segunda-feira, 11 de maio de 2020

Lou Velvet

Com um ar nonchalant, óculos escuros, barba de três dias, cigarro ao canto da boca, raciocínio rápido, frases cortantes, Lou Velvet é um investigador privado nos quadradinhos deste país; nome de guerra de um indígena, que, a crer no próprio, em resposta repentista, bem pode encobrir a estrambótica identificação civil de Laudemiro Cebola, pouco consentânea com tão estilosa personagem. Estamos em crer que, apertado pela Judiciária, a boca ter-lhe-á fugido para a verdade, ou não fosse o criador (José Carlos Fernandes, Loulé, 1964) desta criatura um homem do Algarve, região que disputa com a Madeira o top de nomes inenarráveis da onomástica nacional... Laudemiro, pois, transmudado no fúlgido Lou Velvet, homenagem a Lou Reed (1942-2013), a quem dás ares, e aos Velvet Underground.

Tempos houve, antes da pandemia, em que os lugares turísticos ficavam às moscas durante a época baixa. Mesmo assim, o dono do Hotel Flor de la Mar, contrata o luzido Lou para garantir a segurança dos poucos hóspedes daquele hotel à beira-praia dum a estância balnear algarvia, não nomeada, mas, muito provavelmente, Quarteira. Tudo parecia prometer um tédio Covid-19, até chegar um grupo excursionista sénior de associados do Clube de Remo de Wilhelmshaven, velhotes pouco simpáticos sobre os quais recai, como maldição a cumprir-se, um assassino que paulatinamente vai eliminado-os. A PJ, aqui a fazer o papel de incompetente, toma-o por suspeito número um, num interrogatório em que, quem dispara provocações é o interrogado Lou. Este, felizmente, vê os pundonores desagravados pela perspicácia de detective que põe as mão na massa. O final não é surprendente, mas o relato termina em vinheta digna de outras personagens modelares, cujo perigo é também a sua profissão: Mortadelo e Salaminho...
Em “(À suivre)”, Lou é contratado para fazer a segurança de um festival de banda desenhada. Vêmo-lo, profissional brioso, aprofundando os seus conhecimentos da matéria, folheando um volume de “Le Déclic”, dum tal Marara. Aliás, Fernandes dá aqui vazão ao gosto de brincar com nomes e palavras: de Moelius – quem não o conhece? – a personagens como o Senúpe, Capitão Kadok, R. G. Tantan Michel Vilain ou Raspa arqui-inimigo de um célebre marinhairo de La Valetta. A verdade é que Lou falha redondamente a missão que lhe foi confiada: diante dos nossos olhoos pasmos, desfilam os cadáveres assassinados de Tintin, Spirou, Michel Vaillant, Obélix, Lucky Luke, Castafiore grita e parte a loiça, até que é demascarado um célebre rato, que não é o Mickey, vingando a rendição de personagens outrora dignos aos ditames dos mercados, esses vilões da vida real. Mas, felizmente, tudo fora um sonho induzido por uma botelha de 'jack daniels'. Tudo acaba bem? Não! Enquanto Lou se cozia de onirismos, oito “valiosíssimas pranchas de 'Histrix, o gaulês'” haviam sido roubadas. Má sorte de Laudemiro. Mas, se não foi o Mickey, quem foi assassino? Mire-se a vinheta lá em cima…

Lou Velvet em Época Morta e (À Suivre)
texto e desnhos: José Carlos Fernandes
Edições Polvo, Lisboa, 1997

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