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sábado, 26 de fevereiro de 2022

De A a Z: S,, de Spirou (Rob-Vel, 1938).



Jovem e voluntarioso groom do Moustic Hôtel, Spirou deu nome a uma revista que ainda hoje se publica, e com enorme qualidade. Ao contrário de Tintin, Spirou conheceu uma série de autores, todos de categoria, entre os quais se contam Jijé, Franquin, Tome & Janry ou Émile Bravo. De Spip, o inseparável esquilo de estimação, ao grande amigo Fantásio, jornalista, passando pelo Barão de Champignac ou o Marsupilami, sem esquecer os bandidos como Zantáfio e Zorglub, Spirou rivaliza com Tintin não apenas no carácter como no contributo que deu a uma aura muito própria da 9.ª Arte. 

«Leitor de BD»

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

palavras a mais



 Na BD existem os artesãos, os artistas e os fora-de-série, inimitáveis, apesar das tentativas de emulação ou cópia, cuja marca permanece para sempre. Nos quadradinhos há centenas de bons ou muito bons artistas; mas um Will Eisner ou um Jean Giraud estão num patamar a que a maioria não acede.

Giraud (1938-2012), explode em 1963 com a abreviatura Gir, assinando um grande fresco intitulado Fort Navajo, cujo protagonista é o célebre Tenente Blueberry – tantas vezes já por aqui referido, mas ainda não aprofundado. Assistente de Jijé (1914-1980), na série Jerry Spring, que indica o nome de Giraud para trabalhar o argumento de Jean-Michel Charlier (1924-1989), dele dirá Tibet (Chick Bill, Ric Hochet), numa entrevista já aqui referida, que Gir fazia Jijé melhor que o próprio...

Moebius, é o pseudónimo que adopta na mesma época, mas só na década seguinte é assumido como uma via paralela, principalmente com o esplêndido Arzach (1975), com a prevalência de um onirismo liberto, que se contrapõe ao realismo cada vez mais sujo, cada vez mais belo, de Blueberry. Mas apesar de os dois trajectos se distinguirem bem, é interessante ver como, ao mesmo tempo, Gir importa de Moebius alguma tonalidade e fluidez. Embora se desempenhasse bem como argumentista, inclusivamente em Blueberry, após a morte de Charlier, o encontro com o chileno Alejandro Jodorowsky (Tocopilla, 1929) ocorre pouco depois de Arzach, e vem dar a Moebius o nefelibata que lhe faltava, e com quem assinará, entre outros trabalhos, O Incal (1981), que nos é dado a conhecer através da prospecção atenta de Jorge Magalhães, na Editorial Futura.

Os Olhos do Gato (1978) é Moebius no seu esplendor, a partir de um texto minimalista de Jodorowsky, Publicado como brinde destinado aos leitores fiéis dos Humanoïdes Associés, que publicava a Métal Hurlant, foi objecto da avidez desses bichos estranhos que são os coleccionadores, suscitando ainda uma edição pirata por outros marginais da edição, bem-humorados, que se autodesignaram por “Androïdes Dissociés”... Tornado um livro de culto, os humanóides lançariam a edição comercial em 1981. São 48 ilustrações-BD e um frontispício num permanente campo e contracampo: nas páginas pares projecta-se a figura de um rapaz de costas e sempre na sombra com contornos de Yellow Kid (a obra pioneira de Richard F. Outcault, criada em 1896), “mirando” o skyline de uma cidade que dir-se-ia um misto de Metrópolis e Urbicanda. Nas ímpares, uma vinheta/ilustração cheia, em que o cenário parece ruinoso e pós-apocalíptico. “Mirando” veio atrás entre aspas, uma vez que a criatura tem os olhos vazados, comunicando telepaticamente com a águia Meduz, cuja missão bem definida é a de prover um novo e fresco par de olhos ao suposto tutor. Moebius é aqui o tal fora-de-série. Uma filactera final chegava e sobrava para acomodar os murmúrios do argumentista, se houvessem conhecido e meditado no dístico do poeta Alberto de Lacerda (1928-2007): “Palavras / Quase todas a mais”.


