quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

cidadão Talon


De indumentária fora de moda, a que não falta chapéu, laço-borboleta e bengala, conduzindo um Achilles modelo1908, ventrudo, careca e com um nariz fenomenal, Achille Talon é o que se chama um cromo, características que herdou do pai, apesar de tudo mais distendido e grande bebedor de cerveja. Quando vê um antigo colega, é incapaz de dizer “Há quanto tempo!”. Um cumprimento para esta personagem consiste sempre num pequeno tratado: “Meu velho companheiro de escola, de quem a bifurcação das nossas admiráveis vidas de labor me separou tanto tempo!»... Talon não sabe falar de outro modo: uma colina nunca é um apenas um outeiro, mas “um pequeno monte de matéria carbonífera que resultou dos movimentos que agitam o nosso planeta há uns escassos 280 milhões de anos...” O seu discurso rendilhado é objecto de estudo e teses universitárias, bem como a destreza dos trocadilhos, a começar pelo próprio nome, uma guinada na expressão “calcanhar de Aquiles”, que começa no próprio lettering da série, ACH!LLE.

O impecável e perfunctório Achille Talon está, no seu pernosticismo, para a redacção da revista Pilote (que nos gagues aparece como “Polite”), como Gaston Lagaffe, de Franquin, no proverbial desmazelo criativo que lhe assiste, para o semanário Spirou: sem eles, levando directores e chefes-de redacção ao limiar do enfarte do miocárdio, aquilo não passaria de um escritório aborrecido. Goscinny, que dirigia a redacção da Pilote, surge sempre apopléctico, com os dentes cerrados e a espumar.

Tal não sucede no livrinho de hoje, assim como não teremos o prazer de vislumbrar a noiva, Virgule de Guillemets. As Férias de Achille Talon, edição original de 1977, é uma compilação de gagues, que na maioria decorrem num parque de campismo popular e no qual Chichille (como lhe chama o pai) encontra o marquês Constant d'Anlayreur (ou seja, constant dan l'érreur, o que em tradução literal poderia dar algo como “persistente na asneira”, mas que o tradutor anónimo optou, e bem, por um Constante d'Herros. A ânsia de impressionar o pobre marquês, que é um marquês pobre, origina uma série de páginas divertidas. Em alternativa, surge o vizinho Hilarion Lefuneste, com uma loquacidade de surdo-mudo, com quem o nosso anti-herói gosta de implicar.

Criado em 1963 por Greg (1931-1999), um dos grandes argumentistas da BD franco-belga – Bernard Prince, a pura aventura (com Hermann), Bruno Brazil, o thriller de espionagem no tempo da Guerra Fria (com William Vance), Comanche, um western excepcional (de novo com Hermann), Luc Orient, ficção-científica (com Eddy Paape), entre outras, este exímio efabulador aventurou-se também pelo humor retomando Zig e Puce, de Alain Saint-Ogan, ou Clorofila, de Raymond Macherot ambos com o traço de Dupa, o criador do cão Cubitus. Com Achille Talon, Greg mostrou ser também um desenhador inventivo e, por conseguinte, um autor de BD completo.


As Férias de Achille Talon

texto e desenhos: Greg

edição: Meribérica, Lisboa, s.d.

«Leitor de BD»

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