segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Rorschach

13-VIII-2013

Acabei a madrugada a lerWatchmen (1986) de Alan Moore & Dave Gibbons. Não sou um indefectível dos comics, Batman (dos grandes autores) e The Spirit (do Eisner) à parte, entre poucos outros.
Tour de force que deu mais densidade às narrativas de super-heróis (apesar de Bruce Wayne ou Peter Parker...), touxe-nos também um fantasmagórico Rorschach. Walter Kovaks de seu nome civil, filho de prostituta e produto do que se julga poder ser o crescimento infantil, dos alcoices até à institucionalização, traumas cuja existência se adivinha.
Chapéu, gabardine amarrotada, tanto quanto o gorro que exibe variáveis imagens de Rorschach, a cujo autor o anti-herói vai buscar o nome. Intuitivo, inteligente, Rorschach odeia os maus visceralmente, infligindo-lhe provações de violência e quase sádica, inflingindo terror aos delinquentes, como se fosse um Hannibal Lecter do bem, descontando-se a desordem canibal.
Capturado na sequência de uma cilada, cuja orquestração remete para o nó da narrativa, Rorschach é encarcerado numa prisão com mais de um recluso a querer ajustar contas passadas. Em anotações de trabalho, o psicoterapeuta da cadeia -- excelente momento do cap. VI -- resume um grave incidente ocorrido no refeitório, entre o mais fascinante watchman e outros companheiros de cárcere: "Vocês não estão a perceber. Eu não estou aqui fechado convosco, são vocês que estão aqui fechados comigo."

domingo, 15 de setembro de 2013

50 álbuns: 5. Hugo Pratt, A BALADA DO MAR SALGADO (1967) -- nem Bougainville nem Rousseau


«Sou o Oceano Pacífico e sou o maior». No meio do Pacífico, após fera tormenta a desmentir o nome do grande mar, um catamaran pejado de piratas das Fiji, capitaneado pelo desertor Rasputine, avista, o mar ainda revolto, uma chalupa de náufragos.

O Oceano dissera-nos do seu espanto por ver ainda à tona a embarcação nativa -- sinal do desembaraço da tripulação indígena, ou «algum pacto com o diabo» celebrado.
Rasputine lê a Viagem à Volta do Mundo, do barão de Bougainville, o mesmo que descrevera aquelas paragens nos antípodas como um paraíso terreal, em que a espécie humana não fora ainda corrompida pela civilização. O bom-selvagem do Rousseau vem daqui...
Os naúfragos são um casal jovem branco, passageiros do "A Jovem de Amsterdam", "uma bela galeota de milionários", diz o pérfido russo, acolhendo a sugestão dos seus marinheiros, já pouco partícipes dessa idílica visão bougainvillesca-rousseauna, de aprisionarem os desafortunados -- em troco de pagamento de resgate, claro está...

Hugo Pratt, A Balada do Mar Salgado
pranchas 1-2

domingo, 8 de setembro de 2013

50 álbuns: 4. Hermann, BABETTE (1984) -- foice-feixes-forquilha-carro

Tempo de colheita para os servos. As mãos cruzam-se, afanosas, foice-feixes de trigo-forquilha-carro de bois. O tempo está quente, e o característico rugoso do traço de Hermann mais sobressai. Na vinheta central da primeira prancha todos labutam, excepto um cão deitado ao lado dum canjirão ou jarro semelhante. Todos, menos Babette, em primeiro plano, que estaca olhando enlevada para fora do quadro. Observada pelo irmão, no cimo dos molhos de trigo, o pai é alertado: "Tenho a impressão de que a Babette tem outra paixoneta aí pelos bosques." Foice em punho, o chefe da família, sorrateiro, descobre e enxota o intruso, também ele especado, voltando-se depois para Babette na intenção de arriar-lhe o bastão. Subitamente, enquanto a rapariga ensaia a fuga floresta adentro, irrompe um veado espavorido do arvoredo, ouve-se um sopro de caça, cães e logo atrás cavaleiros avançam a galope pelo campo de trigo, espezinhando as espigas.


Hermann, As Torres de Bois-Maury -- Babette (1985), pranchas 1-2