quarta-feira, 12 de maio de 2021

uma arqueologia do Zorro

 



Zorro, nome espanhol para raposo, bicho astuto, é uma personagem criada por Johnston McCulley (1883-1958), surgido em 1919 na revista pulp All-Story Weekly, inspirada noutra figura embuçada, o Pimpinela Escarlate, gentleman inglês que salvava nobres franceses da guilhotina, durante a Revolução – criação da Baronesa Orczy em 1903 –, e em Joaquín Murieta (1829-1853), bandoleiro ou resistente ao domínio gringo da Califórnia, integrada nos Estados Unidos, a partir de 1848. A carreira é longa no cinema, na televisão e, obviamente, nos quadradinhos, através de uma multidão de desenhadores e argumentistas, como Warren Tufts, autor dos westerns Casey Ruggles e Lance, e Alex Toth, um dos criadores de Torpedo, esplêndida série noire. Por cá, Zorro chegava-nos dentro dos Patinhas, também com o concurso de autores do Brasil, argumentos de Ivan Saidenberg, o criador do Morcego Vermelho, e Primaggio Mantovi, autor de uma notável série humorística sobre o circo, Sacarrolha. e desenhos de Walmir Amaral e Rodolfo Zalla.

Don Diego de La Vega é filho de um grande proprietário na Califórnia espanhola. Mantendo um perfil discreto de dândi despreocupado e até cobarde, esconde a identidade secreta de um justiceiro mascarado, atlético e exímio no uso da espada, pistolas e chicote. Vestido de negro e com um cavalo do mesmo tom, “Tornado”, parece figura satânica pondo em sentido a guarnição de lanceiros do rei de Espanha aquartelada em Los Angeles, chefiadas pelo pérfido Capitão Monastério, oprimindo o povo miúdo com exacções de impostos e brutalidades várias. Don Alejandro, o pai, Bernardo, criado mudo, e o pitoresco Sargento García, o melhor amigo de Diego que odeia o Zorro, fazem o elenco principal desta espécie de Batman/Bruce Wayne avant-la-lettre, cuja marca não é um morcego projectado ao luar, mas um Z golpeado a lâmina na farda, quando não no rosto dos contendores...

Em Don Vega, o francês Pierre Alary (1970) avança no tempo histórico, mas recua no da narrativa, milagres da ficção. Estamos já numa Califórnia pós-mexicana, em que as vastas terras dos Vega foram tomadas por um Capitão Gomez, explorando os homens dos povoados abrangidos no trabalho das minas, mancomunado com um ex-militar, Borrow, antigo mestre de esgrima de Don Vega. Este é chamado de Espanha pelo padre, afim de acorrer à situação calamitosa da família e do povo. Aí chegado, vai encontrar um território dominado pelo terror, em que os populares alimentam uma crença salvífica numa personagem lendária a que chamam Zorro, defensor dos fracos e oprimidos, mito que Don Vega irá corporizar. Não é, pois, ainda o Zorro que conhecemos. Um álbum com bons achados, uma montagem dinâmica, com recurso generoso a grandes vinhetas, nas suas 89 pranchas, e uma boa opção pelos tons amarelados e azuis para cenas diurnas e nocturnas, de acordo com a aridez do meio. Só é pena Alary, ali ao lado de Espanha, não saber que Don é um tratamento distintivo nos países de língua castelhana aplicado ao nome próprio e não ao apelido.


Don Vega

Texto, desenhos e cores: Pierre Alary

edição: Dargaud, Paris, 2020

«Leitor de BD»

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