quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

um homem faz o que tem de ser

 


Ambrosius Morgan é um velho cowboy retirado nas neves do Dacota do Norte, fronteira com o Canadá, levando os dias à lareira ou no saloon local, entre biscates no rancho da patroa, Meredith, uma viúva de quem é também amante. Essa vida retirada sem grande história é perturbada quando Ambrosius recebe uma carta do sul, remetida por um amor distante de mais de duas décadas, enviada na incerteza de o destinatário se encontrar ainda entre os viventes. Anna Sant James, “a rapariga mais bonita de San António”, agora também viúva, pede socorro ao antigo amante, dizendo-lhe que este tem uma filha cuja caravana em que partira recém-casada para Oeste, afim de iniciar nova vida, fora atacada e Liza Jane levada para perto da fronteira com o México.

O nosso herói, apesar de retirado e de acabar de saber-se pai em idade quase provecta, decide-se a encontrar o rasto da filha, dando início a uma longa viagem. Montado num belíssimo appaloosa – raça de cavalo com as suas manchas características, oriunda da China mas aprimorada pelos índios Nez-Percés – e uma mula atrás, empreende a travessia do país, de Norte para Sul, até ao Arizona. Pelo caminho, Ambrosius despacha a tiro sete criaturas, escacha um mexicano que maltratava a montada (só o poupa por causa da infeliz e dos famélicos que tem em casa...), são-lhe roubadas as montadas durante uma noite por índios insurrectos. Na manhã seguinte dá por si na companhia de um enigmático papoose, que não tuge nem muge, porém suficientemente útil para ajudar Ambrosius a vencer o deserto canicular, enquanto não encontram um bando de cavalos selvagens que lhes proporcione caminhada mais folgada episódio que nos dá quatro pranchas primorosas. “Mosquito” ou rapaz-fantasma (ghost kid), como tal fica cunhado, não vá ser o miúdo uma mera alucinação naquela aridez quase sem vida, tanto mais que a poeira do deserto deu-lhe cabo da pouca visão que ainda tinha. À chegada a Nogales soube que a filha fora comprada por dois proxenetas associados dum saloon (têm os dias contados...), e que fugira com um jovem mexicano por quem se apaixonara. A fronteira é atravessada, o México em pé-de-guerra com os indios, acossados pelo presidente Porfirio Díaz, até que finalmente Ambrosius vê terminada essa longa jornada.

Em Ghost Kid, o francês Tiburce Oger (La Garenne-Colombes, 1967) faz um exercício sobre as relações humanas: as amorosas, os vínculos do sangue, a entreajuda, os inimigos. As pranchas são esplêndidas, dinâmicas, com recurso a múltiplos planos, contra-picados em abundância, e há um gosto pelos splashes (vinhetas de página inteira), seis, em 78 pranchas. Outro factor a realçar é a aplicação directa da cor, com recurso ao guache, o que produz um efeito que o computador não permite.

Não há como os europeus, em especial da escola franco-belga, para os grandes westerns em BD, O género continua vivo e recomendável.


Ghost Kid

texto e desenhos: Tiburce Oger

edição: Grand Angle, 2020

«Leitor de BD»

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