Duas órbitas vazadas miram-nos (!), na primeira vinheta... Tons escuros e um azul cinza por detrás, compõem a impressão soturna que nos é oferecida. O plano vai-se abrindo nos quadradinhos seguintes, mostrando num pardieiro, paredes de pedra musgosas e um raio de luz invadindo o espaço por uma janela diminuta. Aquelas órbitas pertenciam a uma foca cuja pele se dependura nas estacas interiores. Ao fundo, uma jaula onde se vislumbra um vulto humano acocorado. É Leuve, filha de Thorgal Aergison, raptada por marinheiros-comerciantes das Ilhas Ferozes – também conhecidas por Faroé –, situadas entre a Escócia e a Islândia.
Na prancha 04, em analepse, Thorgal olha embevecido a graça da filha, muito jovem adolescente caminhando rapidamente para mulher. Ao 38.º álbum, este falso víquingue goza o prazer da família reunida, ao fim de mil-e-uma peripécias a que vimos assistindo, desde que em 1977 se estreou nas páginas da revista Tintin, com desenhos de Grzegorsz Rosínski e argumento de Jean Van Hamme. Na prancha 08, uma vinheta de margem a margem mostra-nos Thorgal de semblante carregado ao comando de um knörr, no Mar do Norte, no encalço – na companhia do filho, Jolan – da filha, que já sabe estar nas mãos de Grimur, chefe da aldeia de Mikladalur, na ilha de Kolsoy. Entra então na narrativa lenda da mulher-foca, a sélquia: a uma data certa, as sélquias saíam do mar à noite, despiam as peles de foca e dançavam nuas, revelando esplêndidos corpos femininos. Um pescador escondido, que desviara a pele de uma delas, impedindo-a assim de regressar ao mar, leva-a para casa, tornando-a sua mulher, até um dia em que esta ela encontra a pele e foge. No seu habitat forma a família, que será destruída pelos habitantes de Mikladalur, numa surtida às focas. A vingança da sélquia é terrível, e uma maldição atrai os homens para os penhascos, lançando-os depois ao mar e à morte. Nem a construção de uma gigantesca estátua em bronze consegue desfazer a praga. Ao contrário, os barcos atraídos por um remoinho desfazem-se contra as rochas. Por isso, na época de acasalamento, os habitantes de Kalsoy, procedem ao massacre de todas as focas, esperando acabar com aquele sacrifício de homens. Thorgal e Jolan, logram contudo transpor a passagem guardada pela sélquia de bronze, e quando chegam a Mikladalur vêm a água do mar tingida de vermelho.
O engenho de Van Hamme, a mestria de Rosínski e o encontro da história com o maravilhoso das lendas nórdicas – a história encerra com os corvos de Odin, Huginn e Muninn, que informam o deus dos passos do protagonista – e um pouco de ficção científica, fez de Thorgal uma das séries mais populares da BD. Van Hamme largou-a em 2006, passando por Yves Sente, Xavier Dorison e Yann, a nata dos argumentistas actuais. Rosínski, fará o mesmo dez anos mais tarde, entregando a sua personagem a Fred Vignaux, não deixando, contudo, de supervisionar o trabalho do continuador.
Thorgal – La Selkie
texto: Yann
sesenhos: F. Vignaux
edição: Le Lombard, Bruxelas, 2020
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