Quando atravessamos
talvez o melhor momento de sempre da BD portuguesa, pela profusão e
qualidade de desenhadores e argumentistas, é de elementar justiça
lembrar aqui o último abencerragem dos tempos heróicos das
histórias aos quadradinhos nacionais: José Ruy (Amadora,
1930), das páginas de O Papagaio, O Mosquito,
Cavaleiro Andante, Tintin, Spirou – até hoje.
Apaixonado pela História e pela sua divulgação, não por acaso, a
principal personagem que criou é o navegador Porto
Bomvento, a singrar pelos cinco cantos do globo; e dois dos
seus trabalhos mais marcantes resultem das adaptações em banda
desenhada da Peregrinação,
de Fernão Mendes Pinto e Os Lusíadas,
de Luís de Camões, a que podemos acrescentar as muitas monografias
sobre cidades e vilas do país, sem esquecer as várias biografias,
de Charles Chaplin a Dimitrov, reveladoras desse interesse. No campo
humorístico, o artista deu o seu contributo na que foi talvez a
melhor revista que por cá se publicou, o semanário Tintin.
Quem lhe percorreu as páginas, decerto não esquece a dupla de
repórteres Clique e Flash
deambulando pela redacção do hebdomadário, caricaturando com
imensa graça quem a produzia semanalmente, em especial Dinis Machado
e Vasco Granja, que nela tiveram influência decisiva.
Se
o crowdfunding é uma prática normalizada pela
comunicação das redes sociais, com A Ilha do Corvo que Venceu os
Piratas (Âncora Editora, 2018), José Ruy tornou-se
pioneiro do que poderemos chamar croudwriting, uma vez que a
narrativa teve a participação activa dos corvinos, na composição
deste relato de história antiga. No século XVII, aquela população
isolada fez frente, com êxito, a um ataque duma frota de dez
embarcações de piratas barbarescos – assim eram chamados os
salteadores marítimos baseados em Argel e em Túnis –, que
frequentemente empreendiam razias nas ilhas e no continente, em
especial no Algarve, saqueando e fazendo cativos, vendidos nos
mercados de escravos do Norte de África.
A
narrativa parece seguir de perto as fontes documentais de que o autor
lançou mão, por vezes com excesso de didactismo. Trata-se, porém,
duma BD clássica de autor histórico, que à História e aos
clássicos consagrou uma boa parte do seu labor. O traço
ágil de José Ruy conserva-se inalterado. As vinhetas iniciais da
primeira prancha são esplêndidas em movimento e cor, dando em cheio
a solidão da pequena ilha, exposta à inconstância dos elementos
naturais no meio do Atlântico, e o insulamento daquela população
entregue a si própria e a Deus, apenas lembrada pelo donatário,
quando este exigia o tributo anual. (Âncora Editora, Lisboa, 2018)
«Leitor de BD», jornal i
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