As
histórias aos quadradinhos têm uma tipologia que desde cedo foi
infringida: imagens sequenciais contando uma história mais ou menos
circunstancial, em que o discurso directo é reproduzido através de
filacteras, os ‘balões’ com um apêndice indicando o locutor.
Narrativas por imagens existem desde a Suméria, se não quisermos
porventura ir ainda mais longe, às cenas rupestres…, e filacteras,
pelo menos desde a Idade Média – mas só se pode falar
apropriadamente da existência da banda desenhada, quando esta ganhou
uma dupla realidade, editorial e social, com a sua difusão através
da imprensa, no século XIX. O cartoon poderá, eventualmente, ser
considerado como um subgénero, ou não. Há argumentos para ambas as
posições, que se deixam aos teóricos, não sem lembrar que uma
série tão emblemática como Príncipe Valente,
de Harold Foster, não tem filacteras, tal como não é raro
verificar-se num gag ou numa tira a ocorrência de uma única
vinheta, em que o talento do autor aí concentra tudo o que pretendeu
dizer. Assim o cartoon.
Interessa
é justificar que para nós faz sentido a presença dos cartoons de
Stuart Carvalhais (Vila Real, 1887- Lisboa, 1961), numa rubrica de
BD, tanto mais que se trata do pioneiro da 9.º Arte em Portugal, com
as aventuras de Quim e Manecas (1915), além de muitas outras áreas
em que aplicou o seu extraordinário talento, da pintura (Jazz,
da Colecção de Arte Moderna da Gulbenkian) ao cartaz (o
Fado, enfiado nas mãos dos
turistas, que nunca saberão quem foi o Stuart), da ilustração ao
design gráfico: são suas as capas de dois grandes romances
portugueses da década de 1920: Andam Faunos pelos Bosques
(1926), de Aquilino Ribeiro e
Emigrantes (1928), de
Ferreira de Castro.
A
Batalha, jornal diário da
Confederação Geral do Trabalho (CGT), foi fundado em 1919, e chegou
a ser o terceiro com maior difusão nacional, depois do Diário
de Notícias e de O
Século. Em 1923 lançou um
suplemento literário, que saía todas as segundas-feiras, por forma
a dar o descanso dominical aos tipógrafos. Ali escreveu o escol do
publicismo anarquista do tempo, parte do qual estará na génese do
histórico semanário O Diabo,
em 1934.
A
traço rápido e contorno grosso, estes desenhos de Stuart estão
dentro do espírito do jornal, feito por trabalhadores, para
trabalhadores e pelos trabalhadores; e o alvo era o sistema de poder:
a falcatrua financista, a amoralidade burguesa, e os seus
instrumentos: a cozinha política, a autoridade fardada e a Igreja,
com um humor umas vezes áspero, outras irónico. E uma impressiva
atenção aos ‘humilhados e ofendidos’, expressão que tanto
enfado causa aos yuppies
e aos nenúfares das letras & das artes, à direita e à
esquerda.
Renda
Barata – e outros cartoons de Stuart Carvalhais n’A Batalha
apresentação
e notas de António Baião
edição:
A Batalha e Chili com Carne, 2019
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