Muitos
clássicos da BD mantêm o viço; outros têm um interesse
eminentemente histórico, como é o caso do livro de hoje. Isto para
dizer que, retomando o espírito inicial desta página, iremos
conjugando novas e velhas leituras.
O
Raio U marca a estreia nos
quadradinhos de largo fôlego de Edgar Pierre Jacobs (1904-1987), na
revista Bravo em 1943,
pertence sobremaneira à categoria da obra que ficou nos anais,
embora se situe uns bons furos abaixo da série que o consagrou,
Blake e Mortimer.
A
génese é conhecida: Jacobs, um homem da publicidade e da ilustração
com uma paixão pela ópera – fora barítono, sem espectáculos na
Bélgica ocupada – ingressara na revista Bravo,
especializada nos comics
americanos, com Flash Gordon no
principal cartaz. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, o
material deixa de chegar; e em pânico, o chefe-de-redacção pede a
Jacobs para substituir o consagrado Alex Raymond. Na autobiografia,
Un Opera de Papier – Les Mémoires de Blake et Mortimer
(1981), revela que se sentiu lisonjeado, embora receoso, com o seu
pastiche Gordon l’Intrépide,
e também por isso nunca assinou a contrafacção, que tinha os dias
contados: os alemães proibiram as historietas americanas e foi assim
que surgiu O Raio U,
‘descaradamente’ inspirado no modelo americano, embora
recorrendo já a filacteras, bem como antecipando alguns tópicos que
irá retomar na série que o consagrou, e explorando também um
imaginário que fora desenvolvido por autores como Júlio Verne,
Conan Doyle ou H. G. Wells.
A
história, cheia de peripécias, é contudo linear: uma missão num
território remoto, em busca de um metal raro, necessário ao
desenvolvimento de uma arma pelos cientistas da Nordlândia, ‘os
bons’, tem um agente infiltrado da Austrádia, em trabalho de
sabotagem. Os primeiros fazem as vezes dos britânicos e aliados, os
outros são ‘os maus’, o que em 1943 só podia ter um significado
preciso.
Vale
a pena olhar a capa capa com atenção. Desde logo, a promessa de um
turbilhão de aventuras; e, no canto superior esquerdo, um
'aeropilha', nave aérea que aponta, não inocentemente, para o nome
do autor, E. P. Jacobs, o criador do 'espadão', fazendo-se desta
forma a ligação à aventura inaugural de Blake & Mortimer, de
todos conhecida.
O
ritmo é realmente alucinante – nas últimas vinhetas ocorre uma
batalha aérea... – e os jovens contemporâneos que liam a Bravo
devem-no ter sentido. Greg, que
assinou o prefácio, recordava: “toda uma geração de jovens
leitores se agarrava a este O Raio U
reluzente, para fugir, uma vez por semana, ao realismo cinzento e
negro da Ocupação.” A mestria de folhetinista de Jacobs deixava
os leitores em suspenso no último quadradinho de cada prancha,
fazendo a rapaziada ansiar pelo número seguinte.
O
Raio U
texto
e desenhos: E. P. Jacobs
Livraria
Bertrand, Amadora, 1978
Bela memória
ResponderEliminare um belo sucedâneo...
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