Um
cínico diria que o magistério uma profissão extraordinária, não
fora a existência dos alunos. Discorda-se do cínico: o problema não
está nos discentes, mas na circunstância de alguns trazerem como
bónus alguns pais muito pouco recomendáveis à saúde. Também há
os simulacros de professores, cuja verdadeira missão é a de ganhar
o ordenado enquanto sonham com uma reforma por invalidez. No
princípio de tudo, porém, estão burocratas do ministério,
entretidos com as suas carreiras e progressões nas ditas,
trabalhando para as estatísticas que lhes são impostas pelos
políticos de turno. Destes, uns são comissários do partido e
outros, tipos bem intencionados, com ideias completamente diferentes
dos antecessores no cargo, que as porá em prática até chegar quem
lhe suceda. Por isso, os estudantes costumam ser as primeiras vítimas
deste carnaval, seguindo-se os bons professores e os pais
conscientes, espécie ameaçada.
Feito
o exórdio, comece-se por dizer que o professor Álvaro é um baril,
e houvesse necessidade de filho nosso precisar de explicações de
Geometria Descritiva, já saberíamos a que porta bater. Mas o
professor Álvaro é também autor de BD e cartunista (além de
arquitecto de formação) e teve a boa ideia de se inspirar no seu
ganha-pão para aplicar o talento que lhe assiste na recriação da
sua circunstância profissional – embora tal esteja longe de ser o
exclusivo da matéria-prima a que recorre para o trabalho bedéfilo.
Conversas
com Putos e com os Professores Deles
é o terceiro livro desta série. Deixamos os docentes em paz – os
muito bons dificilmente são parodiáveis, os maus são paródia
triste – e vamos à maralha de 15, 16, 17 anos e às suas lindezas:
do acne, terror das miúdas, à javardolice flatulenta dos rapazes;
dos futebóis aos jogos e consolas (ou as gajas);
da seca da matéria e da cabulice – as cenas com os alunos
passam-se normalmente em contexto de explicação –, a temas mais
sérios de política e sociedade, sempre com o enviesamento da
auto-suficiência das opiniões fortes e supostamente definitivas,
pois os putos é que sabem...
Álvaro
(Parede, 1970) é particularmente feliz na captação das expressões
que resultam de diálogos que atingem o mirabolante (por vezes nem se
trata de diálogo mas de resmungos, quando não grunhidos): do
surprendido ao irritado, do facecioso ao conformado, do enfadado ao
malicioso. Não se pense, porém, que o autor comete a feia acção
de fazer nome e fortuna (pelo menos crítica) à custa daqueles
infelizes. Não, ali há empatia e pundonor profissional, ambos
especialmente necessários, quando aos professores de hoje (aos bons
e até aos maus) é cometida pela sociedade não apenas a importante
função de ensinar, mas também, quantas vezes, a ingrata tarefa de
educar, competência que mingua a muitos paizinhos, sempre prontos a
exigir dos docentes o suprimento do que a eles lhes falha.
Conversas
com os Putos e com os Professores Deles
argumento
e desenhos: Álvaro
edição:
Insónia, São Domingos de Rana, 2019
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