domingo, 24 de maio de 2020

«O Covil de Wolf Barker»

Mickey é fruto de um desaire. O estúdio de animação de Walt Disney (1901-1966) produzia, desde 1927, para a Universal, os desenhos animados do Coelho Osvaldo. Um diferendo fez com que Walt perdesse os direitos sobre a personagem, que foi entregue a Walter Lantz (1899-1994), o futuro criador de Woody Woodpecker (o Pica-Pau).
Ub Iwerks (1901-1971), que estivera também na criação do coelho, dá o lápis a um rato imaginado por Disney, estreando-se em 1928 nos cinemas com a curta-metragem Plane Crazy. Um sucesso retumbante teria de levar Mickey aos comics, tal como sucedera já com outro clássico, o Gato Félix – criado em 1919 por Pat Sullivan e Otto Messmer –, então mais célebre. Tanto, que Monteiro Lobato fá-lo aparecer numa história do Sitio do Pica-Pau Amarelo, em 1928, e, no ano seguinte, Almada Negreiros executa um baixo-relevo que hoje pode ser visto no Centro de Arte Manuel de Brito, em Algés.
Desafiados pela King Features Syndicate, os criadores asseguram as primeiras tiras, mas cedo passam a tarefa a Floyd Gottfredson (1905-1986). Com ele, Mickey transforma progressivamente uma personagem cómica num carácter melhor delineado, herói íntegro cuja idealização já foi observado dever-se a uma ética mormon, religião professada por Floyd. Este não apenas marcou a indelevelmente a série, na qual trabalhou 45 anos, como criou algumas personagens marcantes: Chiquinho e Francisquinho, Esquálidus, o Prof. Gavião e, maxime, o Mancha Negra, entre outros.
O livro de hoje traz-nos três histórias: O Covil de Wolf Barker (1933) é a primeira narrativa de largo fôlego deste rato boa-praça, em co-autoria, no argumento, de Ted Osborne (1900-1968). Ausente no estrangeiro, Mortimer, tio de Minnie, pede a Mickey que tome conta do seu rancho no Oeste, onde cria cabeças de gado. O convite é acolhido com entusiasmo pelo casal de ratos e seus amigos: Horácio e Clarabela, a que se junta o Pateta, ainda muito incipiente e secundário, pois fora criado no ano anterior, ainda sem direito ao nome original, Goofy, mas a um igualmente cómico “Dippy Dawg”, um e outro salientando o carácter trapalhão desta personagem, futuro super-herói de capa e pijama, graças a uns super-amendoins... História movimentada, em que Mickey tem de haver-se com um ladrão de gado, o desenho é muito tributário das figuras arredondadas dos filmes de animação; um prazer retro, nomeadamente os muitos cavalos caprichosos desta coboiada...
Entremeado por uma curta história de uma página, segue-se Os Sobrinhos do Mickey, de 1932, sucessão de gags de cortar a respiração, em que Chiquinho e Francisquinho estão longe de ter o carácter atilado que viríamos a conhecer. Uma nota curiosa: a arte-final foi feita por Al Taliaferro (1905-1969), que cinco anos mais tarde, com Ted Osborne, irá criar os sobrinhos do Donald, inspirando-se nestes de Mickey. E serão os do pato, e não os do rato, que ganharão o epíteto de sobrinhos por antonomásia...

Mickey – O Covil de Wolf Barker
textos: Floyd Gottfredson e Ted Osborne
desenhos: Floyd Gottfredson
edição: Abril Morumbi, Algés, 1990
«Leitor de BD», jornal i

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