Mickey é fruto de um
desaire. O estúdio de animação de Walt Disney (1901-1966)
produzia, desde 1927, para a Universal, os desenhos animados do
Coelho Osvaldo. Um diferendo fez com que Walt perdesse os direitos
sobre a personagem, que foi entregue a Walter Lantz (1899-1994), o
futuro criador de Woody Woodpecker (o Pica-Pau).
Ub
Iwerks (1901-1971), que estivera também na criação do coelho, dá
o lápis a um rato imaginado por Disney, estreando-se em 1928 nos
cinemas com a curta-metragem Plane Crazy.
Um sucesso retumbante teria de levar Mickey aos comics,
tal como sucedera já com outro clássico, o Gato Félix – criado
em 1919 por Pat Sullivan e Otto Messmer –, então mais célebre.
Tanto, que Monteiro Lobato fá-lo aparecer numa história do Sitio
do Pica-Pau Amarelo, em 1928, e,
no ano seguinte, Almada Negreiros executa um baixo-relevo que hoje
pode ser visto no Centro de Arte Manuel de Brito, em Algés.
Desafiados pela
King Features Syndicate, os criadores asseguram as primeiras tiras,
mas cedo passam a tarefa a Floyd Gottfredson (1905-1986). Com ele,
Mickey transforma progressivamente uma personagem cómica num
carácter melhor delineado, herói íntegro cuja idealização já
foi observado dever-se a uma ética mormon, religião professada por
Floyd. Este não apenas marcou a indelevelmente a série, na qual
trabalhou 45 anos, como criou algumas personagens marcantes:
Chiquinho e Francisquinho, Esquálidus, o Prof. Gavião e, maxime,
o Mancha Negra, entre outros.
O
livro de hoje traz-nos três histórias: O Covil de Wolf
Barker (1933) é a primeira
narrativa de largo fôlego deste rato boa-praça, em co-autoria, no
argumento, de Ted Osborne (1900-1968). Ausente no estrangeiro,
Mortimer, tio de Minnie, pede a Mickey que tome conta do seu rancho
no Oeste, onde cria cabeças de gado. O convite é acolhido com
entusiasmo pelo casal de ratos e seus amigos: Horácio e Clarabela, a
que se junta o Pateta, ainda muito incipiente e secundário, pois
fora criado no ano anterior, ainda sem direito ao nome original,
Goofy, mas a um igualmente cómico “Dippy Dawg”, um e outro
salientando o carácter trapalhão desta personagem, futuro
super-herói de capa e pijama, graças a uns super-amendoins...
História movimentada, em que Mickey tem de haver-se com um ladrão
de gado, o desenho é muito tributário das figuras arredondadas dos
filmes de animação; um prazer retro,
nomeadamente os muitos cavalos caprichosos desta coboiada...
Entremeado
por uma curta história de uma página, segue-se Os
Sobrinhos do Mickey, de 1932,
sucessão de gags de cortar a respiração, em que Chiquinho e
Francisquinho estão longe de ter o carácter atilado que viríamos a
conhecer. Uma nota curiosa: a arte-final foi feita por Al Taliaferro
(1905-1969), que cinco anos mais tarde, com Ted Osborne, irá criar
os sobrinhos do Donald, inspirando-se nestes de Mickey. E serão os
do pato, e não os do rato, que ganharão o epíteto de sobrinhos
por antonomásia...
Mickey
– O Covil de Wolf Barker
textos: Floyd
Gottfredson e Ted Osborne
desenhos: Floyd
Gottfredson
edição: Abril
Morumbi, Algés, 1990
«Leitor de BD», jornal i
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