Os
monarcas que perduram no imaginário são os que passaram das
medidas, sejam eles reais, de ficção ou mistos: Artur e a Távola
Redonda, em Camelot; Lear, o louco que não reconheceu o (des)amor
das filhas; Ivan o Terrível, na génese da Rússia de hoje; o
Rei-Sol, que amansou as feras domésticas ensinando-lhes etiqueta. E
que dizer de Afonso Henriques, ou Pedro I?…
O rei bonacheirão
é mais raro. À memória ocorre de imediato o nosso D. Luís, “o
Bom” ou “o Popular”, como ficou para a História, deixando
correr o marfim da Regeneração, degenerando-se em “Rotativismo”,
enquanto, na Cidadela de Cascais, traduzia Shakespeare (muito bem, ao
contrário das más-línguas jacobinas) e tocava o seu violoncelo em
trios e quartetos, muito mal, de acordo com a benevolência do médico
da Cãmara real: “Senhor, é o quarteto mais ocidental da
Europa!...”, não ousando outro qualificativo para elogiar… É
claro que quem veio a pagar as favas foi o filho Carlos, contas,
porém, doutro rosário.
Muitos reis há na
BD, porém, talvez de nenhum emane tanto carisma quanto deste The
Little King – O
Reizinho, na acertada versão do
Brasil, país em que teve grande sucesso, com direito a revista
própria e a uma rábula nele inspirada, interpretada por Jô Soares.
Criado por Otto Soglow (1900-1975), nascido num bairro modesto de
Manhattan, a personagem a que deu asas é uma caricatura medieval em
tempos modernos – em que dragões e castelos coexistem com uma real
esquadrilha aérea –, com insígnias indispensáveis à majestade:
o manto com gola de arminho, a coroa – que José Sobral, autor da
introdução ao livro de hoje, compara a um cone de gelado invertido
–, coroa futurista que não tira nem para dormir, e uma barba
obstinada. Ceptro não tem, mais provável será segurar numa das
mãos um papagaio de papel ou um chupa. Baixote, rotundo, é atento
ao bem-estar dos súbditos, em especial vagabundos, mas sabe quais
são as sua prerrogativas. Em mais de 40 anos de reinado –
estreou-se na New Yorker
em 1931, findou quando morreu o autor –, toda a sua facúndia era
gestual, nas situações bem exploradas por Soglow em traços tão
sumários quanto expressivos. Este, que era um bem disposto, transpôs
o humor inato para a criatura que lhe deu fama e sustento, depois de
um curso de desenho por correspondência, pensando provavelmente nas
suas personagens preferidas: Little Nemo, de Winsor McCay e Panfúcio
/ Bringing Up Father,
no original, de George McManus, de quem já aqui falámos. E nestes
dois extremos, entre o onírico e o grotesco, construiu Otto Soglow
um pequeno universo (rainha, ministros, lacaios, cidadãos...) que
provoca a gargalhada franca ou um sorriso irónico e pensativo.
Uma coisa é certa,
leitores: haja o que houver, o Reizinho não se deixa manietar pela
chatice da realidade. Um exemplo.
O
Reizinho – Sua Majestade o Humor
texto e desenhos:
Otto Soglow
edição: Opera
Graphica, 2004.
Sem comentários:
Enviar um comentário