Os Olhos do Gato

Desenhos: Moebius.

Texto: Jodorowsky.

Edição: A Seita e Ala dos Livros, Prior Velho e Estoril, 2021

«Leitor de BD»

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

um pequeno país

Um país pequeno como a Bélgica, que em anteriores encarnações políticas foi pátria de van Eyck, van der Weyden, Bruegel, Rubens, van Dyck até, na figuração actual, Ensor, Magritte ou Delvaux, entre muitos outros, só encontra na opulenta Itália nação que com ela se meça com vantagem; assim também na BD a Bélgica na Europa, pese a França – Uderzo e Goscinny, por exemplo, afirmaram-se primeiro lá e só depois no país natal; ou Jacques Martin... – ou ainda a Itália, a terceira potência do Velho Continente. Historicamente, em face da Bélgica, só os Estados Unidos, com os seus comics.

Régine Vandamme (Bruges, 1961) uma escritora que se assume leitora, seleccionou, em 2003, 19 autores para um mimoso mini coffee table book, e escolhendo, também deixou de fora, inevitavelmente: Hermann (Bernard Prince, Comanche, Duke), a ausência mais gritante, mas ainda o próprio Greg (Achille Talon), E. Aidans (Tounga), François Craenhals (Chevalier Ardent) William Vance (Bruno Brazil, Ramiro, XIII) ou Dany (Olivier Rameau). Dito isto, as escolhas são todas respeitáveis e incontroversas na quase totalidade. Por ordem de nascimento, o livro abre com Edgar P. Jacobs (Blake e Mortimer), o “génio do estilo narrativo rigoroso e grafismo magistral”; em Hergé (Tintin), aponta o contraste entre a perfeição do herói com os múltiplos defeitos das restantes personagens, aliado à grande legibilidade do desenho. Willy Wandersteen (Bob e Bobette), apesar de Hergé lhe chamar o Bruegel da BD, está, quanto a nós, num patamar abaixo. Segue-se o grande Jijé (Jerry Spring), autor do primeiro western humanista, com grandes cenários e enquadramentos audaciosos; Morris (Lucky Luke), o pai da expressão 9.ª Arte; Paul Cuvelier (Corentin), desenho minucioso e sensual; Raymond Macherot (Clorofila, Coronel Clifton, Sibylinne), o animalismo negro da primeira série, a autora fala-nos da espantosa paleta do desenhador; André Franquim (Gaston Lagaffe, Ideias Negras), de quem Hergé dizia que era ele o grande artista; Peyo (João e Pirolito, Schtroumpfs), a clareza imaculada; Guy Peellaert (Jodelle), com a aproximação à Pop Art; Louis Joos e a paixão pelo jazz e o claro-escuro em técnica mista; Comès (Silêncio), a grande tradição do preto-e-branco, na esteira de Milton Caniff, Hugo Pratt e José Muñoz; Claude Renard (Galileu, Diário de um Herético), dum virtuosismo deslumbrante; Sokal (Canardo), um antropomorfismo em policial desbragado; Philippe Gelluck (O Gato), ou o triunfo do nonsense; o abençoado Frank Pé (La Bête), entre Franquin e Egon Schiele; François Schuitten (As Cidades Obscuras), entre Winsor McCay e Moebius; Yslaire (Sambre), uma das mais perturbantes criações da BD, e, por fim, Thierry Van Hasselt, cujas influências vão de Alberto Breccia a Francis Baco, ou a BD a reinventar-se como pintura e talvez a fugir dela própria.

Livro de uma senhora leitora, felizes os autores que são lidos com este amor.


