quarta-feira, 16 de outubro de 2019

sonata para clarinete e explosivos

Depois do universo franco-belga, a Itália é o segundo centro europeu de criação e produção de BD com projecção global. Vieram dali, entre muitos outros, Corto Maltese, Tex, Valentina… e o Superpato.
         Dylan Dog, criado em 1986 por Tiziano Sclavi (Broni, Pavia, 1953), um escritor à procura de leitores, é uma personagem curiosa: antigo agente da Scotland Yard, passa a trabalhar por conta própria, deslindando casos em que o paranormal faz as suas aparições. Calmo (detesta armas) e morigerado (não bebe nem fuma), tem um fraco por mulheres, que se sucedem quase à cadência de uma por história. No mais, é um tipo reflexivo que gosta de ler e tocar clarinete, chegando a fazer um dueto com Woody Allen... Contudo, o seu tema preferido não está no dixieland mas na sonata Il Trillo del Diavolo, do compositor setecentista Giuseppe Tartini – ou melhor, da autoria do próprio Satanás, que em sonhos o visitou, executando a composição que ficaria também conhecida como a «Sonata do Diabo». Nada de admirar, para um detective do pesadelo. A acompanhar Dylan Dog, temos um auxiliar com cara, nome e chistes à Groucho Marx.
         Apesar de ser um dos fumetti mais populares em Itália, com cada revista a atingir um milhão de exemplares de tiragem nos tempos áureos, entre nós Dylan Dog é pouco conhecido, como a generalidade da BD italiana, com as assinaláveis excepções.
         Em Até que a Morte Vos Separe, de 1996, Sclavi desenvolveu uma ideia de Mauro Marcheselli, recuando aos tempos da polícia londrina e aos ataques e retaliações perpetrados pelo IRA na capital inglesa. Estava-se ainda a dois anos da assinatura do Acordo de Paz de Sexta-Feira Santa, e os atentados faziam vítimas, em especial entre os representantes do Estado, que por sua vez reprimia com condições carcerárias duríssimas, contra as quais se insurgiram Bobby Sands e outros prisioneiros independentistas irlandeses, numa greve de fome histórica e fatal. Dylan conhece Lillie Connolly, uma irlandesa do Ulster a viver em Londres, militante daquela força paramilitar, sob disfarce. No entanto, apesar das mortes e das prisões, o dramatismo é moderado q.b., não só porque a menina é assombrada por visões, o que opera uma quebra no realismo da narrativa, como há pormenores de série humorística – veja-se aquele ponto de interrogação desenhado sobre a cabeça dum rato, numa das cenas passadas nos esgotos da cidade. Os registos realista, onírico e humorístico interpenetram-se, o que não tem mal, desde que o leitor, como é de bom uso, estabeleça com os autores o pacto da suspensão voluntária da descrença.
         Bruno Brindisi (Salerno, 1964), não obstante algum tradicionalismo na disposição das vinhetas – convém lembrar que Dylan Dog se destina, antes de mais, ao grande público –, é um desenhador de assinaláveis recursos, como se verifica, logo na capa, no trabalho sobre o véu da noiva.
 
Dylan Dog – Até que a Morte Vos Separe
texto: Mauro Marcheselli e Tiziano Sclavi
desenhos: Bruno Brindisi
edição: G-Floy Studio, 2019

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