Nascido na Ucrânia, no seio duma família polaca, súbdito do Império Russo, Joseph Conrad (1857-1934) foi um lobo do mar e um grande escritor inglês, cuja cidadania obteve antes dos trinta anos. Enorme ficcionista que nas suas narrativas expõe o ser humano à provação dos elementos, dos outros homens e de si próprio, vai vencendo a passagem do tempo, ao passo que outros autores e respectivas obras se tornam mais mais descorados, como se tomados por uma das nuvens de sal desta BD.
A grandeza de Conrad é também aferida pela permanência dos seus livros junto dos leitores e pelas abordagens que suscita noutros meios conexos com a literatura, como a dramaturgia, o cinema e a BD: romances, tais o O Coração das Trevas (1899) e Lord Jim (1900), os extraordinários contos e novelas de História Inquietas (1898) ou esta Mocidade – Uma Narrativa (escrito também em 1898), Um dos maiores filmes da história do cinema será sempre “Apocalypse Now” (1979), que, partindo de O Coração das Trevas, passou a ser outra coisa, uma obra de Francis Ford Coppola e não um decalque resumido e desinteressante, como tantas vezes sucede quando se trata de meras adaptações.
Interpelado por este texto breve de Conrad – Mocidade – Uma Narrativa – de inspiração autobiográfica, Diniz Conefrey (Lisboa, 1965) tem idêntica atitude diante de uma obra acabada, a que é, quanto a nós, a única artisticamente válida nestas circunstâncias, apropriar-se dela, tornando-a sua, mesmo que parta da evocação pessoal de outro autor.
Judea – título da presente novela gráfica, que é também o nome do barco de Marlowe, o protagonista – relata o que seria uma viagem de Londres a Banguecoque, que acabará por conhecer destino diferente. Entre o figurativo e o abstraccionismo, Conefrey dá-nos imagens fortes em que a materialidade de tripulação e navio se dilui à medida que os elementos constitutivos de uma tempestade ou de um grave incidente que entretanto ocorre, vai conquistando aquela exígua superfície no meio do oceano: o jovem grumete que está ali mesmo ao lado e já não se vê, mal se ouvindo o choro de aflição cortado por rajadas de vento e água; o veleiro prestes a ser engolido pela nuvem de água e sal condensados, progressivamente apagando os seus contornos.
Conefrey, que pertence àquela família de artistas que reflecte sobre o própria obra, escreve nas badanas ser o navio a personagem central desta adaptação – como é notório a partir do título – “poden[do] ser visto como o corpo do escritor”, metáfora aliciante que nos faz pensar outra narrativa marítima breve, também ela uma jóia: O Velho e o Mar (1952), de Ernest Hemingway, e a luta do homem na captura duma espécie de espadarte gigante – combate esse que afinal pode ler-se como alegoria do confronto do autor com a escrita. Neste álbum, Conefrey acrescenta, como Coppola no cinema; e quando se acrescenta algo à obra de um grande como Conrad, tal deve ser devidamente assinalado.
Judea
texto e desenhos: Diniz Conefrey
edição: Pianola Editores, Lisboa, 2016
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