Régine Vandamme, Les Maîtres de la BD Belge

Tournai, La Renaissance du Livre, 2003

«Leitor de BD»

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

discurso directo: Tibet

 Jijé [Jerry Spring] foi progredindo até se tornar francamente bom, mas um dia apareceu um jovem que fazia Jijés cem vezes melhor! Era Giraud [Blueberry]. Mas devo confessar que nunca li Charlier [argumentista de Blueberry], nem Martin [Alix, Lefranc] ou Hubinon [desenhador de Barba Ruiva e Buck Danny]. Fiquei-me por Hergé [Tintin], Jijé e pelo prodigioso Franquin [Spirou e Fantásio, Gaston], que é um verdadeiro criador, sempre em busca do domínio do desenho, como Hermann [Bernard Prince, Comanche, Jeremiah, As Torres de Bois Maury, Duke]. Quanto a Uderzo, trata-se de um artesão de génio, mas chamo criador àquele cujo trabalho não se parece com nada feito antes. Em Uderzo vemos o traço de Walt Disney, Astérix tem as mesmas proporções que Mickey, Obélix é o anão Feliz da Branca de Neve!» Tibet, (1931-2010). desenhador de Chick Bill e Rick Hochet (com argumento de A-P. Duchâteau), em entrevista à Bo-Doï, Fevereiro de 2000,

«Leitor de BD»

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

da continuidade das séries


 

É escasso o número de séries populares dos quadradinhos que não tenham continuidade após o autor dar por findo o seu trabalho. Nos Estados Unidos é a regra, apesar dos Peanuts e de Calvin and Hobbes. O mesmo, não sendo inteira novidade, está a ocorrer na BD francófona. Tal pode trazer do melhor, seja os Batman de Frank Miller, Alan Moore, Grant Morrison, Jeph Loeb, ou os Spirou, de Jijé e Franquin a Tome & Janry; mas com ela poderá vir o descalabro, como sucedeu com o pobre Homem-Aranha, com tantas identidades e universos ficcionais que só um iniciado sabe quem é quem. O vil metal não respeita nada nem ninguém, muito menos um super-herói. Na tradição europeia, não chega tentar fazer igual. É por isso que o Spirou de Émile Bravo ou o Lucky Luke de Matthieu Bonhomme, escavando e redefinindo, têm pouco que se lhe compare.

Quando, há pouco mais de um ano, escrevemos sobre o tomo I de Black Program, de “As Novas Aventuras de Bruno Brazil”, por Aymond e Bollée, fazíamos votos para que os autores com a árdua tarefa de pegar no trabalho de Greg e William Vance ousassem ir além do epigonismo. Encerrado o segundo e último tomo, essa expectativa não foi completamente satisfeita. O argumento procura explorar os traumas da “Brigada Caimão”, substancialmente chacinada quando os criadores decidiram terminar a série, em Tudo ou Nada para Alak 6 (1977). O relacionamento entre os sobreviventes, alguns com sequelas físicas graves, outros com mazelas psicológicas, revela-se o aspecto mais interessante desta também sequela de BD. O nosso olhar adolescente persiste, e não acolhe como gostaria esta segunda vida de Bruno Brazil; o acumular de leituras e anos de vida tolera mal a ocorrência de visionários enlouquecidos que detêm meios que talvez nem as próprias super-potências militares disponham, numa série apesar de tudo com um de cunho realista, e, além disso, os riscos de Vance são difíceis de substituir.

Uma base secreta algures no Mato Grosso esconde um delirante ex-astronauta de uma missão secreta a Marte, realizada em 1973. O homem, que pisara o planeta vermelho, com o adn carregado de gigas de dados sensíveis, crê-se investido de uma missão superior de salvamento da Humanidade em perigo. Ali comanda centenas de acólitos (pois duma espécie de seita de trata), em que se encontram cientistas e outra gente impecavelmente caucasiana, incluindo um corpo de segurança armada, num esconderijo que alberga novíssima tecnologia, nomeadamente uma nave que lembra um space shuttle, levantando e ocultando-se na brenha amazónica. Enfim, para isso já tínhamos a “fortaleza da solidão”, no Árctico, ou as expedições a civilizações perdidas, para onde Carl Barks costumava mandar os seus patos. Com o Super-Homem ou o Tio Patinhas podemos proceder à suspensão temporária da descrença; assim, não é carne nem peixe. No entanto, com um desenlace em aberto, pode ser que haja oportunidade para corrigir o trajecto, ou não.


