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quinta-feira, 4 de novembro de 2021

aviões de papel

 




Que fazem dois autores de BD quando pretendem desenvolver uma série de aviação, de aviões percebendo nada? Obviamente, tiram o brevê... Foi o que se passou com Jean-Michel Charlier (1924-1989) e Victor Hubinon (1924-1979), antes de estrearem a primeira aventura do coronel piloto-aviador Buck Danny, Les Japs Attaquent (1947), episódio de Pearl Harbour, no Pacífico, com uma forte inspiração de Terry e os Piratas, de Milton Caniff (1907-1988), terminada no ano anterior e substituída por Steve Canyon, também ele um ás Força Aérea Americana. Buck Danny é um coronel piloto-aviador, que desde cedo contará com a companhia de dois camaradas:  o capitão Tumbler e o tenente Tuckson. Acompanhando o tempo histórico em que cada álbum se publica, trata-se da mais antiga e bem-sucedida série de aviação de guerra da BD franco-belga: 58 álbuns, 40 dos quais assinados por esta dupla.

Livros como o de hoje, Histoires Courtes (1946-1969), destinam-se principalmente aos admiradores das séries e aficionados dos quadradinhos em geral. Compõem-se de episódios breves, curiosidades, pastiches, documentação. Neste caso, criteriosamente editado por Bernard L. Thouvanel, jornalista especializado em temas de aeronáutica, recolhe dez breves histórias, algumas inéditas outras dispersas, para além de fotografias históricas. Mas o leitor comum ficará sempre mais bem servido com a narrativa canónica das 46 páginas. 

O álbum começa com a pré-história de Buck Danny: "Pilotos de turismo" (1946), apenas de Hubinon, um trecho de humor que conta as peripécias por que passavam os candidatos ao brevê numa qualquer escola de aviação. Segue-se "A agonia do 'Bismark'", também de '46, em que ambos desenham: episódio verídico sobre o super-couraçado "Bismark", o mais poderoso vaso de guerra até então construído, que afundara o HMS Hood, orgulho da Royal Navy, na batalha naval do Estreito da Dinamarca (1941), representando uma séria ameaça, como afirmou Churchill: "Para que a Inglaterra sobreviva, custe o que custar, afundem o Bismark!" Os ingleses vão empreender uma perseguição fazendo pagar caro a pesporrência nazi. Pese a juventude dos autores, com 22 anos, o dinamismo narrativo é eficaz, com vinhetas esplêndidas de batalha aéreo-naval, e abundância de plano picado e contrapicado, como seria de esperar. "Duelo no Céu", "Missão Especial" e "Roubaram um Protótipo..." (1955-56) são histórias breves de quatro pranchas, agora já com o coronel Danny, durante a Guerra Fria, em que está sempre por detrás a acção de uma potência estrangeira, nunca nomeada. Se não acrescentam nada a este universo, também não deixam os créditos dos autores por mão alheias, embora Charlier detestasse escrever narrativas curtas por lhe queimarem vários cartuchos passíveis de usar num álbum canónico. Finalmente quatro pequenos episódios de humor e autopastiche: "As horripilantes aventuras de Buck Danny, veterano da U. S. Air Force" (1957); "Duck Flappy - Protótipo X-6432589" (1960); "Missão Especial" e "Uma História Inacreditável" (1969), cereja no topo: em pleno ar, o chefe da esquadrilha comporta-se estranha e perigosamente aos comandos, para espanto dos companheiros: chegados ao solo, Tumbler e Tucker dirigem-se furiosos ao comandante, quando vêem Gaston Lagaffe, o anti-herói criado por Franquin, vestido a preceito, trazendo na mão o manual "Piloto de Caça em Três Lições", e com justificação: uma vez que vira Buck Danny demasiado absorvido pela aventura da página 14, resolvera substituí-lo, naturalmente...

Les Aventures de Buck Danny - Histoires Courtes 1. (1946-1969)

Texto e desenhos: Jean-Michel Charlier e Victor Hubinon.

Edição: Dupuis, Marcinelle, 2020

«Leitor de BD»



quarta-feira, 3 de março de 2021

um "herói" que voa baixo


 

Nos idos de 1993 aparecia nas bancas, pelo preço módico de 500 escudos (2,5 euros), um álbum brochado com uma capa apelativa, ao estilo da Escola de Bruxelas, a chamada linha clara. Num cenário nocturno, um piloto acobertado pelos arbustos esconde-se de um par de oficiais alemães – estamos na II Guerra, o fardamento não engana e o lettering com uma silhueta de um Spitfire, também não –; ao fundo, uma rampa de lançamento, as célebres V2 (o 'v' é inicial de Vergeltungswaffe – arma de vingança); no canto inferior direito um logótipo de umas desconhecidas Éditions Sorg, embora o texto estivesse em português. Foi folhear e andar com o livro debaixo do braço. Uma boa surpresa, apesar da fraca qualidade da impressão e letragem por vezes catastrófica, além de um, digamos, divertido lapso na página 14, o texto todo em castelhano... Trata-de de uma edição publicada em França, em 1988, com versões noutras línguas.

