domingo, 7 de fevereiro de 2021

«O Demónio das Caraíbas»

 


«Numa manhã de 1715, em pleno Mar das Caraíbas...» A voz do narrador neste recitativo da vinheta inicial de Barba Ruiva – O Demónio das Caraíbas introduz o tempo e o espaço da acção, encimando a imagem de um galeão espanhol em águas ainda alterosas após a passagem de um tornado. É um história de bucaneiros, ainda na idade de ouro da pirataria.

A Europa guerreava-se, no continente e nas possessões ultramarinas; e até a Rússia, que emerge como grande potência neste período, impor a doutrina da neutralidade armada, a que Portugal adere, o Atlântico era uma balbúrdia: o império luso aos bocados, os espanhóis, passado o Siglo de Oro, tornavam-se presas mais ou menos difíceis para ingleses e franceses, quem realmente mandava no Ocidente, com os holandeses pelos interstícios a abocanhar os restos. Pelo meio, aproveitando-se da confusão, com bases naturais nos arquipélagos das Antilhas, uma chusma fora da lei com a cabeça a prémio, aventureiros, renegados, fugitivos, desertores, revoltados, interceptava os barcos que cruzavam o oceano,

Em 1959, com a criação da revista Pilote, a dupla Jean-Michel Charlier (1924-1989) e Victor Hubinon (1924-1979) há muito que desenvolvia uma profícua colaboração no semanário Spirou: Buck Danny, o ás da aviação surgido em 1947 e que ainda hoje se publica, é a criação mais bem sucedida desse período; uma outra, sobre o corsário Surcouf (1773-1827), permitiu que reunissem uma vasta documentação para empreenderem uma sólida série de flibusteiros. Nasceu assim o pirata Barba Ruiva, comandante audaz, talentoso e cruel, que não fazia prisioneiros.

O galeão que avistámos na primeira vinheta será presa dos piratas do “Falcão Negro”, assim se nomeava o brigue, navio rápido de dois mastros, com seis a dez canhões, apropriado tanto para a abordagem aos pesados navios mercantes, como retiradas bruscas para dentro do arquipélago caribenho, em caso de perseguição de navios de armada hostil. A bordo do barco espanhol seguia um casal com um filho de tenra idade, que não tardará em ficar órfão, ou quase, uma vez que o pirata o adoptará. Eric Lerouge, assim vai chamar-se, será instruído por um velho pirata culto e perneta, Três-Patas, e por Babá, um homenzarrão negro, ex-escravo libertado por Barba Ruiva. E aqui o leitor já estará a vislumbrar a imagem dos desastrados piratas de Astérix, que pela difusão mundial que conhece o gaulês, tornou a paródia mais célebre que o original...

Charlier assimilou muito bem o espírito insurrecto e comunitário da pirataria, que conjugava disciplina férrea e desbragamento selvagem; Hubinon, que era uma máquina a desenhar aviões e couraçados, continuou exímio com os veleiros, perseguindo-se nesse mar sem lei. Tendo passado por vários autores, a série continua a publicar-se na mesma editora, a Dargaud.


Barba Ruiva- O Demónio das Caraíbas

texto: Jean-Michel Charlier

desenhos: Victor Hubinon

edição: Meribérica / Liber, Lisboa, s.d.

»Leitor de BD»



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