terça-feira, 21 de dezembro de 2021

a vez de Nadine



Ric Hochet, série policial e detectivesca criada em 1958 por André-Paul Duchâteau (1925-2020) e Tibet (Gilbert Gascard, 1931-2010) para a revista Tintin. É do melhor que se fez no género. Ao longo de 78 álbuns – o último é publicado no ano da morte de Tibet –, conta-nos de um jornalista irrequieto e glamoroso constantemente partícipe em thrillers levados da breca, cuja namorada, Nadine, é sobrinha do comissário de polícia Sigismond Bourdon – um trio que resulta sempre nos quadradinhos. Brevemente trataremos da série canónica, porque hoje o álbum pertence aos “Novos Inquéritos de Ric Hochet”, A vaga de revisitações que felizmente ocorre na BD franco-belga não podia deixá-lo de fora, sendo, em 2015, a personagem entregue a Zidrou (Anderlecht, 1962) – esplêndido argumentista de quem já aqui falámos algumas vezes – e a Simon van Liemt (Aix-en-Provence, 1974).

Em Comissaire Griot (2021), Zidrou situa temporalmente a acção em 1970 – uma inovação, uma vez que Ric Hochet pertence ao grupo de personagens que não envelhece, acompanhando o tempo presente. Motivado por um intercâmbio estabelecido entre as polícias de França e do Senegal, Bourdon desloca-se por dois meses a Casamansa, sendo substituído pelo comissário Ousmane Lamine Cissoko Dior, um gigante africano quase sempre irónico com os equívocos de teor racista de que é alvo, numa sociedade parisiense habituada a ver nos filhos das ex-colónias os concidadãos (?) da base da pirâmide social. Zidrou vai aqui de encontro ao espírito do tempo, fazendo-o do nosso ponto de vista, pelo ângulo certo, o do humor.

Outro assunto na ordem do dia é o do empoderamento (palavra horrível) feminino. Na série canónica, estreada há mais de sessenta anos, Nadine era uma fillette graciosa que servia para aligeirar a atmosfera pesada da trama, algo inconcebível actualmente. Agora vive com Ric, foi admitida como repórter no mesmo jornal em que este trabalha e já é não apenas a namoradinha do herói , mas uma parceira bastante mais expedita que o companheiro nos avanços amorosos, o que é sempre uma alegria para o olhar. De resto, nunca se viu tanta roupa interior nestas histórias outrora para rapazes bem comportados. Não tanto pelo que estarão a pensar – não de todo erradamente – ,mas porque um dos casos que aflige a polícia é o de um certo “Cupido”, que ataca mulheres na casa dos trinta, quarenta anos, atando-as a uma cadeira, cravando-lhes no coração um punhal, no qual se prende uma carta que lhe é destinada, sempre entoando uma canção romântica. Paralelamente, o cadáver de um velho exorcista é encontrado pela porteira do prédio, com o coração arrancado e depositado na mão, que o médico legista verificará não corresponder ao da vítima... Ao mesmo tempo, em África, Bourdon, em choque cultural, anseia pelo regresso.

Resumindo: um Ric Hochet aggiornato, mas secundarizado por uma esplêndida Nadine e pelo próprio comissário Dior (sem relação de parentesco com a famosa casa, como gosta de dizer...). Van Liemt cumpre com brio. Considerando estar a substituir Tibet, não é nada pouco.


Les Nouvelles Enquêtes de Ric Hochet t. 5 – Commisaire Griot

texto: Zidrou

desenhos: van Liemt

edição: Le Lombard, Bruxelas, 2021

«Leitor de BD»

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