Bruno Brazil – Black Program – t.2

texto: Laurent-Frédéric Bollée

desenhos: Philippe Aymond

edição: Gradiva, Lisboa, 2020

«Leitor de BD»

segunda-feira, 15 de junho de 2020

o primeiro Lucky Luke

No fim da II Guerra Mundial, o jovem Maurice de Bevère (1923-2001) trabalhava nuns estúdios de animação em Bruxelas, na companhia doutros futuros talentos da BD: Franquin (Spirou e Gaston), Peyo (Schtroumpfs) e Eddy Paape (Luc Orient). A concorrência dos grandes estúdios norte americanos era avassaladora, e a pequena empresa fechou. Os jovens viraram-se para a banda desenhada, actividade supostamente contígua; porém, como viriam a descobrir, a linguagem é outra e de outra natureza é a arte praticada.
Morris – nome artístico de Maurice, homofonia adoptada para sempre – estava longe de imaginar que a personagem que criara, para o Almanaque Spirou, no fim de 1946, figurando numa breve narrativa intitulada Arizona 1880, viria a ser um dos maiores ícones dos quadradinhos mundiais, no que respeita a difusão e popularidade. Chamava-se Lucky Luke, personagem de que nunca mais se desligou, sendo um dos raríssimos casos em autores de BD a trabalhar exclusivamente a mesma figura. Até Hal Foster, que não imaginamos a fazer outra coisa que não o Príncipe Valente, desenhou previamente um Tarzan…
Em 1948, Morris partiu para os Estados Unidos, na companhia de Jijé e Franquin, e por lá ficou seis anos a trabalhar. Em Nova Iorque, três anos depois, irá dar-se um encontro decisivo com René Goscinny, decisivo para ambos, pois será em consequência dele que o futuro criador de Astérix se lançará como argumentista de BD.
O Lucky Luke inicial tem ainda características de boneco para animação: traços muito arredondados, quatro dedos em cada mão, mas também já algumas das características que o distinguirão: tiro certeiro, um punch de aço, espírito abnegado e corajoso.
Este primeiro álbum, publicado em 1949 na sua edição inicial, traz duas histórias: A Mina de Ouro de Dick Digger (1947) e O Sósia de Lucky Luke  (1951). Na primeira, o mapa de uma mina dum velho pesquisador é roubado por dois bandidos, com o jovem cavalheiresco prometendo à mulher de Dick Digger a sua recuperação; na segunda, Mad Jim é um desperado que aterroriza o Arizona; acontece que é também um sósia de Luke, vestindo a mesma indumentária: este é capturado e Mad Jim faz-se passar pelo nosso herói. Jolly Jumpper, porém, que à época ainda não aprendera a jogar xadrez, não se deixou enganar. A narrativa termina com o original a abater a cópia. No tempo de Morris a solo, Lucky Luke matava; Goscinny acabou com isso.
 A partir de Carris na Pradaria (1955), o argumentista vem acrescentar ao carisma inicial uma refinamento no humor e um carácter menos naïf, além do cómico de situação, reinventando uns primos Dalton (os irmãos originais haviam também sido mortos pelo cowboy solitário) e o cão mais estúpido do Oeste, Rantanplan. Depois foram vieram livros como O Juiz O 20º de CavalariaA CaravanaCalamity Jane, Canyon Apache, ou Os Dalton no Psicanalista, entre outras obras, primas atrás de primas.


