“Magalhães é um enigma. É um dos maiores exploradores de todos os tempos, revolucionou a navegação mundial, e no entanto ninguém conhece a sua vida.” Assim escreve Christian Clot, explorador suíço (Neuchâtel, 1972) e argumentista de Magalhães – Até ao Fim do Mundo. A morte, às mãos de indígenas nas Filipinas, impediu que concluísse a viagem que acalentara durante anos, e que, no entanto, não lha puderam roubar, graças a Maximiliano Transilvano, que entrevistou os 18 sobreviventes dos 239 tripulantes iniciais da viagem de circum-navegação (1519-1522), e a Antonio Pigafetta, que a bordo anotou criteriosamente os sucessos da expedição.
Membro da pequena nobreza nortenha, sabemos que esteve no Oriente, primeiro sob o comando de D. Francisco de Almeida, depois de Afonso de Albuquerque, tomando parte em várias refregas militares, como as conquistas de Diu e Malaca. Em Lisboa conhece Rui Faleiro, cosmógrafo que virá a ser o organizador da empresa, sem nela, contudo, participar. Magalhães estivera envolvido em várias questões conflituais, na Índia, em Marrocos e também por cá. O crédito que dispunha junto de D. Manuel I não era grande, e à proposta que lhe fizera podia o rei dar de ombros: que a terra era redonda, já Pitágoras o aventara, e outros depois dele, apesar de nunca comprovado; mas que interessava ao rei chegar às Molucas por Ocidente, se as suas naus por lá navegavam? A questão é que as Molucas se situavam no lado espanhol do meridiano de Tordesilhas; e se Carlos V não poderia lá chegar pelos mares que os portugueses dominavam, a verdade é que se pudesse lá ir ter por uma passagem no sul da América – o futuro Estreito de Magalhães –, também o imperador podia podia aceder às cobiçadas especiarias que fizeram dos reis portugueses do século XVI uma espécie de nababos do Ocidente.
O interesse na narrativa de Clot reside no que não se sabe de certeza certa. Em lado nenhum vem escrito que Magalhães pretendera ser o primeiro homem a dar a volta ao mundo, mas para Clot o navegador não era uma espécie de caixeiro-viajante expedito, em busca de riqueza. A sua tese é a de que Magalhães tinha um desígnio e que a conversa de ir no encalço das especiarias serviu de engodo para tornar o projecto atractivo pelos potenciais proventos. E Carlos V não era parvo. O historiador e matemático Luís de Albuquerque (1917-1992), sempre rigoroso com as prosápias na historiografia dos Descobrimentos, admite claramente que Magalhães tinha um plano. Mas Clot marca ainda mais um ponto, que está no domínio da ficção, embora seja plausível: como morreu Magalhães? A resposta que nos dá é surpreendente e credível, mas nunca será demonstrável.
O trabalho de Thomas Verguet e Bastien Orenge é limpo, ganhando especial interesse nas cenas de navegação. A última prancha, o funeral do navegador sob o efeito da chuva forte, é particularmente boa.
Magalhães – Até ao Fim do Mundo
texto: Christian Clot
desenhos: Thomas Verguet e Bastien Orenge
edição: Gradiva, Lisboa, 2018
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