quarta-feira, 3 de março de 2021

um "herói" que voa baixo


 

Nos idos de 1993 aparecia nas bancas, pelo preço módico de 500 escudos (2,5 euros), um álbum brochado com uma capa apelativa, ao estilo da Escola de Bruxelas, a chamada linha clara. Num cenário nocturno, um piloto acobertado pelos arbustos esconde-se de um par de oficiais alemães – estamos na II Guerra, o fardamento não engana e o lettering com uma silhueta de um Spitfire, também não –; ao fundo, uma rampa de lançamento, as célebres V2 (o 'v' é inicial de Vergeltungswaffe – arma de vingança); no canto inferior direito um logótipo de umas desconhecidas Éditions Sorg, embora o texto estivesse em português. Foi folhear e andar com o livro debaixo do braço. Uma boa surpresa, apesar da fraca qualidade da impressão e letragem por vezes catastrófica, além de um, digamos, divertido lapso na página 14, o texto todo em castelhano... Trata-de de uma edição publicada em França, em 1988, com versões noutras línguas.

Estamos em 1943, o vento está a soprar em desfavor dos países do Eixo, e a aquela arma seria o último trunfo de Hitler, que Churchill quer neutralizar. Num aeródromo inglês, aguarda-se a chegada do capitão Harris, da USAF, que virá observar o ataque da RAF às instalações secretas alemãs onde são produzidas as V2, na cidade costeira de Peenemünde, no Báltico. A recebê-lo, dois militares: o general Carrington, em prévio diálogo avisa: “Ponha-se na retranca, tenente Tenton, o capitão Harris tem fama de engatatão. Casou três vezes, não sei se me entende?!”; e a tenente Tenton, das Informações, em resposta fleumática: “”Aviões, cerveja e miúdas, o lema de todos os pilotos de combate, Sir!”

Apesar da acção dinâmica e bem encadeada, o argumento falha rotundamente. Harris, um duro acowboyado, é um poltrão, um violador na forma tentada, o que é mostrado com ligeireza, para não dizer condescendência; depois, verifica-se uma oscilação nunca resolvida entre um registo de erotismo brejeiro, os quadros de batalha aérea e a angústia de quem levanta voo sem saber se estará de regresso, portanto, nem carne nem peixe. Jacques Sorg (1954) é um argumentista modesto, com meia dúzia de álbuns auto-editados.

O desenho é muito outra coisa. Percebe-se a juventude do autor, um traço já pessoal mas ainda inseguro, porém, criatividade na construção das pranchas e personalidade tudo isso tem o jovem E. Bravo, de 24 anos, estreando-se aqui em álbum. Neste ano desgraçado de 2021, é um dos mais notáveis autores de BD franco-belga: Émile Bravo (Paris, 1964), de quem já aqui falámos a propósito da recreação da história de Spirou, a partir de 2011 com Le Journal d'un Ingénu e L´Espoir malgré tout, de que já saíram dois dos quatro álbuns planeados.

Este Fighters foi um belo tirocínio para Bravo, mas porque o “herói” era rasante, a série não teve continuidade.


Fighters – Operação Peenemünde

texto: J. Sorg

desenhos: E. Bravo

edição: Éditions Sorg, Boulogne, 1988

«Leitor de BD»

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