terça-feira, 5 de janeiro de 2021

«O Mistério da Grande Pirâmide» (1)

 


Criada por Edgar Pierre Jacobs (1904-1987) e estreada em 1947 no número inaugural da revista Tintin, Blake e Mortimer é uma série que estará sempre na mão que conte pelos dedos as obras mais notáveis do género BD. Relatos de aventuras, envolvendo a espionagem, a ciência e também a História: ou como escreveu o sociólogo Jean-Bruno Renard, uma mistura de Júlio Verne, H. G. Wells e Maurice Leblanc, o criador de Arsène Lupin, faltando dizer que será isso tudo e algo mais, singularizado pela grande arte do autor, um antigo barítono cuja carreira fora interrompida pela guerra de 39-45.

Encontramos pela primeira vez os dois gentlemen britânicos – o Professor Phillip Angus Mortimer, escocês nascido na Índia, físico nuclear, inventor, arqueólogo amador, desportista, e o galês Sir Francis Percy Blake, capitão da RAF e futuro director do MI5 –, em O Segredo do Espadão, no Tibete, onde impera Basam-Damdu, o ditador que fará deflagrar a III Guerra Mundial, ainda a anterior terminara havia dois anos.… E contra eles, o Coronel Olrik, aventureiro e criminoso internacional, com provável origem nos países bálticos, cria Jacobs, criador de mais esta criatura cujo rosto em si mesmo fora inspirado...

Se todos as histórias se revestem de grande qualidade, os dois volumes de O Mistério da Grande Pirâmide (estreia em 1950 nas páginas daquela revista) e A Marca Amarela (publicada entre 1953 e 54) são consideradas as obras-primas. Em Portugal, ambas foram publicadas quase de seguida no Cavaleiro Andante, de Adolfo Simões Müller, cujos contactos com a Bélgica, vinham já de antes da guerra, nomeadamente com Hergé. Perfeccionista, Jacobs foi uma espécie de Flaubert da BD. O romancista francês esgotava os assuntos: para escrever Salammbô leu tudo sobre Cartago, autores antigos e modernos, consultou especialistas, foi à Tunísia, às ruínas púnicas. Jacobs procedia da mesma forma no que respeita à documentação e planificação do seu trabalho, que executava sempre sozinho. Há uma anedota reveladora dessa obsessão pela verosimilhança e rigor documental: em 1971, a revista publicava semanalmente As Três Fórmulas do Professor Sato, até que, para desespero da redacção, Jacobs resolveu que precisava de conhecer os modelos dos caixotes do lixo de Tóquio, imagens cujo acesso não era fácil à época – decerto que um guia regular da cidade não traria fotos da imundície urbana… Sem retomar o trabalho enquanto não chegassem imagens fiáveis, verá afinal que os nauseantes recipientes eram iguais aos de Nova Iorque, esses bem à mostra, até para quem os não quisesse ver... É à luz desta prática que o nosso autor situa Blake e Mortimer no Egipto do último faraó, Faruk I, um monarca manobrado pelos ingleses que controlavam o país, pálida sombra do fundador da sua dinastia, albanesa, Mohamed Ali, e um enigma envolvendo um outro soberano, a milénios de distância, o controverso Aquenáton mais um espólio que ficou por encontrar...

(continua)

O Mistério da Grande Pirâmide,

Vol. 1. O Papiro de Máneton

texto e desenhos: Edgar P. Jacobs

edição: Verbo, Lisboa, 1969

«Leitor de BD»

4 comentários:

  1. Bom dia
    De toda a BD que li/leio esta dupla faz parte do meu top 3. Li pela primeira vez no Cavaleiro Andante, graças ao meu pai que os tinha quase todos e no "quase todos" reside o busílis. Faltavam alguns números (só crescida consegui ler toda a Marca Amarela) e alguns números tinham partes importantes das histórias recortadas por causa dos concursos dos rádios, não tendo ele ganho nenhum desses aparelhos :-)
    Bom fim de semana

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    Respostas
    1. Belas recordações, Paula. E já agora, quuais são os restantes ocupantes do pódio?
      Um abraço

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    2. O Tintim e o Asterix... mas depois penso no Valerian ou no Viriato, na Mafalda e na Mônica, no Lucky Luke e no Alix, nos Peanuts e no Garfield e está cheia uma lista, rapidamente :)
      Bom fim de semana

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    3. Pois, não é nada fácil...
      Também para si

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