Zorro,
nome espanhol para raposo,
bicho astuto, é uma personagem criada por Johnston McCulley
(1883-1958), surgido em 1919 na revista pulp All-Story
Weekly, inspirada noutra figura
embuçada, o Pimpinela Escarlate,
gentleman inglês que
salvava nobres franceses da guilhotina, durante a Revolução –
criação da Baronesa Orczy em 1903 –, e em Joaquín Murieta
(1829-1853), bandoleiro ou resistente ao domínio gringo
da Califórnia, integrada nos Estados Unidos, a partir de 1848. A
carreira é longa no cinema, na televisão e, obviamente, nos
quadradinhos, através de uma multidão de desenhadores e
argumentistas, como Warren Tufts, autor dos westerns Casey
Ruggles e Lance,
e Alex Toth, um dos criadores de Torpedo,
esplêndida série noire.
Por cá, Zorro chegava-nos
dentro dos Patinhas,
também com o concurso de autores do Brasil, argumentos de Ivan
Saidenberg, o criador do Morcego Vermelho,
e Primaggio Mantovi, autor de uma notável série humorística sobre
o circo, Sacarrolha. e
desenhos de Walmir Amaral e Rodolfo Zalla.
Don
Diego de La Vega é filho de um grande proprietário na Califórnia
espanhola. Mantendo um perfil discreto de dândi despreocupado e até
cobarde, esconde a identidade secreta de um justiceiro mascarado,
atlético e exímio no uso da espada, pistolas e chicote. Vestido de
negro e com um cavalo do mesmo tom, “Tornado”, parece figura
satânica pondo em sentido a guarnição de lanceiros do rei
de Espanha aquartelada em Los Angeles, chefiadas pelo pérfido
Capitão Monastério, oprimindo o povo miúdo com exacções de
impostos e brutalidades várias. Don
Alejandro, o pai, Bernardo, criado mudo, e o pitoresco
Sargento García, o melhor amigo de Diego que odeia o Zorro, fazem o
elenco principal desta espécie de Batman/Bruce Wayne
avant-la-lettre, cuja marca
não é um morcego projectado ao luar, mas um Z
golpeado a lâmina na farda, quando não no rosto dos contendores...
Em
Don Vega, o francês
Pierre Alary (1970) avança no tempo histórico, mas recua no da
narrativa, milagres da ficção. Estamos já numa Califórnia
pós-mexicana, em que as vastas terras dos Vega foram tomadas por um
Capitão Gomez, explorando os homens dos povoados abrangidos no
trabalho das minas, mancomunado com um ex-militar, Borrow, antigo
mestre de esgrima de Don
Vega. Este é chamado de Espanha pelo padre, afim de acorrer à
situação calamitosa da família e do povo. Aí chegado, vai
encontrar um território dominado pelo terror, em que os populares
alimentam uma crença salvífica numa personagem lendária a que
chamam Zorro, defensor dos fracos e oprimidos, mito que Don
Vega irá corporizar. Não é,
pois, ainda o Zorro que conhecemos. Um álbum com bons achados, uma
montagem dinâmica, com recurso generoso a grandes vinhetas, nas suas
89 pranchas, e uma boa opção pelos tons amarelados e azuis para
cenas diurnas e nocturnas, de acordo com a aridez do meio. Só é
pena Alary, ali ao lado de Espanha, não saber que Don
é um tratamento distintivo nos países de língua castelhana
aplicado ao nome próprio e não ao apelido.
Don
Vega
Texto, desenhos e
cores: Pierre Alary
edição:
Dargaud, Paris, 2020
«Leitor de BD»