica sob uma águia colossal. Confronto nesta altura para francês ver: o Pacto Molotov-Ribbentropp estava aí ao virar da esquina...

Uma jovem repórter nascida em berço de ouro, filha de um armador de frota petroleira e órfã de mãe, com os olhos bem abertos e enfrentando o machismo das redacções, vai conseguir um furo, provando que os arqui-inimigos estavam a conversar. As suspeitas de que Hitler prepara a guerra, procurando aumentar as reservas energéticas, ganha peso; e Juliette, agora assinando, Mademoiselle J., vê-se ele própria envolvida nesta alta jogada no tabuleiro internacional, na dupla condição de jornalista e filha e accionista por via materna, herdeira casadoura cobiçada.

O entrosamento de Sente e Verron é perfeito. Celebração da BD, sim; também porque os autores fizeram ressurgir a figura de Oncle Paul, narrador de histórias que fez as delícias das crianças francófonas no Pós-guerra, criada por Charlier (ainda na semana passada aqui referido, a propósito de Barba Ruiva). No fim, a aparição dum senhor Robert, companheiro de viagem transatlântica de Juliette em 1929, e desse pequeno groom desaparecido em circunstâncias dramáticas. Este viajante ficará conhecido como Rob Vel, e criará uma personagem que homenageará o rapaz. Estamos já em ‘38 e vai chamar-se Spirou.


Mademoiselle J – Je ne Me Marierai Jamais

texto: Yves Sente

desenhos: Laurent Verron

edição: Dupuis, Charleroi, 2020

«Leitor de BD»

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Mademoiselle J.


 

Uma das melhores BD’s lidas este ano, de que falaremos com pormenor em próximas semanas. A acção decorre em Paris, em 1938, não apenas no conhecido quadro de tensão europeia que desembocaria em guerra no ano seguinte, mas também durante a exposição universal que a cidade-luz acolhera nesse ano. Como protagonista uma jovem estagiária de jornalismo. O argumento é de Yves Sente (Blake e Mortimer, Thorgal, XIII) e os desenhos de Laurent Verron (Boulle e Bill). Mademoiselle J – Je ne Me Marierai Jamais, edição Dupuis, Marcinelle, 2020.

«Leitor de BD», jornal i

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

repostagens: Boule, antes de Calvin

Boule e Bill, um rapazinho e o seu cocker spaniel, criação magnífica do belga Jean Roba, em 1959, foi uma das grandes séries da revista Spirou. Reli há pouco o primeiro álbum. Boule lembrou-me o seu congénere americano Calvin: ambos miúdos de palmo e meio, beneficiando da cumplicidade das respectivas mascotes, o bouleversement (desculpem, mas não resisti) do mundo adulto e dos seus códigos de conduta, uma notável disponibilidade do(s) autor(es) para estar(em) na pele duma criança, e simultaneamente uma grande inocência. Antes de se retirar, há cerca de dois anos, Roba escolheu Verron para lhe suceder. Boule e Bill são pouco conhecidos entre nós e estão inéditos em livro.
(publicado aqui)