Um mapa centrado no Indocuche,
abre a primeira prancha de O
Avião do Nanga (1987),
de René Sterne (1952-2006). O nome desta cordilheira afegã tem uma
sonoridade com o peso de séculos, tempo que lhe empresta uma aura de
terra mítica ou inventada, uma Camelote, ou coisa assim. E no
entanto, o Indocuche existe; e ao contrário doutros topónimos
congéneres – Cartago, Bagdade, Samarcanda, Timbuctu... – , cujo
prestígio lendário pretérito não aguenta o confronto com a
realidade presente, o Indocuche, por onde passou um raio chamado
Alexandre o Grande e hoje brotam talibãs como as papoilas
autóctones, persiste em desinquietar-nos, como uma vinheta de
Hermann para um argumento de Greg...
Nessas
montanhas, nesse "inferno branco" de neve e solitude,
despenha-se um monomotor pilotado por Adler von Berg, um ex-desertor
da Luftwaffe (já estamos em 1948), como viremos a saber adiante.
Ileso, porém sem rádio e poucos víveres. Ao longe, um
carreiro de formigas é uma caravana de camelos da Bactriana. Um tiro
despedido por Adler ecoa por entre as fragas himalaicas. Se ouviram,
não se sabe. A meio caminho entre duas cidades, Gilgit e Laore,
Adler exclama: «Desta vez é o fim... Estou perdido!»
Com
as cores frias inicias que lhe deu Chantal de Spiegeleer (Kinshasa,
1957), a mulher do autor que nos é sugerida pela bela irlandesa
Hellen, a narrativa suspende-se nas paragens mais garridas e não
menos perigosas do Mar da China.
De
Terry
e os Piratas
a Corto
Maltese
a errância e o exótico foram sempre um ingrediente da BD, de
aventuras e para além disso.
Adler
– O Avião do Nanga
texto
e desenho: René Sterne
edição:
Edições Asa, Porto, 1990
(alterado em 30-X-2019)