Por
suposta previsibilidade ou viver pouco suportável e inquietante
ansiedade, a realidade parece ser algo que não se nos adequa: das
cosmogonias genesíacas aos mitos fundadores, das ilhas maravilhosas
aos universos alternativos – o que é a Utopia,
de Thomas Moore senão uma e outra coisa? –, o homem nunca se
resignou aos limites impostos pela natureza e pelas circunstâncias.
O livro de hoje, Pandemonium à Paragusa,
que dá início às deambulações de duas novas personagens, Colt &
Pepper, situa-nos numa remota América do século XVII, e pertence
ao subgénero do maravilhoso com enquadramento histórico. A terra
fora colonizada por estranhas criaturas, vindas não se sabe bem de
que universo, muitas antropomórficas, outras com as suas
características próprias, mas a convivência de todos faz-se
naturalmente.
Samuel
Culpepper, “Pepper” para os amigos, é o capitão da guarda em
Paragusa. Militar maduro à beira de gozar as delícias da
aposentação, chefia as forças que protegem Domiciano, o “jovem
duque”, que ajudou a elevar ao poder, destronando o “velho
duque”. Mas há contestação e Pepper vê-se metido numa terrível
encrenca quando percebe que Coltrayne, filho de sua irmã, é um dos
jovens que se rebelam e pedem a cabeça do duque, auxiliados por
Ossus, o feiticeiro mais poderoso daquelas paragens. Evocando a
memória familiar, Pepper não hesita em salvar o sobrinho, pondo-se
fora da lei, a escassos dias da sonhada reforma. O álbum, primeiro
de uma série, decorre em três partes: das ruas, masmorras e salões
de Paragusa, a uma taberna frequentada por gente do mar, na aldeia
piscatória de Reed Cove, culminando no Bois de Bouleaux,
ou bosque das bétulas, onde é possível encontrar as almas dos que
já morreram. (Os bosques foram sempre tidos, nos tempos
pré-modernos, como lugares ameaçadores, coio de marginais, bruxas,
monstros e outras criaturas estranhas, lembremos os Irmãos Grimm…)
Para franquear a entrada, há que responder a um enigma do guardião,
resposta que terá de ser aprovada pelo irmão – uma criatura de
pesadelo que lhe está colada às costas.
Os
autores, a dupla croata Darko Macan (Zagreb, 1966) e Igor Kordej
(Zagreb, 1957), têm incursões bem sucedidas nos comics (do Incrível
Hulk ao Pato Donald, de Tarzan a Star Wars).
Na frente franco-belga, Macan e Kordej assinam também um western,
Marshal Bass, igualmente
publicado pela Delourt.
Tratando-se de uma
série, diremos apenas que o argumento de Macan se apresenta com os
ingredientes do maravilhoso: lugares malditos, lugares mágicos,
lugares comuns... numa narrativa em que homens e criaturas de todas
as formas interagem. O traço de Kordej espalha-se por mil e um
pormenores e torna-se deleitoso de ver num splash (prancha com
uma só vinheta), recurso utilizado para a abertura de cada um dos
capítulos: exímio como fisionomista, inventivo e generoso no
detalhe.
Colt
& Pepper – Pandemonium à Paragusa
texto: Darko
Macan
desenho: Igor
Kordej
edição:
Delcourt, Paris, 2020
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