Lucky Luke – La Mine d'Or de Dick Digger
texto e desenhos: Morris
edição: Dupuis, Marcinelle, 1969.
edição portuguesa: Asa, Porto, 2005.


sexta-feira, 3 de abril de 2020

Albert Uderzo (1927-2020)

A vinheta inicial de A Odisseia de Astérix (1981) – um dos melhores álbuns de Uderzo a solo –, mostra a luta pela sobrevivência travada pelos habitantes silvestres da floresta gaulesa. Uderzo está ali no seu esplendor artístico de autor de BD humorística e de inspiração animalista, no espectáculo cruento que a natureza constantemente nos dá, dulcificado pela matriz dos comics americanos, onde bebeu: de Walt Disney e seus colaboradores a Milton Caniff, o criador de Terry e os Piratas e Steve Canyon, este último não despiciendo para a a BD de aviação Tanguy e Laverdure (1959), com texto de Jean-Michel Charlier, o excelso argumentista de Fort Navajo (Tenente Blueberry).
A grande influência, porém, e porque exercida pessoalmente, foi a de Edmond Calvo (1892-1957), um prodigioso animalista, a quem chamaram o “Walt Disney francês”. A sua obra mais reconhecida, La Bête Est Morte! – La Guerre Mondiale chez les Animaux, publicado imediatamente após a Libertação, trouxe-lhe o reconhecimento do próprio Disney. Os mestres excepcionais detectam-se sempre nos díscípulos de génio. Neste Uderzo de 1981, sexagenário já entrado, temos a impressão de Calvo é visivel. Aliás, é-o desde 1946, quando aos 19 anos, após vencer um concurso, publica o primeiro álbum – um feito para a época –, Les Aventures de Clopinard, le Dermier des Gognards, um perneta sobrevivente da batalha de Waterloo...
O êxito incomparável de Astérix o Gaulês não existiria sem o talento de Uderzo, sem a inteligência da caracterização psicológica daquelas figuras caricaturais, quase disneyescas. Sim, Goscinny era o espírito crítico, a audácia do subtexto, o génio da ironia; mas só com Uderzo e Astérix é que Goscinny é completamente Goscinny. Encontraram-se em 1951, e tiveram praticamente uma década de afinação, até apresentarem, em 1958, uma obra que faria jus àquela chancela de dream team, como lhe chamou o hergéfilo Jacques Langlois, Uderzo & Goscinny: Humpá-pá o Pele Vermelha, nas páginas da revista Tintin, que em muito antecipava o tom de Astérix: na América do Norte do século XVIII, a tribo dos Shavashavah é confrontada com a invasão de forças europeias, francesas e inglesas, com as quais tem de lidar. Aldeias a que não falta um chefe patusco, invasores alienígenas... Humpá-pá intrépido, menos experiente que o pequeno gaulês, tem também o seu perceiro, cómico e desajeitado como Obélix, o cavaleiro Humberto de Massa Folhada (ou Escalpe Duplo, como lhe chamavam os índios, por causa da peruca) porém trinca-espinhas, ao contrário do fabricante de menires.
No ano seguinte, na revista Pilote, Uderzo desdobra-se entre a BD realista de Tanguy e Laverdure e outra de teor humorístico, Astérix o Gaulês, em benefício da qual abandonará a primeira. Curiosamente, é substituído por um expoente da “Escola de Marcinelle” (da revista Spirou), Jijé, que dará à série dos pilotos-aviadores uma rugosidade que o traço suave de Uderzo não permitia.
Após a morte de Goscinny, Uderzo foi muito criticado por os seus álbuns a solo não alcançarem o nível dos anteriores, algo que é excessivo. O Grande Fosso e As Mil e Uma Noites de Astérix são outros títulos ao melhor nível da dupla.
(publicado no Sol)


terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Champignac apaixona-se


A guerra traz um manancial de histórias em que, do heroísmo individual à miséria humana, em campo de batalha ou num habitat de sobrevivência racionada, o ser humano é posto à prova. Mesmo no inferno há momentos de pequena felicidade ou evasão: Jaime Cortesão, Augusto Casimiro e Sousa Lopes arranjaram tempo e espaço, no meio da carnificina da Flandres, para um repasto de bacalhau, com couves e batatas numa horta improvisada por entre as trincheiras, assim descreve o primeiro nas Memórias da Grande Guerra (1919). O mesmo Cortesão que, «entre duas granadas», tirava do bolso um livro de poemas de Vigny, tal como Stefan, protagonista do Bosque Proibido (1971), de Mircea Eliade, levava os sonetos de Shakespeare para os subterrâneos, quando o blitz tomava conta do céu de Londres, para não se esquecer do obscurecido esplendor da humanidade em cada um de nós.
Pacómio de Champignac (Pacôme Hégésippe Adélard Stanislas, conde de Champignac), o excêntrico sábio das aventuras de Spirou e Fantásio criado por André Franquin e Jijé (o autor de Jerry Sping), encontrou o amor na guerra. A acção remete-nos para 1940. Champignac, vila fictícia situada perto da fronteira da França com a Bélgica, acaba de ser ocupada pelos invasores alemães, alojando-se o comando na morada o jovem conde. Trazem consigo uma misteriosa máquina chamada “Enigma”, que, com três módulos de encriptação diariamente alterados, tornam virtualmente impossível a decifração pelos ingleses dos códigos secretos. Ao mesmo tempo, Pacómio recebia um pedido de auxílio do cientista chefe de Bletchley Park, complexo a norte de Londres onde secretamente os serviços secretos britânicos reuniram um escol de matemáticos, linguistas, xadrezistas, campeões de palavras cruzadas e amantes de puzzles, procurando antecipar-se aos ataques desferidos pelas forças alemãs, decifrando-lhes os códigos. Aqui conhecerá uma adorável escocesa, e ambos vão trabalhar com Alan Touring, o génio da computação, perseguido no pós-guerra pela sua homossexualidade; irão também em missão com Ian Fleming, episódio em que ficamos a saber que os gadgets de James Bond foram na realidade inspirados pela mente engenhocas de Champignac…, e, naturalmente, serão recebidos pelo próprio Churchill.
Não sendo esmagadora, trata-se de um história escorreita e bem pensada pelo casal BéKa (Bertrand Escaich e Caroline Roque), desenhada e colorida, com notório entusiasmo por David Etien, cujas pranchas têm um excelente dinamismo. Destaque também para as piscadelas de olho à série-mãe: do soporífero cogumelo, com papel acrescido na série canónica, que o acompanha à Grã-Bretanha, aos provincianos champignacenses, em especial o risível e pernóstico presidente da câmara, terminando no Moustic Hotel, em Bruxelas, com uma discreta aparição do próprio Spirou.
Champignac – Énigma
texto: BéKa
desenho: David Etien
edição: Dupuis, Marcinelle, 2019


segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

livros que me apetecem - Champignac

As personagens da série Spirou e Fantásio têm-se autonomizado: primeiro foi o Marsupilami, que o criador, André Franquin, levou consigo quando abandonou as histórias do groom e do seu amigo repórter. Mais recentemente, foi a vez dos dois génios, do bem e do mal, terem direito a álbum próprio. O primeiro, Zorglub, criatura engendrada também por Franquin com Greg, está a cargo do espanhol José Luis Munuera; no ano passado foi a vez do estupendo Conde de Champignac, – outra criação a meias de Franquin, desta vez com Jijé, surgindo agora jovem, a contrariar com o seu cérebro privilegiado as maquinações dos nazis, e ao qual voltaremos. Os desenhos são de David Etien e texto de Béka – Béka, na verdade é um casal: Bertrand Escaich e Caroline Roque, uma francesa com apelido português… Enigma (Dupuis, 2019)