No que respeita aos
comics a primazia deve-se a
Chester Gould (1900-1985) e ao detective policial que criou, Dick
Tracy. Surgido em dois jornais,
em Nova Iorque e Detroit, em 1931, em pleno vigor da “Lei Seca”,
à sombra da qual medrou o crime organizado, com o seu cortejo de
horrores, disposição legal que viria a ser revogada na presidência
de Franklin D. Rossevelt, um dos grandes presidentes da história dos
Estados Unidos.
A
diferença de Dick Tracy relativamente a recriações recentes como o
magnífico Torpedo, de
Enrique Sánchez Abuli e Jordi Bernett, reside na circunstância de
este se tratar de uma recriação, com a justaposição da pátina
que o tempo histórico lhe deu, ao passo que Dick Tracy evoluía
durante o calor dos acontecimentos. Talvez por isso a violência e a
crueza que por vezes é apontada à série se explique por essa
contiguidade com o crime, trazido em manchetes pelo mesmo jornal que
publicava Dick Tracy, em tiras diária e páginas dominicais. Acresce
à verosimilhança da violência o atractivo dos gadgets
a que o detective lançava mão e à prática científica forense
apresentada de forma meticulosa, pois o próprio Chester Gould tirara
vários cursos para documentar-se.
Mas o principal
trunfo de Dick Tracy deve-se, quanto a nós, à mestria narrativa do
autor, com uma influência do cinema, nomeadamente nas elipses e
cortes de planos. Gould possuía uma mestria narrativa que prendia a
atenção do leitor. Neste mesmo livrinho, por exemplo, numa única
tira, com apenas três vinhetas – dando sequência à do dia
anterior e procurando interessar o leitor pela continuação no dia
seguinte – cada quadrinho corresponde a lugares diferentes da
história: o espaço da vítima, o dos criminosos e a esquadra de
polícia (cfr. tira central da página 27).
O
Caso 3-D, a história desta
edição, datada de 1957, é um vulgar episódio de extorsão, muito
bem contado. Cabeça de Lata, a personagem central, magnata do
petróleo, detentor de uma fortuna colossal e vários casamentos,
decide visitar um dos sete irmãos, após 30 anos de ausência. Este
é BO Plenty (Farfalha, na tradução brasileira), um hillbilly
– ou seja, uma dessas figuras
rústicas, que vivem em clã nas zonas montanhosas da América do
Norte, celebrizados também pelos comics e
pelo cinema – e a cuja família, em particular às jovens
sobrinhas, quer presentear com uma modelar casa de banho... Este
Farfalha, ex-criminoso tornado amigo de Tracy, foi um elemento de
contraponto humorístico, para suavizar a violência negra do
argumento. Ao mesmo tempo, Poly, ex-mulher de Cabeça de Lata e
gananciosa, mancomunado com o amante, 3-D Magee, não olham a meios
para extorquirem o possível ao velho tycoon.
No fim, é fatal, o bem triunfa sobre o mal. Rima e tomara fosse
verdade.
Dick Tracy -- O Caso 3-D
argumento e desenhos: Chester Gould
Sem comentários:
Enviar um comentário