sábado, 18 de abril de 2020

«Strapontam e o Monstro de Loch Ness»

Criado em 1958, por Berck (Arthur Berckmans, Lovaina, 1929) com argumentos de René Goscinny (1926-1977), Strapontam, fardado e ao volante de uma dona-elvira amarela, não é o taxista das voltas ao obeslico da Praça da Concórdia, mas antes o chofer das corridas improváveis... Strapontam, para respeitar a fonética original do nome deste motorista bonacheirão, Strapontin, e não acontecer o que se passou com Tintin, que entre nós nunca foi Tantam, a não ser para quantos frequentaram o liceu francês...
Publicado na revista Tintin belga em 1961 e no ano seguinte em álbum, Strapontam e o Monstro de Loch Ness fala-nos de uma deslocação à Escócia, a pedido de um amigo, o Professor Feijão Verde (Petitpois, no original) – o cientista que descobriu o carburador em pó... –, para que o filho, o jovem Wimpy, aperfeiçoe o inglês, numa temporada no castelo do velho tio Mac Lloyd, situado à beira do célebre Loch Ness, Com ambos segue o cão Gerardo, cujas características antecipam de algum modo uma outra criação de Goscinny, agora com Morris: Rantanplan, o cão mais estúpido do Oeste, surgido no álbum de Lucky Luke, também em 1962, Na Pista dos Dalton.
Goscinny tira partido das idiossincrasias dos britânicos: a condução à direita, a horrível dieta à base de carneiro cozido, molho de hortelã e o plum-pudding, aliás, o tipo de humor que vamos encontrar em Astérix entre os Bretões (1965); na Escócia: problemas com falsários de uísque, a personalidade forte dos escoceses, com os seus kilts e gaitas de foles, e o inevitável Nessie.
Na segunda história, Strapontam e o Gorila (1962), o taxista acompanha Feijão Verde, Wimpy e Gerardo ao território de Grododo, onde coexistem os grandes símios e os acérrimos Molomolós. O professor desta vez engendrara um extracto à base de hormonas de peixe, cabeças de fósforo e cenouras, susceptível de desenvolver a inteligência dos primatas, ao ponto de pôr o gorila a falar latim – ou seja, Goscinny puro, com uma certa inversão do paternalismo, em que os indígenas, por entre os trajes e práticas tradicionais, exibem um discurso de habitantes sofisticados das metrópoles. O mesmo sucederá com Astérix...
O traço de Berck é muito característico. Vindo da BD religiosa, publicada pelos jesuítas belgas, as suas influências estão nos comics americanos. Parece haver ali algum reflexo de Chester Gould (Dick Tracy), adaptado à sensibilidade infanto-juvenil da época e, comprovadamente, de E. C. Segar, o criador de Popeye – o nome da personagem Wimpy,, é uma homenagem àquele, evocando o inenarrável comilão de hambúrgueres. Em suma, pode dizer-se, entre o desenho característico de Berck e o álacre humor de Goscinny, que a série envelheceu, mas bem, apesar de tudo.

Strapontam e o Monstro de Loch Ness, seguido de Strapontam e o Gorila
texto: René Goscinny
desenhos: Berck
edição: Editorial Íbis, Lisboa, 1965

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