sexta-feira, 18 de junho de 2021

um azul mais escuro


 

Willy Lambil desenha vagarosamente , nos seus 85 anos, o 64.º tomo dos Túnicas Azuis, série semi-humorística passada durante a Guerra da Secessão americana. Estreou-se ao quinto, após a morte prematura de Salverius, em 1972. O vagar não será tanto causado pela idade, antes algum desalento por saber que Raoul Cauvin – a escrever as histórias desde 1968 – decidiu-se suficientemente tirocinado em cargas de cavalaria, e achou por bem parar. A Dupuis não estava disposta a perder uma das suas âncoras (20 milhões de exemplares vendidos), e entrega o álbum seguinte a um trio: o casal BéKa (Caroline Roque e Bertrand Escaich), argumentistas de Champignac, e o desenhador espanhol (e aqui também co-argumentista) José Luis Munuera, um dos actuais autores de Spirou, e também doutra série paralela ao universo do groom, Zorglub. A demora de Lambil fez com que o tomo 65 tenha avançado antes do anterior.

O argumento é rico, equilibrando a natureza híbrida e sem-realista da série. O substrato, sendo humorístico, nunca poderia sê-lo totalmente (estamos numa guerra, apesar de tudo), como, de resto, já acontecia com Cauvin. A intenção anti-racista e antimilitarista está como deve estar; e, neste tempo cacofónico, ideal para fazer passar manipulação e propaganda por informação, os autores foram buscar a personagem real de William Howard Russell (1820-1907), considerado o primeiro repórter de guerra, cobrindo conflitos como a Guerra da Crimeia e a Comuna de Paris. Russell é enviado especial do Times ao lado ianque, que espera boa imprensa para a nobre causa do antiesclavagismo. Escoltam-no os protagonistas, o sargento Chesterfield e o cabo Blutch, este, um misto de Quixote e Sancho, antimilitarista e matreiro, aquele, no fundo uma boa alma por vezes embriagada pelo brilho dos galões (não muito) superiores. O problema surge quando o comando nortista descobre, escarrapachado no jornal inglês, que não há assim tanta grandeza na guerra e que a miséria humana também mostra o focinho no lado dos libertadores. Se o papel de anfitriões impede a neutralização do repórter afinal abelhudo, ao mesmo não está obrigado o lado confederado... Com esta trama cruza-se a de Daisy, filha de um pastor severo, levada a casar com um herdeiro rico de uma plantação, quando está apaixonada por Jim, filho dos escravos do pai. Já casada, fogem ambos, arranjando guarida num asilo para órfãos de guerra. Daisy agora esposa adúltera e trânsfuga; Jim, à mercê do castigo que impende sobre os fugitivos, se apanhado.

Munuera, se por um lado respeita a tradição de Lambil no que respeita a Blutch e Chesterfield, nas passagens tensas e dramáticas de Daisy o registo torna-se mais realista e sombrio. E há ainda uma inspiração em Morris, os oficiais dos estados-maiores militares, e uma brincadeira com Cauvin e Lambil, eles próprios retratados, com uma piscadela de olho aos autores intrusos... Um álbum esplêndido, à espera de edição portuguesa.


Les Tuniques Bleues #65. L'Envoyé Spécial

texto: BéKa e Munuera

desenhos: Munuera

edição: Dupuis, Charleroi, 2020

«Leitor de BD»

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