quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

leituras de meio ano


Fim de ano, tempo de balanço a propósito dos 40 livros de que falámos aqui, desde Julho. Se sobre a Bdteca não há grande coisa a dizer, a não ser lembrar autores e personagens, de Tintin a Batman, de Will Eisner a Tardi, não nos vamos eximir a assinalar o que mais nos impressionou. Mais e melhor, já que a grande vantagem de não ser crítico é a de escrever sobretudo a propósito do que se gosta. «Leitor de BD», foi a designação que propusemos para estas crónicas de impressões subjectivas, com o lastro de mais de meio século de convívio, desde as tiras do Professor Nimbus no saudoso Diário de Lisboa, e de uns patos que ainda hoje podem ser companhia, depende de quem os trace.
Na BD de expressão portuguesa, elegemos como melhor livro O Coleccionador de Tijolos, de Pedro Burgos (Chili com Carne), esplêndida harmonia entre texto e desenhos, parábola de um país ultrajado entre a mentalidade troikista da pobreza e o recurso impudente ao dinheiro fácil, mesmo que tudo seja para arrasar. O desenho é soberbo em todas as suas dimensões, traço e plano em prancha; a edição cuidada faz jus ao que publica, Salientamos ainda Filhos do Rato, de Luís Zhang e Fábio Veras (Comic Heart e G. Floy Studio), o escaranfuchar nas cicatrizes e nos traumas da Guerra Colonial, escrito e traçado com sangue por quem nem era nascido quando ela terminou, sem dúvida um dos livros do ano; Entre Cegos e Invisíveis, de André Diniz (Polvo), uma esplêndida narrativa de estrada, cheia do insólito que ela pede, num Brasil que teima em desencontrar-se; Conversas com os Putos e com os Professores Deles, de Álvaro (Insónia), ou a saga de ser-se profe de geometria descritiva quando a vida a todos faz tangentes.
Quanto à BD estrangeira,uma escolha cem por cento franco-belga. Spirou – L'Espoir Malgré Tout – 1. Un Mauvais Départ, de Émile Bravo (Dupuis) – ou a audácia de empreender a releitura de uma personagem canónica da BD europeia, num trabalho surpreendente e de largo fôlego, e cuja continuação aqui acompanharemos. Duke – Sou uma Sombra, de Yves H. e Hermann (Arte de Autor), este um dos maiores nomes da BD em todas as latitudes, num formidável western, género sempre em reinvenção; tal como Undertaker – 1. O Devorador de Ouro, de Xavier Dorison, Ralph Meyer e Caroline Delabie, tanto um como outro, personagens em busca de si próprios. A lista termina com o volume I de O Diário de Esther – Histórias dos Meus 10 Anos, de Riad Sattouf (Gradiva), excelente descoberta que é um desafio, o acompanhar de toda a adolescência de uma criança com empatia e humor, além disso trazendo inovações formais, marca de um autor de excepção.
A melhor capa: a majestade do desenho de Roberto Gomes, em Mar de Aral (G-Floy Studio e Comic Heart), com texto de José Carlos Fernandes, trabalho que ganha ainda mais consistência após a leitura desta fantástica narrativa curta.

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