Estamos em 1943, o vento está a soprar em desfavor dos países do Eixo, e a aquela arma seria o último trunfo de Hitler, que Churchill quer neutralizar. Num aeródromo inglês, aguarda-se a chegada do capitão Harris, da USAF, que virá observar o ataque da RAF às instalações secretas alemãs onde são produzidas as V2, na cidade costeira de Peenemünde, no Báltico. A recebê-lo, dois militares: o general Carrington, em prévio diálogo avisa: “Ponha-se na retranca, tenente Tenton, o capitão Harris tem fama de engatatão. Casou três vezes, não sei se me entende?!”; e a tenente Tenton, das Informações, em resposta fleumática: “”Aviões, cerveja e miúdas, o lema de todos os pilotos de combate, Sir!”

Apesar da acção dinâmica e bem encadeada, o argumento falha rotundamente. Harris, um duro acowboyado, é um poltrão, um violador na forma tentada, o que é mostrado com ligeireza, para não dizer condescendência; depois, verifica-se uma oscilação nunca resolvida entre um registo de erotismo brejeiro, os quadros de batalha aérea e a angústia de quem levanta voo sem saber se estará de regresso, portanto, nem carne nem peixe. Jacques Sorg (1954) é um argumentista modesto, com meia dúzia de álbuns auto-editados.

O desenho é muito outra coisa. Percebe-se a juventude do autor, um traço já pessoal mas ainda inseguro, porém, criatividade na construção das pranchas e personalidade tudo isso tem o jovem E. Bravo, de 24 anos, estreando-se aqui em álbum. Neste ano desgraçado de 2021, é um dos mais notáveis autores de BD franco-belga: Émile Bravo (Paris, 1964), de quem já aqui falámos a propósito da recreação da história de Spirou, a partir de 2011 com Le Journal d'un Ingénu e L´Espoir malgré tout, de que já saíram dois dos quatro álbuns planeados.

Este Fighters foi um belo tirocínio para Bravo, mas porque o “herói” era rasante, a série não teve continuidade.


Fighters – Operação Peenemünde

texto: J. Sorg

desenhos: E. Bravo

edição: Éditions Sorg, Boulogne, 1988

«Leitor de BD»

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Champignac apaixona-se


A guerra traz um manancial de histórias em que, do heroísmo individual à miséria humana, em campo de batalha ou num habitat de sobrevivência racionada, o ser humano é posto à prova. Mesmo no inferno há momentos de pequena felicidade ou evasão: Jaime Cortesão, Augusto Casimiro e Sousa Lopes arranjaram tempo e espaço, no meio da carnificina da Flandres, para um repasto de bacalhau, com couves e batatas numa horta improvisada por entre as trincheiras, assim descreve o primeiro nas Memórias da Grande Guerra (1919). O mesmo Cortesão que, «entre duas granadas», tirava do bolso um livro de poemas de Vigny, tal como Stefan, protagonista do Bosque Proibido (1971), de Mircea Eliade, levava os sonetos de Shakespeare para os subterrâneos, quando o blitz tomava conta do céu de Londres, para não se esquecer do obscurecido esplendor da humanidade em cada um de nós.
Pacómio de Champignac (Pacôme Hégésippe Adélard Stanislas, conde de Champignac), o excêntrico sábio das aventuras de Spirou e Fantásio criado por André Franquin e Jijé (o autor de Jerry Sping), encontrou o amor na guerra. A acção remete-nos para 1940. Champignac, vila fictícia situada perto da fronteira da França com a Bélgica, acaba de ser ocupada pelos invasores alemães, alojando-se o comando na morada o jovem conde. Trazem consigo uma misteriosa máquina chamada “Enigma”, que, com três módulos de encriptação diariamente alterados, tornam virtualmente impossível a decifração pelos ingleses dos códigos secretos. Ao mesmo tempo, Pacómio recebia um pedido de auxílio do cientista chefe de Bletchley Park, complexo a norte de Londres onde secretamente os serviços secretos britânicos reuniram um escol de matemáticos, linguistas, xadrezistas, campeões de palavras cruzadas e amantes de puzzles, procurando antecipar-se aos ataques desferidos pelas forças alemãs, decifrando-lhes os códigos. Aqui conhecerá uma adorável escocesa, e ambos vão trabalhar com Alan Touring, o génio da computação, perseguido no pós-guerra pela sua homossexualidade; irão também em missão com Ian Fleming, episódio em que ficamos a saber que os gadgets de James Bond foram na realidade inspirados pela mente engenhocas de Champignac…, e, naturalmente, serão recebidos pelo próprio Churchill.
Não sendo esmagadora, trata-se de um história escorreita e bem pensada pelo casal BéKa (Bertrand Escaich e Caroline Roque), desenhada e colorida, com notório entusiasmo por David Etien, cujas pranchas têm um excelente dinamismo. Destaque também para as piscadelas de olho à série-mãe: do soporífero cogumelo, com papel acrescido na série canónica, que o acompanha à Grã-Bretanha, aos provincianos champignacenses, em especial o risível e pernóstico presidente da câmara, terminando no Moustic Hotel, em Bruxelas, com uma discreta aparição do próprio Spirou.
Champignac – Énigma
texto: BéKa
desenho: David Etien
edição: Dupuis, Marcinelle, 2019