domingo, 18 de abril de 2021

como se «Os Sobrinhos do Capitão» fizessem BD...



George e Harold tornaram-se melhores amigos no infantário. Um gostava de escrever, o outro de desenhar; e foi assim que criaram as histórias protagonizadas pelo Homem-Cão, para desgosto da Professora Construde, que detestava que as crianças perdessem tempo com comics. Mas o impulso para engendrar situações divertidas falava mais alto; além disso, segundo os próprios, não faziam histórias aos quadradinhos, mas romances gráficos, autoeditados na colecção “Contos Casa na Árvore”.

Acontece que os criadores são também elas criaturas de Dav Pilkey (Cleveland, 1966), o autor do Capitão Cuecas, que nos oferece histórias de imaginação desembestada e ultrafantasiosa, embora baseadas em experiência antiga de uma qualquer professora Construde... Quando o agente Knight e o cão polícia Greg são alvos de um atentado perpetrado pelo perverso gato Petey, e o médico no hospital verifica que a cabeça do homem e o corpo do cão estão inaproveitáveis, a “senhora enfermeira” larga um eureka que irá modificar para sempre a BD de polícias e ladrões, por todo o vasto mundo: cosendo-se a cabeça de um ao corpo do outro, dá-se a ocorrência de uma híbrida criatura fardada, que não fala, pois é cão, mas de vez em quando tem epifanias, deslindando casos, para desgosto dos criminosos, em especial Petey.

Enquadrado nos livros para crianças e recomendado pelo Plano Nacional de Leitura, o Homem-Cão é uma boa mistura de um humor à Bill Watterson (Calvin & Hobbes) ou até Charles Schulz (Peanuts), aliás aqui homenageado com uma citação – o Homem-Cão deitado a ler no cimo de uma casota, na conhecida posição de Snoopy –, com reminiscências anteriores, que recuam à absurdez de Pat Sulivan e Otto Messmer (o Gato Félix) ou de um Tex Avery (Pernalonga / Bugs Bunny e um longo etecetera). Se as crianças são um público-alvo natural, os paizinhos ou os avós que se nutriram na infância de historietas em forma de assim não darão o tempo por mal empregue se lhe pegarem, ou acompanharem os mais novos na leitura. A opção por um traço característico de um miúdo de cinco anos funciona maravilhosamente, até porque as histórias de George e Harold nunca cessam de surpreender-nos, pela forma ingénua com que as crianças vêem o mundo dos adultos. Nada ingénuo foi Dave Pilkey ao pôr-se na cabeça e no lápis destas figuras que inventou.

Com um prólogo e quatro narrativas, talvez a mais saborosa seja “Livra-nos Homem-Cão!”, em que Petey, criminoso de gadgets, encomenda uma tinta especial que apaga as letras dos livros, uma vez que o esperto homem-cão gosta de ler e a leitura será a razão por que no fim leva sempre a melhor sobre o gato. Para combater esse obstáculo à sua vida de crime, o gato chega à conclusão que se não houver mais livros para ler, as pessoas ficarão burras. Numa espécie de toque de Midas invertido, a burrice dos concidadãos torna-se de tal maneira avassaladora, que Petey acaba por tornar-se a primeira vítima e sendo, mais uma vez, detido pelo pulguento e peculiar polícia.


Homem-Cão

texto e desenhos: Dav Pilkey

edição: Marcador, 2.º edição, Lisboa, 2020

«Leitor de BD»

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