Alvitre
ao leitor: quando estiver com este livro nas mãos, comece por não
ler, mas observar; folheie demoradamente, deixe os olhos vogarem ao
ritmo que o autor imprimiu a cada prancha, depois fixe as vinhetas,
demore-se nas páginas, nos diversos e bem doseados planos dos
quadradinhos, admire o excelente trabalho de claro-escuro, a partir,
supomos, de vários tipos de canetas de feltro; chegue ao fim, e
então comece a leitura. Está por sua conta.
“Pum!
/ Qual Pum! É Bang! Isto é BD! / ? / Crack!
à la Hugo Pratt. / Click! Vazio. // Toca a mexer malta, ou
acabamos num caixote no sótão ou na Feira da Ladra.» Palavras
iniciais deste livro de Filipe Abranches (Lisboa, 1965), Selva!!!:
diálogos de soldadinhos de guerra em missão por floresta espessa ou
sobre oceanos de mar revolto.
Todos
quanto, rapazes (e raparigas, porque não?...), brincámos aos tiros
com miniaturas, recordamo-nos dos incríveis teatros de guerra que
criávamos. Índios e cowboys, aliados e
nazis, unionistas e confederados, mouros e cruzados. Uns
quantos livros de capa dura dispostos no chão do quarto dava para
fazer um qualquer forte da cavalaria americana ou um castelo
medieval, à falta de modelos de escala reduzida. Os bonecos eram da
“Britains”, muito bem feitos, em resina de poliester com uma base
verde, de metal; ou então uns bonecos da “Airfix”, para quem
quisesse e tivesse paciência para pintá-los... Experimentavam-se as
tácticas com a imaginação e a ajuda do cinema, televisão e
revistas aos quadradinhos. Uma delas, aqui graficamente citada, o
Falcão, com estupendas
séries fixas, edições distribuídas pela Agência Portuguesa de
Revistas: Sandor, Ogan, Oliver, Kalar e o Major Alvega.
História
dentro da história, intromissão do real
na ficção, uma
vinheta em falta, pórticos que se atravessam, do mundo da imaginação
ao mundo verdadeiro,
onde a mentira é maior: a guerra tem sempre acoplada a palavra
“Paz”, com maiúsculas e tudo. Ainda agora a vimos, na operação
“Paz para a Primavera”, turcos contra curdos, uns que
contemporizaram com o Daesh, outros que lutaram contra ele, também
em nosso benefício. Parece que há mais verdade na BD, mesmo que os
intervenientes sejam de poliester ou plástico.
No
colofão, o autor lembra os pais, que lhe compravam saquetas com
revistas aos quadradinhos para ler na praia, e agradece também ao
“Buck Dany”, a quem roubou muitas vinhetas. Buck Dany,
extraordinária BD de guerra e aviação criada pela dupla
Jean-Michel Charlier – Victor Hubinon para a revista Spirou
(os mesmos que conceberam o
pirata Barba Ruiva
para as páginas da Pilote).
Sim, há aqui grandes quadr(ad)os inspirados na arte daquele mestre
belga, homenagem com maturidade gráfica de quem já leva anos disto.
Selva!!!
texto
e desenhos: Filipe Abranches
edição:
Umbra Edições, 2019
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