Com um ar nonchalant,
óculos escuros, barba de três dias, cigarro ao canto da boca,
raciocínio rápido, frases cortantes, Lou Velvet é um investigador
privado nos quadradinhos deste país; nome de guerra de um indígena,
que, a crer no próprio, em resposta repentista, bem pode encobrir a
estrambótica identificação civil de Laudemiro Cebola, pouco
consentânea com tão estilosa personagem. Estamos em crer que,
apertado pela Judiciária, a boca ter-lhe-á fugido para a verdade,
ou não fosse o criador (José Carlos Fernandes, Loulé, 1964) desta
criatura um homem do Algarve, região que disputa com a Madeira o top
de nomes inenarráveis da onomástica nacional... Laudemiro, pois,
transmudado no fúlgido Lou Velvet, homenagem a Lou Reed (1942-2013),
a quem dás ares, e aos Velvet Underground.
Tempos
houve, antes da pandemia, em que os lugares turísticos ficavam às
moscas durante a época baixa. Mesmo assim, o dono do Hotel Flor de
la Mar, contrata o luzido Lou para garantir a segurança dos poucos
hóspedes daquele hotel à beira-praia dum a estância balnear
algarvia, não nomeada, mas, muito provavelmente, Quarteira. Tudo
parecia prometer um tédio Covid-19, até chegar um grupo
excursionista sénior de associados do Clube de Remo de
Wilhelmshaven, velhotes pouco simpáticos sobre os quais recai, como
maldição a cumprir-se, um assassino que paulatinamente vai
eliminado-os. A PJ, aqui a fazer o papel de incompetente, toma-o por
suspeito número um, num interrogatório em que, quem dispara
provocações é o interrogado Lou. Este, felizmente, vê os
pundonores desagravados pela perspicácia de detective que põe as
mão na massa. O final não é surprendente, mas o relato termina em
vinheta digna de outras personagens modelares, cujo perigo é também
a sua profissão: Mortadelo e Salaminho...
Em
“(À suivre)”, Lou é contratado para fazer a segurança de um
festival de banda desenhada. Vêmo-lo, profissional brioso,
aprofundando os seus conhecimentos da matéria, folheando um volume
de “Le Déclic”, dum tal Marara. Aliás, Fernandes dá aqui vazão
ao gosto de brincar com nomes e palavras: de Moelius – quem não o
conhece? – a personagens como o Senúpe, Capitão Kadok, R. G.
Tantan Michel Vilain ou Raspa arqui-inimigo de um célebre marinhairo
de La Valetta. A verdade é que Lou falha redondamente a missão que
lhe foi confiada: diante dos nossos olhoos pasmos, desfilam os
cadáveres assassinados de Tintin, Spirou, Michel Vaillant, Obélix,
Lucky Luke, Castafiore grita e parte a loiça, até que é
demascarado um célebre rato, que não é o Mickey, vingando a
rendição de personagens outrora dignos aos ditames dos mercados,
esses vilões da vida real. Mas, felizmente, tudo fora um sonho
induzido por uma botelha de 'jack daniels'. Tudo acaba bem? Não!
Enquanto Lou se cozia de onirismos, oito “valiosíssimas pranchas
de 'Histrix, o gaulês'” haviam sido roubadas. Má sorte de
Laudemiro. Mas, se não foi o Mickey, quem foi assassino? Mire-se a
vinheta lá em cima…
texto e desnhos: José Carlos Fernandes
Edições Polvo, Lisboa, 1997
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